Fundaj promove seminário "Outros Mapas: Cartografia e Pesquisa Social"
A Fundaj promove, de 15 a 17 de outubro, o seminário “Outros Mapas: cartografia e pesquisa social”, no auditório Benício Dias da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), em Casa Forte. O evento é gratuito e envolve tanto representantes de comunidades indígenas e quilombolas e movimentos sociais quanto pesquisadores de antropologia, geografia, cartografia e disciplinas afins. É organizado pela Divisão de Pesquisas Sociais (Dipes/Fundaj) em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a Universidade de Pernambuco(UPE) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Na cerimônia de abertura, realizada na manhã do dia 15, o presidente da Fundaj, Prof. Dr. Fernando José Freire, saudou o público numa alocução em que citou a importância do evento, que faz parte da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia 2012. "A SNCT é uma das mais importantes ações de divulgação científica da Fundaj, e sua realização foi uma das linhas de atividades que conferiram à Fundaj o Prêmio José Reis de Divulgação Científica, pelas mãos do próprio ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Raupp", disse Freire.
Na mesa de abertura do seminário Outros Mapas, intitulada “Mapas e poder”, os professores Henri Acselrad(UFRJ) e Omar Ribeiro Thomaz (Unicamp) discorreram, respectivamente sobre características gerais dos mapas sociais e o zoneamento social no continente africano.
Para Henri Acselrad, a cartografia sempre foi um instrumento de demarcação de poder, pelo Estado. "Toda cartografia implica afirmação de presença, pois os mapas ajudam a estabelecer uma ordem fundiária. O (geógrafo e cartografista) Brian Harley dizia que os mapas são um instrumento de poder, mas dos anos 1990 para cá uma série de eventos desmentiram essa teoria", explicou. Henri se referiu a uma "virada territorial' como um processo crescente de demarcação de terras pelas comunidades. "O espaço é pensado pelo poder para determinados fins, mas sujeitos alheios se apropriam desses espaços e redefinem esses mapas através da ocupação subvertida - que chamamos de Insurreição do Uso do Solo", detalhou.
Esse fenômeno da Virada Territorial, segundo Henri, é muito perceptível na demarcação das terras indígenas, onde os próprios índios assumem esse protagonismo. O pesquisador esclareceu que a maior parte dos territórios reivindicados encontra-se em áreas de grande biodiversidade e, ao final de sua explanação, lançou o seguinte questionamento: "quem mapeia quem?".
O Prof. Omar Ribeiro Thomas teve uma grande vivência no continente africano, e disse estar plenamente convencido de que as ciências sociais andam lado a lado com o senso comum. No que diz respeito ao mapa da África, o acadêmico afirmou que de um lado se enfatizam as fronteiras estatais criadas pelo colonizador europeu, enquanto do outro lado estão as fronteiras étnicas. Outrossim, Omar explicou que a África possui fronteiras internas que não deveriam ser vistas como fronteiras: "A noção de fronteira que encontrei em Guiné Bissau, não encontrei em Moçambique, por isso não é possível generalizar". A África possui grandes grupos que cortam os diferentes estados pelas diferenças de etnias, línguas, religiões e territórios. "Uma linha está claramente traçada: a do Estado Nacional, onde cada grupo pode afirmar "eu sou africano".
Ao longo da programação estão previstas quatro sessões do “Fórum de relatos de experiências sobre cartografia e mobilização social”. O objetivo é unir pesquisadores, comunidades tradicionais e movimentos sociais, ampliando discussões sobre parcerias em atividades de mapeamento. Os Fóruns terão presença de lideranças indígenas e quilombolas como o Cacique Marcos Xucuru; Adalmir José, da Associação Quilombola de Conceição das Crioulas; e de Maria Tumbalalá, integrante do Povo Tumbalalá e Mestre em Ecologia Humana pela UNEB.
