A falta de uma orientação estratégica de longo prazo tem dificultado a atuação dos agentes do mercado, responsáveis diretos pelos investimentos
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No final de 2015 o Portal CanalEnergia convidou autoridades do governo, dirigentes de empresas e especialistas do Setor Elétrico Brasileiro para refletirem sobre os caminhos e os desafios associados ao suprimento de energia elétrica ao país até o ano de 2030. Essas reflexões, apresentadas em Reportagem Especial publicada à época, resumem as visões especificas dos diversos segmentos que compõem o setor como governo, empresas, associações de classe e consultores. Dentre essas reflexões, o maior desafio para nortear a formulação de cenários da expansão do sistema eletro energético nacional neste horizonte, a consideração das incertezas foi uma unanimidade.
A falta de uma orientação estratégica de longo prazo tem dificultado a atuação dos agentes do mercado, responsáveis diretos pelos investimentos. Sem esta orientação a expansão da oferta de energia elétrica no país está ficando cada vez mais volátil e dependente da atuação de diversos atores junto ao governo, cada um defendendo os interesses da tecnologia de geração que representa. Cabe ressaltar que o último plano de expansão de longo prazo o PNE – 2030 elaborado em 2007, já está, evidentemente, desatualizado.
A omissão de atualização sistemática de estudos desta natureza inviabiliza a expansão otimizada da oferta de energia elétrica, provocando, face a falta de rumo, desperdícios, baixa qualidade de suprimento e implantação de alternativas não condizentes com as prioridades do país.
Um exemplo cristalino da visão imediatista que estamos vivenciando é ilustrada pela proposição por parte do MME de realizar leilões de energia e de potência para a Região Nordeste focados em usinas termelétricas usando GNL importado e no atual processo de expansão das fontes eólicas e solares descolada de uma visão estratégica de longo prazo.
Especificamente para a região nordeste, é de fundamental importância cotejar as opções mencionadas com alternativas de expansão hidroelétrica na bacia do Rio São Francisco, considerando duas vertentes de desenvolvimento, comentadas a seguir.
A primeira vertente seria o desenvolvimento do potencial hidrelétrico remanescente no Alto São Francisco, conforme estudo de inventário realizado pela EPE cujos resultados são mostrados na tabela a seguir:

Este conjunto de empreendimentos representa um volume útil de cerca da 17.000 hm3 ou 70% do volume útil do reservatório de Sobradinho, sendo, inclusive, superior ao do reservatório de Três Marias.
Além da geração de energia elétrica, caberia destacar a melhoria das condições operacionais da hidrovia do São Francisco em aproximadamente 1.300 km entre os reservatórios de Sobradinho e Três Marias e melhoria da efetividade do controle de cheias, dentre outros benefícios.
A outra vertente, seria a implantação das segundas etapas das usinas hidrelétricas de Itaparica e Xingó, mostradas nas figuras a seguir:

UHE – Itaparica (Fonte: Chesf)
UHE – Xingó (Fonte: Chesf)
Os estudos para a avaliação da viabilidade econômica destas motorizações precisam ser atualizados à luz da NOTA TÉCNICA Nº 5/2017/AEREG/SE do MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA que apresenta a proposta de aprimoramento do marco legal do Setor Elétrico Brasileiro, sugerindo de forma bastante clara que este tipo de investimento será bastante comum estabelecendo, inclusive, a base legal para sua remuneração. Bem como do SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 1.917, de 2015, que trata do mesmo tema, uma vez aprovado pelo Congresso Nacional.
O objetivo principal das ampliações de Itaparica e Xingó é o suprimento de potência para compensar a intermitência da geração eólica instalada na região Nordeste. Para cumprir este papel de regularizador da geração eólica em escalas de tempo diária e horária, no caso de Xingó, seria necessária também a implantação da usina de Pão de Açúcar, imediatamente a jusante, a fim de amortecer a variações na vazão defluente decorrentes desta operação.
Esta ação regularizadora de Pão de Açúcar, além de sua contribuição energética, traria vários benefícios para o baixo São Francisco como permitir a navegação no trecho de 208 km entre a cidade de Piranhas e a foz no Atlântico, inclusive por embarcações de cabotagem que no passado atingiam o porto fluvial de Penedo. Além disso, ao estabilizar as vazões, reduziria a erosão das margens do rio e conteria a penetração da “cunha salina”, além do desenvolvimento da cultura do arroz irrigado na região do baixo São Francisco. Benefícios que devem ser adequadamente contemplados na análise da viabilidade econômica.
Intimamente integrada à análise da expansão da oferta de energia elétrica para a Região Nordeste, está a análise objetivando o estabelecimento de valor mínimo legal de defluência de Sobradinho aderente aos usos múltiplos e ao meio ambiente, bem como a necessidade de eventuais aumentos de capacidade de interligações com a Região que assegurem a operacionalização da defluência mínima e a minimização da geração de térmicas de custo elevado.
Deve ser prioridade do governo que assumirá em janeiro de 2019, restabelecer a sistemática de planejamento setorial definida pela Lei nº 10.848 de 2004, evitando a volatilidade que se observa no planejamento dos anos recentes. Com isto o MME assumiria, de fato, o papel de árbitro dentro de um ambiente de competição saudável onde as diferentes fontes de energia teriam sua participação na Matriz Elétrica Nacional definida pelo interesse maior do País.
Ao restabelecer o processo de planejamento de longo prazo é importante lembrar que o ambiente atual requer, ao invés da busca de um ótimo hipotético, procurar-se uma solução factível, considerando a incerteza das múltiplas variáveis, definidas nos diversos espaços a serem trabalhados – o hídrico, o elétrico, o energético, o econômico, o social e o político, sujeitas a diversas restrições físicas, financeiras e políticas buscando contemplar, também, as diversas demandas regionais, naturalmente sem perder de vista uma adequada segurança de abastecimento eletro-energético com custo mínimo.
Sobre o assunto
As indefinições da geração de energia no Nordeste brasileiro
Ainda sobre as indefinições da geração de energia no Nordeste brasileiro, artigo de João Suassuna
https://www.ecodebate.com.br/2017/07/06/ainda-sobre-as-indefinicoes-da-geracao-de-energia-no-nordeste-brasileiro-artigo-de-joao-suassuna/
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