Padre Cícero: cultura, fé e política são destaques em live da Fundaj
Quinta edição do Grandes Personalidades da História do Nordeste recebeu, nesta quinta (16), o escritor Gilmar de Carvalho e o jornalista Xico Sá
Nem mesmo a morte foi capaz de encerrar o eco do Padre Cícero Romão (1844–1934) no Nordeste do Brasil. Figura polêmica para a ala conservadora da Igreja Católica, o sacerdote afastado de suas funções eclesiásticas sob a acusação de ser um embusteiro mantém intacto o prestígio entre romeiros e políticos um século após o seu. Às vésperas dos seus 86 anos de falecimento, comemorados no próximo dia 20, teve nuances da sua história retomados na quinta edição da série Grandes Personalidades da História do Nordeste, desta quinta-feira (16), da Fundação Joaquim Nabuco. O evento, transmitido via YouTube, recebeu o escritor Gilmar de Carvalho e o jornalista Xico Sá.
“A história do Padre Cícero deve ainda ser recontada, precisamos compreender ele na sua dimensão e no seu tempo. Contam que ele recebia com uma mão e dava com a outra, foi um homem de grande generosidade”, disse o presidente da Fundaj, Antonio Campos, ainda no início da transmissão, a respeito do processo iniciado pelo então cardeal Joseph Ratzinger — mais tarde, Papa Bento XVI — para reabilitar o padre junto à Santa Sé. “A fé do povo nordestino, este povo sofrido, às vezes discriminado, não tem preço”, recordou, entre as histórias dos familiares, como o avô Miguel Arraes, que quando menino teria visto o Padre Cícero três vezes.
Segundo o pesquisador e escritor da biografia de Patativa do Assaré, Gilmar de Carvalho, Cícero mantinha o hábito de abrir sua janela na Rua São José, em Juazeiro do Norte, no Ceará, durante todas as tardes, para conversar com os romeiros que até lá iam encontrar o homem reconhecido santo pelo povo. “Sua história pode ser contada em várias camadas. Temos essa coisa menos glamourosa, do filho de comerciante com irmãs solteiras, mas também o ‘plano do cordel’, que vai dar [ao homem] uma dimensão e uma riqueza. Ele preenche lacunas, fantasia e recria um invólucro mais rico é maravilhoso para o Padre Cícero”, observa.
Nascido Cícero Batista Romão, o sacerdote ganhou notoriedade após uma hóstia se transformar em sangue na boca de uma beata em Juazeiro, no ano de 1889. A história do suposto fenômeno rodou a região, chegando a diversos outros lugares do País. Em meio à grande seca que assolava o lugar, o sacerdote foi visto como milagreiro. “Embora o Padre Cícero não tenha deixado uma obra escrita, o cordel e a tradição oral vão fazer que as coisas estejam todas ali presentes”, destaca Carvalho. Especialista na Literatura de Cordel, ele recorda temas como os mandamentos do ‘santo popular’ sobre ecologia, tratamento para a cólera, milagres e profecias.
A 491 km de Fortaleza, capital cearense, Juazeiro do Norte ficou marcada pela figura do sacerdote. Lá, fiéis construíram uma estátua de 27 metros de altura, no lugar conhecido como Horto. Todos os anos, diversos romeiros vão de encontro ao monumento para pedir ou pagar promessas. Mas não só. “Todo político que queira dialogar com o Nordeste no período eleitoral precisa passar pelo Juazeiro e conversar com o Padre Cícero”, provoca o jornalista Xico Sá, para falar da relevância do sacerdote. Autor da biografia do Beato José Lourenço, personagem de sua cidade natal, Crato, também no Sertão do Cariri, dedica-se a uma análise política de Cícero.
“Ele entra para a política em 1911, quando se torna (o primeiro) prefeito eleito na cidade. A vocação dele era religiosa, mas o tamanho que foi ganhando o coloca nesse lugar”, considera o jornalista, que recorda a relação com o político Floro Bartolomeu e o cangaço. “Já o processo de resgate da figura do Padre Cícero pela Igreja Católica acontece em meio a um contexto de crescimento das igrejas evangélicas, sobretudo neopentecostais. Afinal, ele foi enxotado pela própria instituição”, observa Xico Sá. Algo que Gilmar de Carvalho concorda. “Do meu ponto de vista, uma canonização para os romeiros não é importante. Ele cultua com o mesmo entusiasmo e vigor”, complementa.
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