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A TRANSPOSIÇÃO DE ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO PODERÁ OCASIONAR UM “PROCESSO VAGA-LUME” NO SISTEMA ELÉTRICO NORDESTINO, artigo de João Suassuna

Publicado: Quinta, 07 de Novembro de 2019, 12h38 | Última atualização em Quinta, 07 de Novembro de 2019, 12h38 | Acessos: 462

02/10/2000

http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=691&Itemid=376 

A população nordestina precisa estar esclarecida sobre a real situação do sistema elétrico do país e, em particular, do Nordeste brasileiro. Nos últimos anos, temos feito algumas considerações sobre esse aspecto, ao analisarmos o polêmico projeto de transposição de águas do Rio São Francisco, proposto pelo governo federal. Nesse sentido, as prioridades dadas inicialmente ao Velho Chico, como a principal fonte geradora de energia elétrica da região (mais de 90% da energia gerada no Nordeste são provenientes do Rio São Francisco) e as projeções de perdas na geração advindas dos 127 m³/s de água a serem retirados do Rio com a transposição (a CHESF estima em 138 MW/h com prejuízos da ordem de R$ 70 milhões ao ano), são questões sobre as quais temos, insistentemente, alertado as autoridades para serem consideradas na proposta transpositória, quando forem tratados os assuntos relativos aos impactos ambientais na bacia hidrográfica do São Francisco. Além do mais, somadas a essas questões, temos que levar em consideração, também, as diminuições de vazão do Rio, ocasionadas pelos desmatamentos indiscriminados praticados em suas matas ciliares (provocando extinções de nascentes e assoreamentos em seu leito); pelas retiradas normais com a irrigação (estima-se, atualmente, em cerca de 340 mil ha já irrigados na bacia do São Francisco com um consumo de 170 m³/s) e pelas secas que normalmente assolam a região, causando sérios problemas à população. São esses elementos que têm embasado o nosso posicionamento com relação às possibilidades de o sistema elétrico nordestino vir a entrar em colapso nos próximos anos, caso o governo federal não tome as medidas necessárias para evitá-lo. Nesse sentido, algumas matérias recentemente editadas pela mídia dão prova da nossa preocupação.

Na edição do Diário de Pernambuco, do dia 18 de março de 1999, foi publicada uma matéria sobre a necessidade de o Nordeste importar energia da usina de Tucuruí (PA), em quantidades correspondentes a 15% do consumo da região (comentou-se a importação de 800 Mw/h). Naquela ocasião, a região nordeste era castigada por um período de três anos de secas sucessivas, fazendo com que o reservatório de Sobradinho (BA) atingisse um volume útil de apenas 13%, portanto, insuficiente à geração de toda energia requerida pela região, obrigando a CHESF a proceder às importações necessárias.

Na edição do dia 9 de novembro de 1999, o Jornal do Comércio do Recife publicou uma matéria enfocando os baixos níveis das principais barragens responsáveis pela geração de energia elétrica do país. A matéria intitulada “Setor energético ameaçado pela falta de chuvas” mostrou, de forma preocupante, que o problema da escassez de chuvas não se limitava, apenas, à região nordeste. O problema já passava a ter abrangência nacional.

No dia 30 de junho de 2000, na matéria intitulada “Chesf recebe energia de outros estados e evita colapso”, o Diário de Pernambuco volta a mencionar novas importações de energia para o Nordeste, oriundas de Tucuruí, dessa feita de 400 MW/h. Há um alerta nessa matéria no tocante às projeções de crescimento do país, em cerca de 6% ao ano, e à necessidade da importação de 655 MW/h da Argentina e do Paraguai para dar respaldo a esse crescimento. Finaliza a matéria com um alerta sobre a necessidade de o país vir a investir mais no setor de geração elétrica, face ao acelerado crescimento do consumo de energia, mencionando, para tanto, a criação, pelo governo federal, de um programa de 49 unidades termelétricas a gás, com investimentos da ordem de R$ 8,5 bilhões, em todo o país.

