CHICO LUDERMIR E A ARTE COMO MEDIADORA DA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
Por Lara Ximenes
O jornalista e artista visual Chico Ludermir investigou, por dois anos, formas de representar um grupo de mulheres trans que vivem na cidade do Recife.
São mulheres que não se identificam com o sexo (genitália masculina) com que, por acaso, nasceram, mas que não sucumbiram: Se reinventaram e se afirmaram enquanto mulheres ao longo de suas vidas.
As narrativas íntimas das dez personagens do grupo, retratadas por meio da fotografia, do vídeo e da escrita resultaram na exposição Mulheres: O nascer é comprido, que abre dia 23 de julho, às 20h30, no primeiro andar do edifício da Fundação Joaquim Nabuco/campus Derby.
Na ocasião da abertura, também acontecerá um debate com Chico Ludermir, Moacir dos Anjos, curador da Fundação Joaquim Nabuco, e a pesquisadora do PPGCOM-UFPE Cristina Teixeira, no auditório do Memorial da Medicina, às 19h.
Na exposição, o artista propõe um contato estreito com essas vidas, ainda que mediado pela arte. As dez mulheres - Christiane, Maria Clara, Rayanne, Mariana, Deusa, Luciana, Francine, Luana, Brenda e Wanessa -, tiveram seus cotidianos retratados, dando origem a um ensaio fotográfico acompanhado com pequenos textos-historietas para cada foto.
Para apresentar estas fotografias no espaço da Fundação Joaquim Nabuco, o artista as imprimiu em azulejos e as fixou nas paredes internas do edifício, tornando--as parte daquela estrutura. Em seguida, Chico solicitou que as personagens ali retratadas interviessem em suas imagens, seja quebrando-as, entintando-as ou escrevendo sobre.
Ainda faz parte da exposição um conjunto de dez breves vídeos, em que cada uma dessas mulheres revisita trechos de seus percursos de transição e lêem trechos de textos escritos pelo artista, a partir dos encontros com elas. Sobre a exposição e a experiência de criá-la, Chico conta mais para o Blog da Fundação na entrevista a seguir.
Blog da Fundação: Qual foi sua maior influência para a exposição? Como tudo começou?
Chico: Tudo começou a partir de uma pesquisa de dois anos sobre o tema, que me levou a escrever o livro “A história incompleta de Brenda e de outras mulheres”, onde fiz uma imersão na vida dessas 10 personagens com entrevistas e ensaios fotográficos. Daí surgiu o convite para participar do Arte, Reforma e Revolução, e foi assim que o projeto se desdobrou em exposição. O interessante é que a proposta do Arte, Reforma e Revolução, que consiste em apresentar intervenções, debates e exposições para manter o prédio da Fundaj do Derby vivo durante a reforma que ele está passando, tem tudo a ver com MULHERES: nascer é comprido, visto que elas têm em seus corpos a reforma e a revolução constantes.
BF: Qual foi o seu maior aprendizado com esse projeto, ou com as mulheres que você fotografou?
Chico: Dificilmente temos contato com a realidade das pessoas trans. Assim, foi transformador para minha vida aprender um pouco sobre a vivência delas, como elas estão inseridas no mundo e como lidam com seus corpos. O grande ponto da exposição, para mim, foi o encontro real, a troca que me permitiu dar uma visibilidade mediada pela arte para aquele universo que é tão estigmatizado.
BF: De onde surgiu a ideia de colocar as imagens em azulejos?
Chico: Eu queria mesclar o próprio espaço do prédio Ulysses Pernambuco (a Fundaj do Derby), que está em época de reforma e transformação, com aqueles corpos que também estão se modificando. A intenção era olhar para o espaço do prédio de forma mais ampla. Até porque a mudança física do corpo é uma extensão do espaço que estamos inseridos, pois à medida que nos transformamos, transformamos também o espaço. Há uma intersecção entre o concreto e o humano.
BF: A sua formação como jornalista te ajudou a construir melhor a história das personagens?
Chico: Como jornalista, o melhor aprendizado que tive foi a construção da escuta. É um ouvir completamente entregue, disposto a ouvir tudo, mas que não é passivo, pois interage e transforma. O ato de ouvir aquelas mulheres me fazia refletir sobre aquelas histórias e criar releituras, recontá-las na exposição.
BF: A exposição conta com a influência de algum dos movimentos que você integra (Coque vive/Ocupe estelita)?
Chico: Conta sim, pois eles fazem parte de quem eu sou. Estou envolvido com o Coque Vive/Resiste há cerca de 10 anos, onde entrei em contato com pessoas constantemente invisibilizadas pela mídia e que são representadas de formas não afirmativas. Novamente, escutar àquelas histórias me ajudou à humanizar esse universo tão estigmatizado. Já o Ocupe Estelita influenciou ao me ajudar a ver o corpo como um reflexo da cidade. A resistência da cidade acaba mesclando com a resistência daqueles corpos.
BF: Para finalizar: por que falar de mulheres trans?
Chico: Carrego em mim um desejo de transformação social. Busco em meus trabalhos causar uma reflexão, uma inquietação. Acho que minha militância é transformadora justamente porque tenho uma inquietação interna, e tento passar ela pros outros. Por isso, é importante falar dessas mulheres que, numa sociedade machista, abdicaram – não por escolha – de seus privilégios masculinos. Isso causa um desconforto na sociedade, mas é bom que a partir desse desconforto as pessoas entendam o desejo profundo que elas têm de ser, de expressar em seus corpos a liberdade e o desejo.
SOBRE O ARTISTA
Chico Ludermir é jornalista, artista visual e integrante da rede Coque Vive/Resiste e do movimento Ocupe Estelita. Seus outros ensaios fotográficos podem ser conferidos aqui.
SERVIÇO
Exposição Mulheres: nascer é comprido
- Endereço: Fundação Joaquim Nabuco, Rua Henrique Dias, 609, 1º andar, Derby, Recife - PE
- Data da abertura: 23 de julho de 2015
- Horário: Das 20:30 às 22 horas
- Visitação: 24 de julho a 23 de agosto de 2015
Debate com Chico Ludermir e Moacir dos Anjos e Cristina Teixeira
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