Semana do Patrimônio: especialistas debatem vitórias e desafios da preservação
No segundo dia da programação, iniciativa da Fundação Joaquim Nabuco falou do tombamento do Poço da Panela e lançou livro do historiador Rodrigo Cantarelli
A preservação da memória como instrumento de acesso à história é um dos trabalhos da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). No segundo dia da Semana do Patrimônio, os debates em torno dos bens culturais nacionais — da identidade cultural à produção artística nacional — deram o tom da programação nesta terça-feira (18). O evento, iniciado na última segunda, foi transmitida no canal da Instituição pernambucana no YouTube. Dentre os destaques, estiveram a participação de diversos nomes importantes na efetivação das leis e políticas de salvaguarda, como a museóloga Célia Corsino, estudiosos como o professor José Luiz Mota Menezes e, ainda, lançamentos de livro e exposição.
Iniciando as atividades do dia, a especialista em Historiografia Brasileira e ex-presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Kátia Bogéa, ao longo de sua participação, ampliou a percepção do público sobre a preservação em regiões distintas do País e do mundo, na conferência “Ideias e práticas sobre patrimônio em diferentes culturas”. A conversa foi mediada pelo coordenador-geral do Museu do Homem do Nordeste (Muhne), Frederico Almeida. “O patrimônio não é renovável. Ele é a alma de um povo e de uma nação. É algo que está numa dimensão espiritual e não mercadológica. Patrimônio é alfabetização. Em nenhuma hipótese, ele pode ser dissociado da educação”, ressaltou Bogéa.
Casa Forte, Poço da Panela e Campus Gilberto Freyre da Fundação Joaquim Nabuco, além de outras questões sensíveis do patrimônio no Recife, também foram temas de debate. O bate-papo teve a presença do professor universitário e ex-presidente do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, José Luiz Mota Menezes, com o historiador, arquiteto e urbanista, Rodrigo Cantarelli, servidor da Fundaj. “Às vezes um sonho, outras o acaso ou ainda uma situação geográfica e topográfica favorável, com propósitos econômicos, militares, climáticos, religiosos e políticos. O certo é que os lugares se inventam e a sua invenção passa por fundadores, como moradores, beneméritos etc.”, declarou Mota Menezes.
Mestre em Museologia e Patrimônio pela Unirio e doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Rodrigo Cantarelli seguiu em cena. Seu livro “Historicismos na arquitetura dos subúrbios recifenses - um recorte da Coleção Ecletismo”, produzido pela Editora Massangana da Fundaj, foi lançado. A obra resgata a memória iconográfica de prédios já extintos e modificados do Recife. A pesquisadora Edja Trigueiro integrou a pesquisa O Ecletismo na Arquitetura Residencial do Recife (1840-1940), promovida pela Casa, nos Anos 1980, e que deu origem ao título, também participou do encontro. A pesquisa está disponível no Centro de Documentação e de Estudos da História Brasileira (Cehibra).
Dando continuidade ao ciclo de debates, a programação vespertina recebeu o diretor do Departamento do Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Hermano Guanais e Queiroz, e a diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Cláudia Márcia Ferreira, também vinculado ao Iphan. Ambos discutiram o tema “Patrimônio imaterial - O que é, onde está, para que serve”. Recordando a comemoração dos 20 anos do Decreto Federal 3.551/2000, considerada pioneira no reconhecido dos bens imateriais no mundo e que serviu de referência para a Unesco, o mediador Frederico Almeida provocou os participantes sobre os contextos que provocaram a formatação da lei.
“São histórias construídas por pessoas. Nós estamos aqui construindo uma parte dessa história. Começaria [a história mencionando] a Semana de 22, com Mário de Andrade, depois o Movimento Regionalista no Nordeste, com Gilberto Freyre. São projetos que já previam o conceito com o qual trabalhamos no campo do patrimônio imaterial”, aponta Cláudia Márcia. Para Hermano Guanais, ainda é um desafio fazer com que os estados e municípios compreendam a Política do Patrimônio Imaterial. “Aloisio Magalhães e tantos folcloristas já defendiam que o olhar do Estado deveria se desvencilhar da matéria e da ideia de excepcional valor artístico e histórico e colocar no centro o sujeito, o humano, como portadores e detentores”, disse.
Cláudia relembrou a importância do homenageado da Semana do Patrimônio da Fundaj, Aloisio Magalhães. “Aloisio defendia que sem um papel estratégico para a cultura não há desenvolvimento. O reconhecimento dessas referências e práticas de vários grupos, valorizada e em diálogo com o Estado têm a ver com a construção do nosso futuro”, reforçou. Hermano destacou a importância de Cláudia, Maria Cecilia Londres Fonseca, Celia Corsino e Marcia Santana. “Elas que se articularam e conseguiram que o Iphan e o Estado brasileiro, de fato, desse cabo à determinação da Constituição de 1988 sobre a institucionalização da ‘dimensão imaterial do patrimônio cultural’, utilizando de formas e estratégias de proteção a partir de um instrumento constitucional: o registro”, reconheceu Guanais.
