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Meio ambiente: informação zero, artigo de João Suassuna

Publicado: Sexta, 16 de Agosto de 2019, 12h22 | Última atualização em Sexta, 16 de Agosto de 2019, 12h22 | Acessos: 352

Para o autor, mais do que um risco, o desenvolvimento do Nordeste, a partir do projeto de transposição das águas do São Francisco, acarretará um golpe de misericórdia no rio cujo regime de vazão-base já se encontra limitado.

 

https://ecodebate.com.br/RCMAout2007.pdf

 

Revista Cidadania & Meio Ambiente 

  1. 12, outubro de 2007

 

EcoDebate

 

VELHO CHICO: VÍTIMA DE EQUÍVOCOS

 

Há cerca de uma década estamos envolvidos com as questões do Rio São

Francisco, notadamente com o projeto de transposição de suas águas.

Durante esse período, chegamos à conclusão de que existe uma enorme

desinformação quanto ao tratamento das questões ambientais do Nordeste,

principalmente da sua região semi-árida e, o que é pior, estão deliberando

as ações de desenvolvimento na região com base nessa desinformação.

Na nossa ótica, o caso da transposição do Rio São Francisco é emblemático.

 

Várias foram as denúncias que já fizemos sobre as agressões praticadas

ao ambiente natural por onde corre o rio, sem que estas, no entanto,

tenham sido levadas a sério pelas autoridades.

 

Na tentativa de mantermos o leitor informado, passamos a relatar mais

algumas informações, as quais foram recentemente socializadas nos meios

de comunicação. Referimo-nos à incapacidade volumétrica do rio para

atendimento aos diversos usos a que é submetido, principalmente aqueles

referentes à geração de energia e à irrigação que se pretende realizar

fora de sua bacia hidrográfica, em áreas do polígono das secas.

 

Com relação aos problemas existentes

na geração de energia,

além daqueles que já socializamos

no artigo “As indefinições da geração

de energia no Nordeste brasileiro”,

trazemos à baila outras inquietações do

professor e hidrólogo José do Patrocínio

Tomaz Albuquerque, da Universidade

Federal de Campina Grande.

 

Ao tecer comentários sobre o projeto de

transposição do Rio São Francisco, Tomaz

Albuquerque demonstra que os diagnósticos

até então realizados estão eivados de

equívocos e impropriedades, principalmente

aqueles relacionados ao uso indiscriminado

das vazões de base provenientes dos

principais aquíferos existentes na bacia do

Rio. Em seus comentários, Patrocínio exemplifica

o uso das vazões do Urucuia –

aquífero responsável por mais da metade

da vazão de base do Velho Chico –, que

registra atualmente, a jusante de Sobradinho,

cerca de 1.200 m³/s.

 

VAZÃO EM PROCESSO DE EXAUSTÃO

 

O que nos tem preocupado é que a vazão

média regularizada do Rio São Francisco

vem diminuindo paulatinamente a cada

ano, o que julgamos ser decorrência dos

usos exaustivos que estão sendo feitos nos

aquíferos existentes em sua bacia, conforme

foi relatado pelo professor Patrocínio.

 

Projetada inicialmente para regularizar a

vazão média do Rio em cerca de 2.060 m³/

s, a represa de Sobradinho, no momento,

regulariza uma vazão de cerca de 1.850 m³/

s em sua foz. Essa diferença para menor é

resultado, segundo a nossa ótica, dos usos

múltiplos que já estão sendo praticados

em sua bacia, tanto na irrigação como no

abastecimento das populações.

 

Nossa afirmação é fácil de entender, porquanto

na abrangência do aquífero Urucuia existem

extensas áreas irrigadas em território baiano,

principalmente para as culturas da soja

e do café, áreas essas que fazem parte da

expansão da fronteira agrícola do nosso país.

Patrocínio afirma essa diminuição volumétrica,

alertando sobre as consequências que já

estão ocorrendo na diminuição do fluxo basal

para o escoamento fluvial que chega em

Sobradinho, o que provavelmente está resultando

na redução da vazão daquela represa,

com reflexos nefastos na geração de

energia e no atendimento de outras demandas,

inclusive do projeto de transposição.

 

Com relação aos problemas existentes na

irrigação que se pretende realizar em áreas

do polígono das secas, recentemente participamos

de um evento na Fundação Gilberto

Freyre, no Recife, no qual foram discutidas,

pelo professor da Unicamp, Carlos

Suzuki, as perspectivas de cooperação

Brasil-Japão, nos assuntos relacionados

ao biocombustível e meio ambiente.

