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13 DE OUTUBRO DE 2015

Publicado: Terça, 13 de Outubro de 2015, 11h57 | Última atualização em Quinta, 20 de Dezembro de 2018, 21h20 | Acessos: 3315

Clipagem ASCOM

Recife, 13 de Outubro de 2015

 

Diario de Pernambuco

Caderno Em Foco


Tem que saber quem é Josué, rapaz!

Vandeck Santiago

Esta frase é de Chico Science, convocando os jovens a conhecer Josué de Castro, personalidade mundial na primeira metade do século 20.

Neste momento em que se comemora a Semana Mundial da Alimentação (10 a 16 de outubro), é hora de lembrar a figura de um pernambucano cidadão do mundo, Josué de Castro, pioneiro nos estudos científicos sobre a fome e no combate ao problema. O primeiro direito do homem, dizia ele, é comer. Sem comer não tem como manter-se vivo, e o acesso à comida significa o acesso a outros bens necessários para a sobrevivência e para a atuação no mundo. Já dizia São Tomás de Aquino, um mínimo de bens materiais é indispensável ao exercício da virtude.

Josué de Castro (foto) é hoje um nome escassamente conhecido fora dos meios acadêmicos, mas na primeira metade do século 20 era o brasileiro de maior projeção internacional. “O autor brasileiro mais lido e comentado no mundo inteiro”, estampava o jornal Folha da Manhã (atual Folha de S. Paulo), em 15 de setembro de 1951. “No pós-guerra, todas aquelas instituições criadas ao abrigo da ONU para melhorar o mundo tinham como guru máximo Josué de Castro”, informa Ignacy Sachs, um dos mais destacados pensadores da atualidade sobre o desenvolvimento sustentável.

Escreveu mais de 30 livros, traduzidos para igual número de idiomas. Foi indicado três vezes para o Prêmio Nobel - uma para o de Medicina e duas para o da Paz. Ganhou dois dos mais importantes prêmios mundiais da época, um patrocinado pelos EUA (Prêmio Roosevelt) e outro de influência da URSS (Prêmio Internacional da Paz). Foi presidente por dois mandatos (de 1952 a 1956) do conselho da FAO (organismo das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação). Em 1957 criou a Associação Mundial da Luta contra a fome (Ascofam), a primeira entidade mundial dedicada a este objetivo. Foi eleito duas vezes deputado federal por Pernambuco, pelo PTB, em 1954 e 1958.

Não sei de intelectual brasileiro que tenha combinado a ação e a reflexão de forma tão intensa e com tanta influência quanto ele. Antigo assessor dele (hoje falecido), Francisco Bandeira de Mello me disse que Josué era um motor em contínua atividade. Amigos o visitavam para almoçar, um encontro informal, e de repente Josué começava: “Sim, mas aquele projeto contra a fome no Peru…”(Josué de Castro: o gênio silenciado, Instituto Maximiano Campos, 2008.)

Nasceu em 5 de setembro de 1908, no Recife (rua Joaquim Nabuco, nº1, atual bairro das Graças). Filho de um pai paraibano que viera para cá fugindo da seca e de uma mãe professora primária. Foi médico, geógrafo, professor. Em 1929 formou-se em medicina no Rio de Janeiro. Em 1932 fez pesquisa sobre as condições de vida dos operários no Recife, estudo que acabaria fundamentando o estabelecimento do salário mínimo em 1929 (o trabalho foi reeditado pela Fundação Joaquim Nabuco e lançado mês passado no Recife, As condições de vida da classe operária no Recife: estudo da sua alimentação).

Mas o que lhe daria reputação internacional foi o livro Geografia da Fome, publicado em 1946, onde analisava o quadro da fome no Brasil. Em 1951 lançou Geopolítica da fome, ampliando para o mundo a abrangência dos seus estudos. Sobre este diria a escritora norte-americana Pearl Buck, prêmio Nobel de literatura: “É o mais encorajador, o mais esperançoso e o mais generoso livro que já li em toda a minha vida”.

Até então via-se a fome apenas como a vontade de comer, ou no máximo como uma fatalidade geográfica. Não era uma coisa nem outra, dizia Josué. Fome era a manifestação biológica de males sociais, um flagelo criado pelos homens contra outros homens. Desde cedo, no Recife, ele tivera o olhar atento para ver as mazelas da fome. Via “meninos com o bucho estofado de lama” e adultos que de tão afetados pela falta de comida pareciam “bonecos de pano mal costurados”. A temática da fome nos mangues é enfocada em Homens e Caranguejos (1967), livro dele que fisgou a atenção de Chico Science, e tornou-se alvo de citações em músicas do cantor e no manifesto do movimento manguebeat. Quando Science canta “Ô Josué, eu nunca vi tamanha desgraça”, é a Josué de Castro que está se referindo. Em depoimentopara o documentário de Silvio Tendler, Josué de Castro - cidadão do mundo, Chico Science afirma: “Tem que saber para onde corre o rio, tem que saber seguir o leito, tem que estar informado, tem que saber quem é Josué de Castro, rapaz!”.

A fome denunciada por ele continua existindo no mundo, mas a situação tem melhorado. Há hoje 805 milhões de pessoas passando fome no planeta - são 100 milhões a menos do que na década anterior e 200 milhões do que há 20 anos.
Em relação ao Brasil, o país é um dos que venceram a fome, diz o relatório Estado da Insegurança Alimentar no Mundo, de 2014, da FAO (o que não quer dizer que não tenhamos nenhum brasileiro sofrendo com a desnutrição; eles são ainda 1,7% da população, o equivalente a cerca de 3,4 milhões de pessoas).

Apesar da importância dos seus estudos, ou talvez por isso mesmo, Josué de Castro foi cassado na primeira lista  do regime militar, em 9 de abril de 1964, ao lado de nomes como os de Miguel Arrraes, Luiz Carlos Prestes, Leonel Brizola, Francisco Julião. Morreu no exílio, em 24 de setembro de 1973, querendo voltar ao Brasil e sem poder. Sua obra e suas ações são inspiradoras de todos os programas de combate à fome no Brasil. Seu nome deve estar sempre em nossa lembrança.

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