Outra atividade é o “Painel Mapas em Rede”, dividido em duas sessões e que “explora as possibilidades de formações de redes, virtuais ou não, em torno dos mapeamentos”, explica Pedro Silveira, que coordena o evento junto com Allan Monteiro, ambos pesquisadores da Fundaj. O Painel traz atividades diversas como a da Rede Mocambos, uma articulação de comunidades negras de todo o Brasil, e o Mapa dos Conflitos Ambientais em Minas Gerais.
As mesas redondas trazem também temas sobre aspectos metodológicos da cartografia e das ciências humanas e técnicas envolvendo geotecnologia. Trazem pesquisadores de destaque em suas áreas de conhecimento como o geógrafo Carlos Walter Porto Gonçalves e o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, coordenador do Programa Nova Cartografia Social.
A Cartografia Social do Bairro de Santo Amaro, Recife
O bairro de Santo Amaro foi o tema da palestra que iniciou o segundo dia (16/10) do seminário Outros Mapas: Cartografia e Pesquisa Social. Os aspectos socioeconômicos do local, que já foi conhecido como o mais violento da cidade, foram analisados em pesquisas sociais que ajudaram a traçar o seu perfil populacional.
Localizado entre Olinda e Recife, o bairro é formado pelas comunidades João de Barros, Vila da Tecelagem, Vila dos pescadores, Santa Terezinha, Sítio do Céu e Vila dos Casados. Possui instalações importantes como o Hospital do Câncer de Pernambuco e a Assembléia Legislativa de Pernambuco. As avenidas Norte, Cruz Cabugá e a Rua da Aurora, três das principais vias da cidade, cruzam o seu território. Devido a muitos anos de um sensacionalismo midiático, o bairro de Santo Amaro passou a ser conhecido como símbolo da violência, gerada, principalmente pelos agentes do narcotráfico.
Segundo a antropóloga Vânia Fialho, com a pesquisa cartográfica do local foi possível identificar quais as áreas mais atingidas pela criminalidade, catalogar os tipos de violência mais freqüentes e desenvolver ações efetivas para pacificar a comunidade, utilizando formas lúdicas de educação.
Atualmente, podem ser vistas no bairro ações do governo e de organizações não governamentais, além da mobilização da própria população, que cria associações esportivas, comunitárias e atividades de lazer, no esforço mudar a realidade do bairro, enfrentando as barreiras impostas por grupos e pelo poder público.
Com pesquisas cartográficas recentes foi possível compreender o perfil atual da população de Santo Amaro, com a recorrência à memória dos idosos, para catalogar aspectos físicos e sociais, ajudando a preservar o passado e estudar as mudanças ocorridas ao longo dos anos.
As atividades terminam oficialmente às 17h do dia 17, após palestra do antropólogo Mauro Almeida* *(Unicamp). Mais informações e detalhes sobre a inscrição no seminário podem ser obtidos na página do evento (abaixo) ou pelo Facebook.
Conceição das Crioulas: Cartografia Social de uma Comunidade Quilombola
Para Adalmir José da Silva, membro da Associação Quilombola Conceição das Crioulas, a cartografia social realizada na comunidade de Conceição das Crioulas foi importante em vários aspectos. Serviu para sistematizar as informações sobre o território, mostrando a relação do público com o espaço físico e estreitando o acesso à memória.
O mapeamento da agricultura catalogou os diversos tipos de plantas e as atividades agrícolas produtivas. Foi possível conhecer a relação da população com o espaço físico local, possibilitando catalogar as áreas de conflito, referentes às fazendas. Além de ajudar a compreender e valorizar o uso da terra como bem maior, voltado para o plantio, a saúde, a cultura, a religiosidade.
Segundo Vânia Fialho (UPE) e Hosana Celi dos Santos (UFPE), que participaram do projeto, moradores de todas as idades cooperaram com informações. Foram utilizados documentos do INCRA e a carta do Exército, com dados da década de 1970.
