Ir direto para menu de acessibilidade.
Página inicial > Adaptação ao Aquecimento Global > 'Vida moderna deve mudar para combatermos aquecimento global'
Início do conteúdo da página

'Vida moderna deve mudar para combatermos aquecimento global'

Publicado: Quinta, 11 de Julho de 2019, 10h10 | Última atualização em Quinta, 11 de Julho de 2019, 10h10 | Acessos: 460

 

Autor de A terra inabitável, David Wallace-Wells discute a urgência da mudança climática e a corrida contra o relógio para salvar o planeta.

 

https://epoca-globo-com.cdn.ampproject.org/v/s/epoca.globo.com/entrevista-vida-moderna-deve-mudar-para-combatermos-aquecimento-global-23784853?versao=amp&amp_js_v=0.1#referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com&amp_tf=Fonte%3A%20%251%24s&ampshare=https%3A%2F%2Fepoca.globo.com%2Fentrevista-vida-moderna-deve-mudar-para-combatermos-aquecimento-global-23784853

 

POR JAN NIKLAS

 

04/07/2019

Fábrica na China joga poluentes na atmosfera KEVIN FRAYER / GETTY IMAGES

 

Para o jornalista David Wallace-Wells, o futuro é muito pior do que imaginávamos. Os problemas que enfrentaremos por conta do aquecimento global já estão em curso — e acelerando vertiginosamente. É o que ele mostra em seu primeiro livro, A terra inabitável, que figurou na lista de best-sellers do New York Times e será publicado no Brasil pela Companhia das Letras. O autor, que também é editor adjunto da New York Magazine, participará da Flip, em Paraty, que ocorrerá entre 10 e 14 de julho. Em entrevista a ÉPOCA, Wallace-Wells traça um panorama sobre as catástrofes que podem engolir nosso planeta e aponta como podemos salvar a humanidade de uma hecatombe climática.

O que motivou o senhor a escrever sobre mudanças climáticas? E como vê a cobertura da imprensa sobre o assunto?

Vivi toda a minha vida em Nova York e pensei por muito tempo que a vida moderna era uma espécie de fortaleza contra as forças da natureza. Isso até entender que a mudança climática era algo real e que afetaria profundamente minha vida e a das pessoas que amo. Como jornalista, percebi quão grande, complexa e universal essa história era ao mergulhar nas pesquisas científicas. E que era muito mais urgente do que eu imaginava.

É dramático que mais da metade das emissões de carbono produzidas pela queima de combustíveis fósseis na história da humanidade foram produzidas nos últimos 25 ou 30 anos. Significa que, apenas durante meu tempo de vida, tiramos o planeta de uma situação estável para um ponto de catástrofe. E, agora, nós temos aproximadamente esse tempo para evitar algumas consequências assustadoras.

Se você junta esses dois períodos históricos — de como trouxemos o planeta para esse ponto de catástrofe, e o tempo que nos resta para salvá-lo —, é uma escala que só reconhecemos na mitologia e na teologia: é como deuses querendo salvar o planeta para gerações futuras. Até 2050, precisamos zerar completamente as emissões de carbono em todos os setores do mundo.

E quais são essas previsões tão angustiantes?

Nós já estamos em 1,1 grau de aquecimento da temperatura média do planeta, o que pode não parecer muita coisa. Mas isso nos coloca totalmente fora da janela de temperatura que existiu durante toda a história da humanidade. Nenhum homem andou sobre a terra com um clima tão quente quanto eu e você andamos atualmente.

O processo de evolução do homem, o desenvolvimento da agricultura, da civilização, a forma como interagimos biologicamente, socialmente e politicamente, tudo isso se desenvolveu sob condições climáticas que já não predominam mais. É quase como se tivéssemos aterrissado em um outro planeta, com diferentes condições de clima. E agora temos de descobrir como sobreviver sob condições que continuam a mudar.

Se não mudarmos de curso, chegaremos a 4 graus de aquecimento no fim do século. Isso significaria possivelmente um PIB Global 30% menor do que seria sem a mudança climática, ou seja, um impacto duas vezes maior do que a Grande Depressão de 1929 — e seria permanente. Isso significa que regiões do mundo poderão ser atingidas por seis desastres ambientais de uma vez. A produtividade agrícola poderá cair para a metade do que é hoje. Nós poderemos ter duas vezes mais guerras.

Com quais cenários mais realistas podemos trabalhar?

Se acabarmos no espectro entre 2 e 4 graus é uma questão de quão rápido podemos mudar nossa vontade política e quão rápido podemos reorientar a civilização para acabar com carbono e usar outros recursos energéticos poluidores. Energias renováveis já são bem mais baratas do que fora. Mas é difícil mudar o rumo após tanto tempo andando na direção errada.

