Mostra "Cães Sem Plumas" acontecerá no MAMAM
Cães sem Plumas reúne artistas visuais brasileiros de gerações diversas em torno de uma invenção de linguagem de João Cabral de Melo Neto. No poema “O Cão sem Plumas”, o escritor descreve as paisagens de penúrias do Recife de 1950, tomando como guia o curso do rio Capibaribe, que corta a cidade “como uma rua / é passada por um cachorro; / uma fruta / por uma espada”. Em simultâneo, o poeta narra as ruínas pessoais de tantos daqueles que habitam esses lugares, “plantados na lama”. O rio e esses moradores seriam ambos “cães sem plumas”, expressão que parece designar, em forma de radical paradoxo, situações de destituição absoluta. Um “cão sem plumas”, escreve João Cabral de Melo Neto, “é quando uma árvore sem voz. / É quando de um pássaro / suas raízes no ar. / É quando a alguma coisa / roem tão fundo / até o que não tem”. Esta exposição é sobre aqueles que, no Brasil, vivem à margem de quase tudo que outros já alcançaram, e para as quais somente existe interdição.
São “cães sem plumas” a maior parte dos índios deste país, acossados por doenças e pela ganância infinda sobre as terras a que pertencem. Assim como o são os loucos e presidiários que apodrecem em um sistema curativo e prisional falido. Ou as crianças e adolescentes que moram nas ruas e gastam o pouco tempo de vida que ainda vão ter entre esmolas, delitos e o inevitável enlace com a dependência química. São também aqueles que, frente à violência no campo ou à voracidade especulativa sobre o espaço urbano, são retirados à força de seus lugares de vida e destituídos dos meios de sobrevivência. Ou os muitos de quem o Estado suspende seus direitos mais básicos, tanto no passado de exceção quanto sob um regime democrático, por serem negros, homossexuais ou simplesmente pobres. São ainda os homens e mulheres que, vítimas de uma desassistência absoluta, sequer são identificados depois de mortos. Assim como os estrangeiros que, atraídos por uma expectativa de vida melhor, terminam aviltados aqui em suas prerrogativas mais simples. É dessas pessoas, não contabilizadas no cálculo produtivista que rege e mede o avanço econômico do Brasil, que esta exposição quer dar notícia.
É certo que há vários outros danos que não são computados nesta mostra, assim como diversos outros artistas concedem a eles visibilidade social. Antes de exaurir o tema, o que se quer é levantar assuntos que são ainda pouco confrontados em espaços de apresentação artística no país. O grau de despossessão que marca esses “cães sem plumas” é índice inequívoco de que, a despeito de ter mudado muito e beneficiado tanto os que antes pouco tinham, o Brasil permanece desigual e excludente. Esta é uma exposição sobre vidas roídas.
Moacir dos Anjos
Curador
Nota: Cães sem Plumas integra um projeto de pesquisa da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte – MECA da Fundação Joaquim Nabuco sobre como situações de despossessão no Brasil contemporâneo são representadas nas artes visuais. A exposição é uma realização conjunta da Fundação Joaquim Nabuco e do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, e teve uma primeira edição, intitulada Cães sem Plumas [prólogo], realizada em 2013 na Galeria Nara Roesler, em São Paulo, como parte do programa de exposições Roesler Hotel.
Artistas participantes
Antonio Dias | Armando Queiróz | Berna Reale | Carlos Vergara | Cildo Meireles | Claudia Andujar | Eduardo Coutinho | Gil Vicente | João Cabral de Melo Neto | João Castilho | Jorge de Lima | José Rufino | Lasar Segall | Marcos Chaves | Maria Thereza Alves | Matheus Rocha Pitta | Oswaldo Goeldi | Paula Trope | Paulo Bruscky | Paulo Nazareth | Regina Parra | Rosângela Rennó | Thiago Martins de Melo | Virgínia de Medeiros
Realização: MECA / Fundação Joaquim Nabuco e MAMAM / Prefeitura do Recife
Datas da exposição: 23 de abril a 6 de julho de 2014
Nos dias 24 de abril, 6 e 7 de maio serão realizados debates sobre as questões postas pela exposição com, entre outros, Luiz Ruffato, Eliane Brum, Fabiana Moraes, Maria Eduarda Rocha, Jessé de Souza, Márcio Selligman-Silva e Luiz Camillo Osório.
Na primeira semana de junho será realizada, no Cinema da Fundação, uma mostra de filmes também relacionados à exposição, incluindo, entre outros a serem ainda confirmados, Justiça, Juízo e Morro dos Prazeres (premiada trilogia de filmes de Maria Augusta Ramos), Corumbiara (Vincent Carelli) e A Vizinhança do Tigre (Affonso Uchôa).
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