No Diário de Pernambuco do dia 3 de julho de 2000, foi editada uma entrevista com o físico e Vice-Diretor da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharias da Universidade do Rio de Janeiro, Dr. Luiz Pinguelli Rosa, na qual este faz denúncia sobre o total descaso do governo federal com relação à falta de investimentos no setor elétrico nacional. Afirma ele que essa falta de investimentos foi o principal motivo que ocasionou o apagão ocorrido nas regiões sul e sudeste do país, em março de 1999. Diante das soluções previstas pelo governo federal, a exemplo da realização do programa de termelétricas a gás, ele afirma que, além de ser um programa idealista, o governo acordou tarde para a solução do problema, pois, no caso específico das termelétricas, existe um período a ser considerado, entre a construção e o começo da geração de energia nessas unidades (de aproximadamente 3 anos), no qual, segundo ele, o país já entraria em colapso energético.

No dia 16 de julho de 2000, o Jornal do Comércio do Recife editou a matéria “Transposição criará um custo extra de R$ 70 milhões para a União”, alertando para os gastos referentes às perdas da Chesf com o transporte da água do São Francisco. Segundo a matéria, há a alegação de que a referida Companhia irá amargar uma perda de R$ 35 milhões por ano em função do projeto, pois terá que liberar água para o abastecimento humano e irrigação, em substituição à produção de energia. Além dessa perda, os técnicos da estatal alegam que os operadores do projeto irão gastar outros R$ 35 milhões para pagar a conta da energia usada no sistema de bombeamento, alertando que essa conta poderá ser mais cara ainda, caso sejam retirados volumes além do previsto. Nesse sentido, a água que for transposta do Rio terá que gerar uma receita superior a R$ 70 milhões por ano na região, para justificar a parcela dos gastos com energia, manutenção e outros custos.

Na edição do dia 29 de agosto de 2000, do Jornal do Comércio do Recife, o jornalista e analista econômico Joelmir Beting, na matéria intitulada “Sistema por um fio”, levanta a possibilidade de o país vir a entrar em blecaute energético. Segundo ele, metade dos peritos do ramo elétrico avisa que estamos a exatos 12 meses do racionamento periódico da força e da luz (com chuva ou sem chuva) e a outra metade garante que a hipótese dos apagões só deve ser encarada se a economia voltar a crescer acima de 7% ao ano. O jornalista comenta que o sistema elétrico nacional já opera no limite da capacidade instalada (da ordem de 67 mil MW/h); que o aumento do consumo nacional de eletricidade é estimado na média de 5,5% ao ano e que as 49 unidades termelétricas só estarão operando à carga plena por volta de 2004, apostando na suplementação energética importada da Argentina, que poderá saltar de 3 mil para 9,6 mil MW/h.

No dia 1 de setembro, o Jornal do Comércio do Recife editou a matéria “Nas mãos de São Pedro”, fazendo alusão à condicionante climática do Nordeste (no caso específico, a falta de chuvas), a qual estava pondo em risco o sistema gerador de energia da região. Afirma a matéria que, mantidas as taxas de crescimento, a Chesf precisará importar cada vez mais energia do Norte do país, tendo em vista a sua produção energética não ser suficiente ao atendimento da demanda. O dilema que a estatal enfrenta é enorme. Com chuvas reduzidas, o parque de geração montado pela empresa, no São Francisco, permite a produção de uma quantidade firme de energia, da ordem de 5,8 mil MW/h por ano, embora tenha capacidade instalada de 11 mil MW/h. Como a produção não é suficiente para atender à demanda, a Chesf importa, do Sistema Eletronorte, cerca de 600 MW/h para atender à demanda dos oito estados que estão sob sua área de atuação. A represa de Sobradinho, na ocasião, apresentava uma vazão média de entrada de 1000 m³/s, enquanto a de saída, regularizando o Rio, era de 1800 m³/s, possibilitando água para geração de energia nas usinas situadas à sua jusante, embora em evidente processo de exaustão de sua capacidade acumulatória.