Localizada na cidade de Salgueiro, a comunidade foi fundada por seis escravas que conquistaram a liberdade, chegaram ao local e começaram a trabalhar com a fiação de algodão. Elas conseguiram dinheiro e pagaram a renda que lhes dava direito às terras. No ano de 1802 receberam a escritura definitiva de posse do local.
Atualmente, a área é de apenas 30% do que fora no início. O restante está em poder de ocupantes que se apropriaram das terras e construíram fazendas particulares. A organização social da comunidade conta com associações nas suas 16 regiões populacionais, bases para as articulações políticas internas e as mobilizações internas.
No ano 2000 foi criada a Associação, voltada para a valorização do seu passado e da cultura negra e a conscientização do papel do negro na sociedade. Foi ela que desenvolveu os temas e articulou a cartografia da comunidade, para que o mapeamento social contasse com uma grande participação da população.
Os estudos da cartografia social da comunidade Quilombola Conceição das Crioulas estão sendo usados como material didático para os estudantes, preservando a memória do seu povo e informando sobre as principais características da população.
Encerramento
Com a palestra de Mauro Almeida, doutor em antropologia social e professor da Unicamp, foi encerrado o seminário nacional “Outros Mapas – Cartografia e Pesquisa Social”. Houve a presença de pesquisadores, comunidades tradicionais e movimentos sociais
O palestrante apresentou reflexões sobre a importância da Cartografia Social para a sociedade, proporcionando-lhe um novo jeito de enxergar os mapas, buscando reconhecimento dos direitos de comunidades, povos e tribos em situação de dificuldade e risco.
“A visão cartográfica social permite contestar o poder político das elites das regiões, sua missão é tornar possível o que habitualmente se acha impossível diante da lei, onde prevalece a opinião dos poderosos. A cartografia produz afirmações que tem efeito na vida das pessoas”, afirmou o antropólogo.
Nas discussões finais, os participantes e colaboradores do evento ressaltaram a sua importância para a elevação do conhecimento acerca de uma nova interpretação sociológica dos mapas na sociedade.
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PROGRAMAÇÃO
Dia 15
8:30 - Café da manhã
9:00 - Abertura
10:00 - Mesa 1: Mapas e poder
O objetivo desta mesa é discutir aspectos históricos da produção cartográfica como instrumento de poder, bem como situar a questão da “guerra dos mapas” em situações de conflito social.
Coordenador: Caio Maciel (UFPE)
Expositores: Henri Acselrad (PNCSA/UFRJ), Omar Ribeiro Thomaz (Unicamp)
Comentador: T. C. Silva (Casa de Cultura Tainã/Rede Mocambos)
12:00 - Almoço
14:00 - Fórum de relatos de experiências sobre cartografia e mobilização social
Espaço destinado à troca de experiências entre os participantes, tendo como mote relatos de casos específicos em que técnicas de mapeamento foram utilizadas em processos de mobilização social. Dividido em quatro sessões ao longo do seminário, o Fórum busca estimular a participação dos movimentos sociais e sujeitos não-acadêmicos envolvidos em processos de mapeamento.
1ª sessão: Coordenador: Pedro Castelo Branco Silveira (Fundaj)
Expositores:
1. Davi Pereira Júnior (PNCSA) - Cartografia Social das comunidades quilombolas de Alcântara-MA
2. Maria Jaidene Pires (Nepe/UFPE), Mariana Figueroa (NDIS/UPE) e Marcos Xucuru, (Cacique dos Xucuru) - Cartografia Social do Povo Xucuru-PE
3. Denilson Alcântara (GeografAR/UFBA) - Cartografias sociais na Bahia
16:00 - Mesa 2: Ciências humanas e cartografia: aspectos metodológicos
Mesa destinada a apresentar um painel de diferentes formas como a produção de mapas pode ser utilizada em pesquisas na área de ciências humanas, em especial aquelas que envolvem aspectos antropológicos.
