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Culinária Brasileira

Publicado: Quarta, 12 de Junho de 2019, 12h33 | Última atualização em Quarta, 12 de Junho de 2019, 12h33 | Acessos: 404

Lúcia Gaspar
Sebastião Vila Nova

APRESENTAÇÃO

Sebastião Vila Nova

Quando Gilberto Freyre publicou Açúcar - Algumas receitas de doces e bolos dos engenhos do Nordeste (Rio de Janeiro: José Olympio, 1939), muitos o criticaram por ocupar-se de tema supostamente indigno da atenção de um cientista social. Seguramente estavam tais críticos desinformados a respeito do revolucionário movimento, liderado por Lucien Febvre e Marc Bloch, na França, que viria a tornar-se conhecido como a Escola dos Annales, que, conjugando a História com a Sociologia, a Antropologia Social e a Economia, chamava a atenção para a importância do cotidiano, do aparentemente trivial para a compreensão da sociedade. Cabe, aliás, lembrar que, já em 1921, com a sua tese defendida na Universidade de Columbia para obtenção do título de mestre, Social Life in Brazil in the Middle of the 19th Century, Gilberto Freyre antecipava a característica fundamental daquele movimento - a valorização do cotidiano como matéria-prima fundamental à compreensão da sociedade - como bem fez notar o historiador Peter Burke (ver Gilberto Freyre a Nova história. Tempo Social. São Paulo, v.9, n. 2: p.1-12, out. 1997). É que, àqueles críticos, apegados a uma concepção tradicional e equivocada de Ciência Social, a esta só caberia o estudo do excepcionalmente grandioso na sociedade, ou, de outro lado, dos grandes problemas sociais.

Que Sociologia digna do nome pode ser realizada sem atenção ao cotidiano ? E não é outra a lição dos grandes mestres, os founding fathers da Sociologia, de Émile Durkheim a Max Weber, mas, sobretudo dos sociólogos da chamada Escola de Chicago - Robert E. Park, William I. Thomas, Florian Znaniecki, Louis Wirth, entre outros - e dos seus herdeiros diretos, os interacionistas simbólicos - Herbert Blumer, Howard S. Becker, Irving Goffman, por exemplo.

Entre os aspectos da vida cotidiana de significativo interesse a sociólogos e antropólogos, ressalta a culinária e os rituais a ela associados. Daí observar T. S. Eliot que: "Se levarmos a sério a cultura , vemos que uma pessoa não precisa simplesmente de comer o suficiente (mesmo que seja mais do que somos capazes de prover) mas de uma cozinha ( o grifo é do Autor) adequada e particular" e que "um sintoma do declínio da cultura na Grã-Bretanha á a indiferença pela arte de preparar alimentos." (Notas para uma definição de cultura. Trad. Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Perspectiva, 1988, p. 41).

É mais do que notória nas Ciências Sociais no Brasil a importância concedida por Gilberto Freyre à culinária como um dos distintivos básicos das regiões brasileiras. Lamentando o declínio da culinária nordestina, observa ele que "uma cozinha em crise significa uma civilização inteira em perigo: o perigo de descaracterizar-se." (Manifesto regionalista. 4.ed. Prefácio de Sérgio Moacir de Albuquerque. Recife: IJNPS/MEC, 1967, p.61).

Já nos anos vinte, porém, em artigo de jornal, significativamente intitulado O pirão, glória do Brasil, o jovem Gilberto Freyre informava que: "Na Inglaterra, no meado do século XIX, intelectuais, artistas e políticos organizaram-se num grupo conhecido por young England, em cujo programa figurava em relevo este ponto: trabalhar pela elevação da arte culinária." (Artigos de jornal. Prefácio de Luis Jardim. Recife: Edições Mozart, s.d., p.59). No entanto, conclui desalentado: "O esforço dos jovens não conseguiu grandes coisas: a cozinha inglesa continua a mais horrível das cozinhas." (Idem) O que, aliás já havia sido proclamado, no século XVIII, por Voltaire. No mesmo artigo, convergindo com Eliot, nota que "a idade de ouro da nossa vida social e da nossa política coincide com a idade de ouro da nossa cozinha, que foi também a de maior esplendor do pirão." (Idem) Cabe, a esta altura, a propósito da convergência de pontos de vista de Eliot e Freyre, quanto a importância da culinária na caracterização de qualquer cultura, que este último o antecedeu em mais de três décadas (o texto de Eliot transcrito nesta apresentação somente foi publicado em 1948, enquanto no início dos anos vinte Freyre já fazia a apologia do pirão como a "glória do Brasil").

Deste modo, esta bibliografia, organizada com esmero e competência irretocáveis por Lúcia Gaspar, diretora da Biblioteca Blanche Knopf, da Fundação Joaquim Nabuco, que tanto tem colaborado para o bom êxito de Ciência & Trópico, representa, sem margem à controvérsia, preciosa fonte de informações da mais alta relevância a quem quer que se ocupe do estudo da culinária brasileira, tão rica e variada, como elemento de inegável importância à compreensão da cultura brasileira, mas, principalmente, das subculturas regionais da nossa sociedade.

Recife, 10 de setembro de 2003

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