 

NORDESTE: HIDROLOGIA DELICADA

 

Em conferência proferida basicamente

sobre as perspectivas da produção do

etanol no país, o professor Suzuki também

teceu comentários acerca do potencial

existente para o plantio de cana-de-açúcar

no Nordeste semiárido. Relacionando

cores ao potencial produtivo da

referida cultura (azul para potencialidades

altas, vermelha para potencialidades

baixas e verde e amarelo para potencialidades

intermediárias), o conferencista

apresentou um mapa, no qual, para espanto

nosso, havia, na região semiárida

nordestina, extensas áreas de coloração

azul, indicando a existência de altas potencialidades

na região seca nordestina

para a produção daquela cultura.

 

Ora, quem lida com questões sucroalcooleiras

bem sabe que a cana-de-açúcar

é uma cultura muito eficiente em termos

produtivos e muito exigente em

água, necessitando, portanto, de um

grande aporte hídrico para o seu desenvolvimento.

Não é por outra razão que a

cultura se desenvolveu, nos últimos 500

anos, na zona da mata nordestina, região

que apresenta precipitação média de cerca

de 1.600 mm/ano.

 

Durante os debates ocorridos no evento,

mencionamos os exemplos de produção

de cana-de-açúcar irrigada no

vale do Rio São Francisco (usina Mandacaru,

no município de Juazeiro, BA),

em região semiárida, onde foram registradas,

por aquela indústria, produtividades

equivalentes àquelas obtidas na

região açucareira de São Paulo, mas com

a ressalva de que não poderíamos cometer

o grave erro de extrapolar os resultados

obtidos em Juazeiro para o

semiárido como um todo. Seguramente,

o semiárido não dispõe dos volumes

hídricos necessários para assegurar

o desenvolvimento da cultura de

cana-de-açúcar em larga escala, conforme

fora informado na conferência.

 

Sabedores de que o Nordeste semiárido

não dispõe dos volumes hídricos exigidos

para o desenvolvimento desse tipo de cultivo,

fizemos a suposição de que os mesmos

estavam sendo considerados através

de aportes oriundos do Rio São Francisco,

via projeto de transposição. Salientamos,

no entanto, que o projeto é polêmico

e, portanto, nada está definido com relação

à implantação do mesmo. Chegamos a

considerar a possibilidade dessa suposição

ser concretizada, o que acarretará o

golpe de misericórdia em um rio, cujo regime

já se encontra limitado e, portanto, sem

a mínima possibilidade para outros fornecimentos

volumétricos. Desse modo, caso

concretizado o projeto, a instalação do

caos na bacia do rio torna-se iminente.

 

Ao responder a nossas inquietações, Suzuki

concordou quanto à impossibilidade de o

Rio São Francisco atender a essas novas

demandas, citando, inclusive, exemplos de

rios na China que vieram a secar, quando

submetidos a usos indiscriminados de suas

águas sem o planejamento devido.

 

Com relação à coloração azul do mapa em

extensas áreas do semiárido (potencial alto

para o plantio de cana-de-açúcar), o conferencista

fez questão de informar que não

havia tido participação alguma naquele estudo

e, portanto, não tinha nenhuma responsabilidade,

ficando clara a falta de compromisso

das instituições com relação às

questões do nosso desenvolvimento.

 

Após a conferência do Carlos Suzuki, ficou

evidente que a Unicamp não tinha conhecimento

de causa para com as questões hidrológicas

nordestinas. Faltou-lhe a informação

essencial: o conhecimento de uma realidade

que nos parece só ser conhecida dos nordestinos.

Cremos que para esses assuntos a

instituição se mostrou desinformada, o que

nos fez recordar as observações do ilustre

paraibano Lynaldo Cavalcanti, ex-presidente

do CNPq e atual secretário executivo da

Associação Brasileira das Instituições de

Pesquisa Tecnológica/Abipti, quando afirmou

que o Nordeste não necessita da transposição

das águas do Rio São Francisco. O

que realmente a região necessita é da transposição

do conhecimento, a verdadeira geração

de nossa maior riqueza.

 

João Suassuna – Engº Agrônomo e

Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco,

colaborador e articulista do EcoDebate

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