Lançamento de livro, com mesa redonda, em homenagem ao centenário de nascimento do antropólogo René Ribeiro, no dia 12 de novembro, na Fundaj
Tarde de nostalgia, no dia 12 de novembro de 2014 na sala Calosute Gulbenkian, da Fundaj/Casa Forte (avenida 17 de agosto, 2187), durante o lançamento do livro “René Ribeiro e a Antropologia dos Cultos Afro-Brasileiros”, em homenagem ao centenário de nascimento do antropólogo pernambucano René Ribeiro.
O evento, promovido em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco - leia-se a sua pós-graduação em antropologia na pessoa do professor/doutor Renato Athias, em companhia do professor Antônio Mota – trouxe de volta as reminiscências do que foi a criação da própria Fundaj, como Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (IJNPS), a fundação dos cursos de antropologia em Pernambuco, a graduação, em 1936, e a pós-graduação, em 1976, e de uma época que não volta mais, dos antigos seminários de tropicologia, realizados sob a batuta de Gilberto Freyre.
Coube a pesquisadora da Fundaj, Rita de Cássia Araújo, fazer um histórico do que foi esse período de iniciação dos estudos das ciências sociais no Recife, quando na década de 1920 Freyre já iniciava a pesquisa da nossa história das relações raciais e indicava um caminho a ser traçado nas pesquisas sobre a cultura afro-brasileira. Ele criou e liderou o Congresso Afro-Brasileiro, realizado no Recife, em 1934, evento que despertou no então médico formado naquele ano, René Ribeiro, o gosto em investigar os xangôs da capital pernambucana, tornando-se também antropólogo. “Período difícil, de perseguição do Estado Novo, de 1937 a 1945, aos cultos afro-brasileiros”, relatou Rita.
Só após esses anos de chumbo, houveram os presentes pelo esforço de tantos anos de trabalho dedicado aos estudos da mediunidade nos terreiros recifenses, coordenados pelo médico psiquiatra Ulisses Pernambucano de Melo: a publicação, em 1952, pelo Boletim do então IJNPS, do livro “Cultos Afro-Brasileiros de Recife – Um Estudo de Ajustamento Social” (embrião do livro em lançamento), dissertação de mestrado de René Ribeiro defendida na Universidade Northwerstern, em Chicago nos Estados Unidos, com orientação de Melville J. Herskovits, no ano de 1949, e a própria criação, nesse mesmo ano, do Instituto Nabuco, que pelos planos de Ulisses, junto a Freyre, seria uma entidade de pesquisa dos problemas psicossociais dos nordestinos e não dos problemas sócio/econômico/culturais, como acabou se tornando a futura Fundação Joaquim Nabuco.
O livro em lançamento é uma reedição (acrescentada de outros textos e fotos), da edição de 1978, da própria Fundaj, e uma obra paradigmática dos estudos das religiões afro-brasileiras, referência obrigatória a quem deseje fazer uma pesquisa atualmente sobre o assunto, explicaram os participantes de uma mesa-redonda que se formou no evento de lançamento do livro, com, além de Rita de Cássia, o presidente da Fundaj, Fernando Freire, o dono do Sistema Correio da Paraíba, o ex-senador e empresário Roberto Cavalcanti, filho de René Ribeiro, e o antropólogo Renato Athias.
Roberto Cavalcanti, como filho do homenageado da tarde, falou, como testemunha ocular, do tempo em que a Fundação respirava cultura e história, e que ele passou a contemplar ao lado do pai, que abraçou as ciências sociais. “O meu foi o desejo pelo empreendedorismo, desde pequeno, quando admirava a casa ao lado da minha, que era de um próspero negociante português. Migrei para esse campo, muito embora não tenha me desconectado de todo das ciências humanas, pois trabalho com jornalismo, como dono do Sistema Correio de Comunicação, e sempre tive ao meu lado minha irmã, Celina Huztler Ribeiro, que seguiu meu pai, sendo antropóloga e professora da UFPE, ela que organizou o livro em lançamento, ao lado do professor Renato Athias”.
Cavalcanti não se esqueceu de agradecer pessoalmente ao pesquisador presente ao evento, na platéia da sala Calouste Gulbenkian, Frederico Pernambucano de Mello, “que foi meu “primo” por parte de pai, sim, porque era um sobrinho intelectual de René Ribeiro. Neto do médico psiquiatra Ulisses pernambucano, que influenciou o meu pai nos estudos sociológicos, Fred foi influenciado por René que o introduziu nestes estudos dos quais Pernambucano de Mello é um dos maiores expoentes”. Frederico Pernambucano foi chamado à tribuna por Renato Athias, e tratou de retribuir o elogio feito a sua pessoa, ressaltando a figura também da mulher de René, a cientista social Beatriz Ribeiro, que auxiliou o marido na redação e elaboração das suas obras. “Obras referências nos seus temas, como sobre a Serra do Rodeador, no século XIX, e sobre o artista ceramista caruaruense Vitalino, “clássicos”, disse Frederico, que colocou René Ribeiro ao lado dos grandes baluartes da antropologia no país, como Thales de Azevedo, Arthur Ramos, Anísio Teixeira e Mário de Andrade, uma plêiade das ciências sociais. Somados a Darcy Ribeiro, citou Roberto Cavalcanti, “que freqüentava a nossa casa”.