Coordenador: Renato Athias (UFPE)
Expositores: Alfredo Wagner B. de Almeida (PNCSA/UFAM) e Carlos Walter Porto Gonçalves (UFF)
Dia 16
8:30 - Fórum de relatos de experiências sobre cartografia e mobilização social
2ª sessão. Coordenador: Plácido Júnior (UFPE)
Expositores:
1. Vânia Fialho (UPE) e Raimundo Nonato Nascimento (UPE) - Cartografia Social no bairro de Santo Amaro, Recife (PE)
2. Solange Gayoso (PNCSA) - Cartografias sociais em Belém
3. Alzeni Thomaz (UNEB) e Maria Tumbalalá (Povo Tumbalalá e UNEB) - Cartografias sociais do rio São Francisco
10:00 - Mesas 3: Técnicas cartográficas e geotecnologia na cartografia social
Esta mesa reúne pesquisadores da área de geografia, cartografia e georreferenciamento que de alguma forma se envolvem com cartografias sociais, discutindo as perspectivas e limites da interação entre o uso das técnicas cartográficas em contextos de cartografias sociais.
Coordenador: Allan Monteiro (Fundaj)
Expositores: Andrea Carneiro (UFPE), Juan Doblas (ISA) e Ricardo Dagnino(Unicamp)
12:00 - Almoço
14:00 - Fórum de relatos de experiências sobre cartografia e mobilização social
3ª sessão. Coordenadora: Mercedes Pérez (LecGeo/UFPE)
Expositores:
1. Thiago Mota Cardoso (UFSC), Isabel Fróes Modercin (Funai), Josecy Soares Silva (Povo Potiguara) - Etnomapeamento e Gestão Territorial em Terras Indígenas no Nordeste
2. Claudia Washington e Lúcio Henrique de Araújo (Coletivo E/Ou) - Descartografias e recartografias - experiências do Coletivo E/Ou
3. Amilton Mattos (UFAC) e Antonio Texeira da Costa (Grupo Vida e Esperança/Resex Alto Juruá) - Cartografia Social dos "plantios" na Resex Alto Juruá (AC)
16:00 - Painel: Mapas em rede
A proposta deste painel, dividido em duas sessões, é apresentar e discutir experiências de articulação de cartografias em redes colaborativas, seja utilizando meios digitais ou outros meios.
1ª sessão. Coordenador: Francisco Caminati (Unicamp)
Expositores: Gustavo Faleiros (InfoAmazônia e mapasColetivos), Klemens Laschefski(Gesta /UFMG)
Dia 17
8:30 - Fórum de relatos de experiências sobre cartografia e mobilização social
4ª sessão. Coordenador: Girlan Candido (LecGeo/UFPE)
Expositores:
1. Vânia Fialho (UPE), Hosana Celi dos Santos (UFPE) e Aparecida Mendes (Associação Quilombola de Conceição das Crioulas) - Cartografia Social no quilombo de Conceição das Crioulas (PE)
2. Roberto Rezende (Lata/Ceres/Unicamp) e Antonio Barbosa de Melo (Monitor Socioambiental da Resex Alto Juruá) - Cartografia colaborativa entre Monitores ambientais da Alto Juruá e pesquisadores da Unicamp
2. Ana Maria Lima Daou (UFRJ/IGEO/CCMN) - Na floresta da cidade: experiências de mapeamentos sociais de indígenas na Amazônia urbana
10:00 - Painel: Mapas em rede
2ª sessão. Coordenador: Francisco Caminati (Unicamp)
Expositores: T. C. Silva (Casa de Cultura Tainã/Rede Mocambos), Arthur Leandro Maroja (Cartografia Crítica da Amazônia), Rômulo Barroso Miranda e Ana Maria dos Santos (Rede Puxirão)
12:00 - Almoço
14:00 - Conferência de encerramento
Palestrante: Mauro William Barbosa de Almeida (Unicamp)
16:00 - Encerramento do Seminário e confraternização
Redes Sociais