A China ainda está abrindo novas usinas de carvão e nenhum dos grandes países industrializados que fizeram promessas no Acordo de Paris está honrando esses compromissos. Estamos saindo de um entendimento global que tornou esses acordos possíveis. Em vez disso, nos tornamos mais nacionalistas, mais egoístas. Trump se comporta desse jeito. Também é uma das razões pelas quais a Austrália rejeitou um primeiro-ministro que estava propondo ações mais rápidas sobre o clima. Mesmo os países que estão realmente comprometidos com a ações climáticas podem parar suas políticas se outros países trabalham poluindo o planeta.

Se as previsões são tão preocupantes, por que a agenda ambiental ainda não está no topo das prioridades de todos os países?

Acho que todos nós temos muitos preconceitos e reflexos emocionais, psicológicos e intelectuais que nos impedem de olhar diretamente para esse problema. Temos dificuldade para imaginar coisas relativamente distantes no futuro. Mesmo que seja daqui a dez anos ou 15 anos. Não creio que possamos esperar que os indivíduos dediquem sua vida emocional e intelectual inteira à questão da mudança climática.

Também acho que um fator importante é que, por muito tempo, os economistas entendiam que agir sobre o clima seria muito caro e que não fazia sentido econômico. No entanto, nos últimos anos, houve uma inversão desse pensamento. Agora quase todos os economistas dirão que seremos melhores economicamente por meio de ações rápidas sobre mudanças climáticas.

Você vê exemplos como o Reino Unido, que, mesmo com um parlamento conservador, declarou emergência climática e comprometeu o país a eliminar a emissão de carbono até 2050. A Indonésia, que é um país em desenvolvimento, projeta cortar metade de suas emissões até 2030. Isso os coloca à frente dos compromissos do acordo de Paris. Ao mesmo tempo, preveem crescer 6% ao ano. Eles não acreditam mais que seja necessário fazer uma escolha entre crescer rapidamente e crescer responsavelmente. Mas acredito que essa mentalidade ainda não se alastrou mais que porque nossos políticos não se concentram nisso.

Então ações individuais, como parar de comer carne ou não usar carro particular, não são tão importantes?

Acho que o impacto das ações individuais é trivial, comparado ao que pode ser alcançado por meio da política. O maior impacto que os indivíduos conseguem é tentar pressionar por uma mudança politicamente. Porém, as pessoas que se sentem compelidas a reduzir suas pegadas de carbono devem fazer isso sim. Isso sinaliza para seus amigos e familiares que você está preocupado com o clima, o que também é produtivo. E sinaliza para o formulador de políticas que ele deve ser responsável por esses anseios.

Muitas vezes as pessoas pensam que fizeram sua parte pois reduziram suas pegadas de carbono. Mas, para mim, é muito mais importante se engajar politicamente e tentar forçar seu representante a orientar suas ações em torno da questão da mudança climática do que ter o conforto de que você está vivendo como um “santinho do clima”. Além do mais, acho que impelir pessoas a parar de andar de avião ou comer carne, antes de realmente mudarmos toda a paisagem da política em torno da questão, é alienar um número de pessoas que, de outra forma, estariam apoiando esse tipo de ação política.

E quais são os pontos-chaves que podemos mudar por meio de políticas voltadas para o clima?

Todos os aspectos da vida moderna têm uma pegada de carbono e precisamos eliminá-la. Então não acho que uma única diretriz possa resolver o problema. Ma,s quando as pessoas me perguntam qual seria a primeira coisa a fazer, acho que a resposta é realmente óbvia.

Um estudo de pesquisadores que trabalham no FMI estimou que globalmente estamos subsidiando combustíveis fósseis no valor de U$SS$ 5,3 trilhões por ano. Há uma quantidade surpreendente de dinheiro usado para abrir negócios que estão degradando e prejudicando o futuro do planeta, sem nenhuma justificativa ou defesa para esses subsídios. Precisamos acabar com os estímulos para essas indústrias ou redirecioná-los para energias verdes e renováveis. Uma política em escala global para atacar esse problema seria um primeiro passo.

O senhor enumera três equívocos básicos na compreensão sobre as mudanças climáticas. Pode explicá-los?

O primeiro é a velocidade. Eu cresci ouvindo que o clima mudaria mais rápido durante a vida dos meus filhos, provavelmente ao longo da vida dos meus netos. Mas 30% das emissões de carbono ocorreram nos últimos 15 anos. Então, se você tem 15 anos de idade hoje, 30% de todos os danos que causamos ao meio ambiente na história da humanidade foram durante a sua vida.