Em debate acalorado, a arquiteta e urbanista Lia Motta, especialista em conservação e restauro de sítios e monumentos, e museóloga Célia Corsino, ex-diretora do Departamento do Patrimônio Imaterial do Iphan, deram prosseguimento participaram do debate “Patrimônios material e imaterial como campos de tensão”. Corsino relembrou os bastidores da formatação do Decreto 3.551, do Registro do Patrimônio Imaterial. “Com ele estabelecemos uma coisa importantíssima que o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, algo que se fala muito pouco. Foi um esforço enorme de uma equipe técnica maravilhosa e realmente temos processos exitosos de salvaguarda com muita participação externa ao órgão de preservação.”
Lia Motta refutou as observação de Célia sobre as distinções entre os bens materiais e imateriais. “O essencial está relacionado a limitação do direito de propriedade em nome do valor coletivo da propriedade. Isso é inerente à prática de preservação. Em 99% das vezes é propriedade privada. Já a natureza do patrimônio imaterial é essencialmente coletiva”, refletiu, sem deixar de fora a menção aos conflitos envolvidos no processo. “As prefeituras já impõem limitações e aspectos punitivos. Isso não é uma coisa apenas do Patrimônio, mas de viver bem em coletividade. Ele é um instrumento importante, que se bem usado constrói valor, explica o cidadão, passa por todos os processos administrativos necessários.”
Encerrando o segundo e penúltimo dia da Semana do Patrimônio, Frederico Almeida lançou a exposição “Patrimônio imaterial: a consolidação das referências brasileiras no Nordeste”, em que destaca os 21 bens reconhecidos da região (que representam 43,75% do total registrado no Brasil), dentre elas 11 no estado de Pernambuco. Interativa, a mostra é apresentada na plataforma Prezi e traz um resumo dos marcos legais e uma linha do tempo. Bastante didático, a estrutura permite esclarecer dúvidas não só da legislação, como práticas sobre o que é considerado um patrimônio imaterial até curiosidades sobres os livros de registros de saberes, celebrações, formas de expressões e lugares. Com fotografias dos acervos da Fundaj e Iphan.
Primeiro dia
A programação contou com a participação de figuras íntimas do artista plástico e designer, como de sua filha, Clarice, e dos amigos Joaquim Falcão, Gisela Abad e Joaquim Redig. Além de duas exposições sobre o homenageado, o público conferiu uma oficina de cartemas. Ao todo, o primeiro dia somou 1650 visualizações.
“Uma das missões principais da Fundação Joaquim Nabuco é a preservação da memória, do patrimônio e de legados preservados em seu rico acervo. Temos o orgulho de deter uma parcela significativa dos estudos e obras deste grande designer”, ressaltou o presidente da Fundaj, Antônio Campos, na abertura do evento. Participaram da abertura a gerente-geral de Preservação do Patrimônio Cultural da Fundarpe, Célia Campos, o secretário de Cultura de Pernambuco, Gilberto Freyre Neto, e a superintendente estadual do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Renata Borba.
“Mais uma semana dedicada ao Patrimônio, que traz, no formato de seminário virtual, reflexões das práticas em relação aos bens materiais e intangíveis. Uma programação com alguns dos mais relevantes nomes do patrimônio brasileiro e uma parceria com o Governo de Pernambuco”, celebrou o diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte da Fundaj, Mario Helio. Para Gilberto Freyre Neto, neste período pandêmico, é importante que diversas iniciativas sejam pensadas. “A cultura vive um momento difícil, principalmente na produção. A Semana do Patrimônio é muito rica, inclusive por estar homenageando o legado de Aloisio Magalhães”, afirmou.
Adiante, o advogado e escritor Joaquim Falcão, membro da Academia Brasileira de Letras e amigo de Aloisio, conversou com Mario Helio. “Coincidentemente comprei uma casa vizinha a de Aloisio, na Ladeira da Misericórdia, em Olinda. Um belo dia abri a porta e o vi olhando a fachada de sua casa. Digo que a gente não se conheceu, mas, sim, continuamos algo que vinha de muitos anos. Não tem momento, o que existiu foi uma continuidade. Não tem momento, o que existiu foi uma continuidade. Estava no nosso DNA. Não precisou de inauguração. Foi só um rio que passou em minha vida. Hoje, o que mais queria era abraçá-lo”, disse Falcão.
Programação
19 de agosto
10h – Lançamento do livro Nordeste: Identidade Comestível
Apresentação por Ciema Silva de Melo, coordenadora da pesquisa que resultou nesse livro, servidora da Fundaj, mestra e doutora em Antropologia pela UFPE.
Participação de Laurindo Ferreira, diretor de Redação do Jornal do Commercio –
Depoimentos de entrevistados para o livro
Mana Asfora, que produz o tradicional bolo de noiva pernambucano.
Marieta Santos, de São Cristovão, Sergipe, produz tradicional queijadinha.
Dona Gertrudes, de Caicó, Rio Grande do Norte, produtora de queijo.
1030h – “Etnogastronomia do Nordeste: uma ideia realizada em livro.”
Ciema Silva de Melo
Bruno Albertim, jornalista, autor da pesquisa/reportagem e do livro Nordeste: Identidade Comestível.
Emiliano Dantas, fotógrafo desde 1998, pós-graduado em Antropologia pela UFPE, realizou a fotografia do livro Nordeste: Identidade Comestível.
Maria Lectícia Cavalcanti, escritora, imortal da Academia Pernambucana de Letras, pesquisadora gastronômica.
Silvana Araújo, servidora da Fundaj, mestra em Gestão Pública para o Desenvolvimento do Nordeste pela UFPE.
Elizabeth Mattos, coordenadora de Projetos e Processos da Fundaj.
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