E dessa forma, a tarde nostálgica foi sendo levada a passar, na sala Calouste Gulbenkian, da Fundaj, com relatos dos que viveram com René Ribeiro, que estavam na platéia e que tinham sempre uma palavra a deixar neste verdadeiro colóquio, que foi o lançamento do livro “René Ribeiro e a Antropologia dos Cultos Afro-Brasileiros”. Ao final da sua palestra na tribuna, Frederico Pernambucano chegou a se emocionar e chorar ao dizer que tinha vindo ao evento à pé de sua casa, que fica próxima a Fundaj, no bairro recifense de Casa Forte, e que antes de sair do seu lar tinha dito à esposa: “vou ver o meu mestre René Ribeiro”. E viu. Viu Renêzinho, filho de Roberto Cavalcanti falar do avô também com emoção e, com emoção e lágrimas, viu o esposo de Celina Huztler, um trabalhador agrônomo alemão falar, em português, com sotaque, das suas memórias junto ao sogro, René: “morávamos na casa ao lado, só era atravessar por uma passagem no muro que nos separava para ir ao seu encontro e conversar com ele e a sua esposa. Fui sócio dele numa fazenda que tivemos na cidade de Sertânia, e lá na fazenda era que René se despojava dos estudos (o seu prazer), e do trabalho como médico (o seu ganha pão, na verdade), para relaxar andando à cavalo por aquelas terras, e nisso ele se sentia feliz junto a nós, junto a mim, e a Celina, que me deixou neste ano.... E aí, o alemão interrompeu o seu discurso emocionado, que emocionou o presidente da Fundaj, presente à mesa redonda.
Fernando Freire acabou por ler trecho do prefácio escrito por Roberto Cavalcanti para o livro em lançamento. Um trecho que falava da fidelidade, do amor e da cumplicidade que unia René Ribeiro à sua esposa, Beatriz: “Dos dois não se podia falar em singularidade, pois eles eram um par, tão unidos que eram, chegando, inclusive, a morrerem juntos, no Recife, num acidente de automóvel na noite de natal de 1990. Coisa do do acaso ?, acredito que não, explicou Roberto Cavalcanti, “e sim do destino dos dois”.
Destino, e não o acaso, que legou à Fundação Joaquim Nabuco acabar com o seu departamento de antropologia, departamento criado por René Ribeiro em 1950, sob os auspícios de Gilberto Freyre. Departamento do qual a única remanescente esteve presente à platéia do evento de lançamento do livro e que foi à tribuna para falar da sua experiência, a pesquisadora Janirza da Rocha Lima, a Jana como é conhecida na Fundação.
Jana informou que estava emocionada ao recordar o seu ingresso na Fundaj, ainda menina, como estagiária, quando o diretor do departamento de antropologia já era o antropólogo Waldemar Valente. Ela lembrou que aquele ingresso pela porta do sagrado foi um ritual de passagem, pois assistia deslumbrada a tudo aquilo que vivia, “pois eu recém saída de um colégio de freiras, pra bem dizer, fui introduzida num terreiro no primeiro dia que fui trabalhar, sem conhecer, sem ter pisado num terreiro, pois foi isso o que aconteceu, cheguei de dia e o meu chefe no departamento, o doutor Waldemar me disse logo: hoje à noite vamos ao estudo de campo num terreiro, e assim comecei na Fundação, terminei a minha graduação, depois fiz o meu mestrado e o doutorado em antropologia, mas deixei a pesquisa dos cultos afro para me dedicar aos estudos da Memória, e é a ela que recorro hoje aqui para falar que vivi com essas referências, esses ícones, René Ribeiro e Waldemar Valente, entre outros, pontos de chegada e de partida para a antropologia, que acabou na Fundaj e da qual eu, Jana, sou a última remanescente.
Durante a mesa-redonda de lançamento do livro, a pesquisadora Rita de Cássia Araújo, também cientista social, e “das grandes”, com toda a sua inteligência e competência, ainda tentou insinuar que a Fundação Joaquim Nabuco, no presente, passando por uma reestruturação, está retomando este tipo de aproximação com o estudo dos cultos afro-brasileiros e das relações raciais através de dois cursos - um de mestrado, em parceria com a UFRPE, de Educação, Cultura e Identidades, e outro de especialização em promoção da igualdade racial. Porém a realidade é que a época sagrada da antropologia na Fundação já passou. Os próprios organizadores dos cursos na Fundação, que não são antropólogos, mas educadores, não sinalizam que simpatizam nem institucional nem ideologicamente com os antigos estudiosos da antropologia, uma prova foi a ausência, na platéia, dessas pessoas, que poderiam ter participado do evento, mas que hoje fazem na verdade uma militância étnico-racial em prol das políticas de afirmação e contra racismo institucional, o que não deixa de ser uma louvável iniciativa por justiça social.
Os tempos hoje são pródigos na demanda, na procura por esses cursos, pois na última oferta de vagas para a segunda turma do mestrado de Cultura e Identidades, como disse o presidente da Fundaj, Fernando Freire, na mesa-redonda do evento, “tivemos a concorrência de 270 inscritos para apenas 20 vagas, uma demanda que nenhuma outra pós-graduação aqui no estado tem”, o que é um fato, que não nega um outro fato: a Fundação Joaquim Nabuco não é mais a mesma, sendo uma outra instituição, se formos parar para refletir em torno da sua atuação no momento, da sua produção, mesmo, dos seus personagens, e da sua situação atual. Uma prova é o esvaziamento funcional que ela ora passa, com as aposentadorias de muitos servidores antigos, que a deixaram com cerca de 170 cargos vagos, como denunciou com preocupação o presidente Fernando Freire na sua exposição na mesa-redonda do evento.
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