O segundo é o escopo. Muito se fala sobre o nível dos oceanos, mas o aquecimento global vai mudar radicalmente a agricultura, a saúde pública, a economia, as guerras. Não há escapatória nessa história. Não importa quem você é, quão rico ou pobre. Haverá partes do mundo que sofrerão mais do que outras, mas todas sofrerão.

O terceiro é a gravidade, e aqui vou falar apenas na previsão de aumento de 2 graus. Clima extremo, temporada de furacões sem precedentes, os incêndios em florestas, tudo isso já está se intensificando muito mais rapidamente. Esse aquecimento já significaria que as Ilhas Marshall estariam submersas, e grande parte da Flórida ou Bangladesh seria engolida pela água.

O senhor fala que com o aquecimento global poderão surgir os “refugiados do clima”. Como serão esses fluxos migratórios?

Ainda não está claro qual nível de aquecimento produzirá qual tipo de refugiados. Mas, em geral, a parte equatorial do planeta já sofre intensamente com a mudança climática. Há um estudo recente mostrando que muitos dos países do sul global já perderam até 25% do seu PIB potencial nas últimas décadas, por causa da mudança climática.

Sabemos que em 2050 muitas cidades do sul da Ásia e do leste ficarão inabitáveis de tão quentes no verão. Isso significa que essas cidades (de 10 ou 12 milhões de pessoas) terão de realocar essa população em algum grau. No momento, a maioria das migrações climáticas ocorre dentro das nações, portanto, de uma região para outra que seja um pouco menos intensamente atingida.

Presumivelmente, eles também se deslocarão para os países do norte que são relativamente menos afetados. Podem acabar surgindo acampamentos de refugiados, o que seria especialmente trágico e moralmente grotesco. Afinal, muitas das nações do norte do globo estão hoje em uma posição de prosperidade, pois se beneficiaram da queima de combustível fóssil ao longo de séculos.

No livro, o senhor critica a fé cega na tecnologia como a salvadora de nossos problemas ante os desastres ambientais...

Não acho que só a tecnologia seja suficiente. Acho que precisamos reorientar drasticamente nossas prioridades. Se você olhar para a tecnologia do celular, em geral, levou de 25 a 30 anos para chegar a 50% do planeta. E estamos falando de um cronograma muito mais curto para resolver um grande problema, porque não se trata apenas de colocar um aparelho nas mãos de 4 ou 5 bilhões de pessoas.

É uma questão de mudar a maneira como elas vivem, como comem, como viajam, como são produzidos os bens de consumo, como é produzida sua energia. Absolutamente todos os aspectos da vida moderna têm de ser mudados e precisamos começar a fazê-lo rapidamente. Não acho que haja qualquer precedente na história da humanidade ante essa mudança.

Como países em desenvolvimento, como o Brasil, podem seguir essa agenda sem se prejudicar economicamente?

Aí mora essa lógica perversa, pois sua responsabilidade sobre o problema é muito pequena. E a contribuição para a solução é trivial. Não há razões econômicas para um país de importância média, como o Brasil, ter os mesmos padrões de redução de emissão que Estados Unidos ou Reino Unido. Eu entendo que ainda há benefícios para o Brasil queimar combustíveis fósseis e crescer economicamente. Ao mesmo tempo, acho que o mundo estaria em uma posição muito melhor se o Brasil estivesse desempenhando um papel mais agressivo em relação à agenda ambiental.

Afinal, acho que o Brasil é um caso especial porque a Amazônia é muito importante. Grande parte da absorção do carbono na atmosfera e da produção de oxigênio que temos em todo o planeta depende exclusivamente dessa floresta tropical.

E como você vê a agenda ambiental brasileira sob o governo de Jair Bolsonaro?

Essa é uma das razões pelas quais eu estou extremamente preocupado com o Brasil. Os planos de Bolsonaro de explorar economicamente a Amazônia desmatando a floresta poderiam minar drasticamente não apenas a capacidade do país em mitigar alguns danos da mudança climática, mas do planeta inteiro.

Acho que há novas oportunidades econômicas e que os países não têm mais de fazer essa escolha, entre crescer ou preservar. Fico imensamente preocupado com o caminho político que o país está tomando sob Bolsonaro, porque temos muito pouco tempo para realmente tomar medidas sobre o clima e evitar os piores cenários.

 

Sobre o assunto

Planeta precisa de 1,2 trilhão de novas árvores para conter o aquecimento, diz estudo

https://www.bbc.com/portuguese/amp/internacional-48859538

Fim do conteúdo da página

Nós usamos cookies para melhorar sua experiência de navegação no portal. Ao utilizar o fundaj.gov.br, você concorda com a política de monitoramento de cookies. Para ter mais informações sobre como isso é feito, acesse Política de privacidade. Se você concorda, clique em ACEITO.