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13/08/2018
Lagos naturais e áreas úmidas, incluindo a várzea e o pantanal, são fontes globais significativas de metano [1-4]. Um reservatório hidrelétrico, no entanto, é uma fonte substancialmente maior de CH4 por área de água por causa de uma diferença crucial: a água que sai do reservatório é retirada do fundo em vez da superfície. Tanto os lagos naturais como os reservatórios emitem CH4 por bolhas e difusão na superfície, mas no caso dos reservatórios, há uma fonte adicional de CH4 a partir da água que passa através das turbinas e vertedouros. Estes retiram água abaixo do termoclina, onde ela está saturada com metano.
O reservatório é como uma banheira, onde se puxa a tampa e a água escoa para fora da parte inferior ao invés de transbordar da superfície como em um lago natural. Porque a água que emerge das turbinas está sobre alta pressão, a repentina queda na pressão quando despejada a jusante fará com que a maior parte do metano forme bolhas que são liberadas para a atmosfera. Em um prazo mais longo, o aquecimento da água que flui a jusante abaixo da represa irá resultar em redução na solubilidade e aumento da liberação de gás (princípio de Le Chatalier).
Para o gás na água fluindo a jusante, abaixo de uma barragem, a liberação de gases para a atmosfera é suficientemente rápida para que a maior parte do CH4 escape de conversão em CO2 por bactérias na água. Na verdade, o grande lançamento é imediatamente abaixo das turbinas, e até mesmo dentro das próprias turbinas. Esta é a razão por que as medições de fluxo de gás da superfície da água no rio abaixo da represa não são suficientes para medir o impacto das emissões de água que passa através das turbinas — grande parte das emissões está escapando da medição.
Esta é a explicação principal, por exemplo, que o grupo de pesquisa montado por FURNAS (uma empresa de energia que abastece 40% da eletricidade do Brasil) foi capaz de alegar que hidrelétricas foram “100 vezes” melhores do que os combustíveis fósseis em termos de aquecimento global [5]. Tais valores baixos de emissões são, em parte, porque as barragens estudadas foram no Cerrado ao invés de floresta tropical, e as estimativas omitem as emissões de desgaseificação nas turbinas e vertedouros [6, 7].
Na verdade, as medições de fluxo começaram a distâncias abaixo da represa que variam de 50 m para as barragens de Furnas, Estreito e Peixoto ([8], p. 835), a 500 m para as barragens de Serra da Mesa e Xingó [9]. Eles também ignoraram as emissões que ocorrem mais de 1 km abaixo das barragens [6]. A única maneira de estimar a liberação sem tais vieses é de basear a estimativa na diferença entre a concentração de CH4 na água acima e abaixo da barragem (e.g., [10, 11]) [13].
Notas
[1] Devol, A. H.; Richey, J. E.; Forsberg, B. R.; Martinelli, L. A. 1990. Seasonal dynamics in methane emissions from the Amazon River floodplain to the troposphere.
Journal of Geophysical Research, v.95, p. 16.417- 16.426.
[2] Hamilton, S. K.; Sippel, S. J.; Melack. J. M. 1995. Oxygen depletion, carbon dioxide and methane production in waters of Pantanal wetland of Brazil.
Biogeochemistry, v. 30, p. 115-141.
[3] Melack, J. M.; Hess, L. L.; Gastil, M.; Forsberg, B. R.; Hamilton, S. K.; Lima, I.B.T.; Novo, E. M. L. M. 2004. Regionalization of methane emission in the Amazon Basin with microwave remote sensing.
Global Change Biology, v. 10, p. 530-544.
[4] Wassmann, R.; Martius, C. 1997. Methane emissions from the Amazon floodplain. In: Junk, W. J. (ed.) The Central Amazon Floodplain – Ecology of a Pulsing System.Heidelberg, Alemanha: Springer-Verlag, p. 137-143.
[6] Ometto, J. P.; Pacheco, F. S.;
Cimbleris, A. C. P.; Stech, J. L.; Lorenzzetti, J. A.; Assireu, A.; Santos, M. A.; Matvienko, B.; Rosa, L. P.; Galli, C. S.; Abe, D. S.; Tundisi, J. G.; Barros, N.O.; Mendonça, R. F.; Roland, F. 2011. Carbon dynamic and emissions in Brazilian hydropower reservoirs. In: de Alcantara, E. H. (ed.),
Energy Resources: Development, Distribution, and Exploitation, Hauppauge, NY, E.U.A.: Nova Science Publishers, p. 155-188.
[7] Ometto, J. P.; Cimbleris, A. C. P.; Dos Santos, M. A.; Rosa, L. P.; Abe, D.; Tundisi, J. G.; Stech, J. L.; Barros, N.; Roland, F. 2013.
Carbon emission as a function of energy generation in hydroelectric reservoirs in Brazilian dry tropical biome. Energy Policy, v. 58, p. 109-116.
[8] dos Santos, M. A., Rosa, L. P.; Matvienko, B.; dos Santos, E. O.; D’Almeida Rocha, C. H. E.; Sikar, E.; Silva, M. B.; Bentes Júnior, A. M. P. 2009. Estimate of degassing greenhouse gas emissions of the turbined water at tropical hydroelectric reservoirs
. Verhandlungen Internationale Vereinigung für Theoretische und Angewandte Limnologie, v
. 30, Parte 6, p. 834-837.
[9] da Silva, M.; Matvienko, B.; dos Santos, M. A.; Sikar, E.; Rosa, L. P.; dos Santos, E.; Rocha, C. 2007. Does methane from hydro-reservoirs fiz out from the water upon turbine discharge? SIL – 2007-
XXX Congress of the International Association of Theoretical and Applied Limnology, Montreal, Québec, Canadá.
[10] Fearnside, P. M. 2002. Greenhouse gas emissions from a hydroelectric reservoir (Brazil’s Tucuruí Dam) and the energy policy implications.
Water, Air and Soil Pollution, v. 133, n. 1-4, p. 69-96.
[12] Fearnside, P. M. 2016. Greenhouse gas emissions from hydroelectric dams in tropical forests. In: Lehr, J.; Keeley, J. (eds.) Alternative Energy and Shale Gas Encyclopedia. New York, E.U.A.: Wiley, p. 428-438.
[13] As pesquisas do autor são finaciadas exclusivamente por fontes acadêmicas: Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: proc. 305880/2007-1; 5-575853/2008 304020/2010-9; 573810/2008-7), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM: proc. 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ15.125). Esta é uma tradução parcial atualizada de Fearnside [12]. Futuramente, um livro do Museu Paraense Emílio Goeldi terá um capítulo reunindo essas informações.
A foto que ilustra este artigo é das obras da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará
(Foto: Regina Santos/Norte Energia)
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