A matéria “Em curto-circuito”, da Revista Veja de 6 de setembro de 2000, faz soar o alarme sobre a probabilidade de ocorrer déficit no fornecimento de energia no país, afirmando que o Brasil precisa encontrar novas fontes de energia para ver a luz no final do túnel. Segundo a revista, o aceitável é um risco de 3% e o limite máximo é de 5%. No Brasil o risco será de 20% até o final do ano de 2000, caso não sejam tomadas as medidas necessárias para evitá-lo.

A Revista Digital Águaonline, em edição especial do mês de  setembro de 2000, abordou a questão da Transposição do São Francisco. Ao tratar da legislação específica do assunto, a Revista divulgou os resultados do relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho formado no Congresso Nacional que trata do projeto, tendo como relator o Deputado Marcondes Gadelha (PFL-PB), que defende a proposta de transposição e busca alternativas orçamentárias para viabilizar o projeto. Ao serem tratadas as questões relativas às objeções ao projeto, foram rebatidas algumas críticas sendo, uma delas, a de que haveria perdas significativas na geração de energia elétrica, com prejuízos ao sistema produtivo e/ou elevação de tarifas. Segundo o relatório, a própria Chesf já quantificou em 138 MW/h a perda na geração, o que é muito pouco face os 11 mil MW/h que compõem a capacidade operacional da empresa. Esse déficit poderá ser facilmente coberto com energia de inúmeras fontes, tais como: interligação com o sistema Tucuruí (no Rio Tocantins); implantação de centrais termelétricas (por sinal já em curso) e outras alternativas (importação de outras regiões geradoras, energia solar, eólica, nuclear, etc..). 

O Jornal do Brasil de 25 de setembro de 2000, em matéria intitulada “Transposição em contagem regressiva”, mostra o agravamento do aspecto gerador de energia do Nordeste, pela perspectiva de demanda ininterrupta das águas do São Francisco pelos que habitam a região semi-árida, face ao colapso total no abastecimento d’água da região. Segundo a matéria, parece pouco o volume a ser retirado do São Francisco (127 m³/s), mas para quem já tem o complexo hidrelétrico comprometido pela seca (os 11 mil MW/h já não estão sendo suficientes para atender à demanda da região), qualquer redução tem o seu impacto.

No Jornal da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, do dia 26 de setembro de 2000, na matéria intitulada “Transposição do São Francisco vai causar perda de geração de energia”, são comentados os prejuízos financeiros causados à Chesf pela transposição, em cerca de R$ 75,6 milhões, os impactos ambientais advindos da retirada dos volumes de água pretendidos e as perdas na geração em torno de 138 MW/h, ou 1% da energia média gerada em 24 horas na região.

O Diário de Pernambuco, na sua edição do dia 27 de setembro de 2000, traz a matéria “Ministro nega desabastecimento”, na qual o Ministro de Minas e Energia, Rodolpho Tourinho descarta a possibilidade de faltar energia no país nos próximos anos, como vem afirmando a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Segundo ele, se houver um período prolongado de seca, o Brasil poderá sofrer falta de energia, pois a vida inteira o país dependeu de chuvas, e continuará sendo assim, alegando que esta é a desvantagem de se ter uma matriz energética concentrada em hidrelétricas. 

Diante de cenários como esses é que se pretende transpor parte das águas do Rio São Francisco para irrigação e abastecimento das populações sedentas do Nordeste. Não seria demais lembrar que a demanda de energia elétrica da região nordeste está crescendo a uma taxa de 5,6% ao ano e que já estamos com problemas de geração, confirmados pelas importações de quantidades significativas de energia de Tucuruí (PA) para o Nordeste, conforme o relato de algumas das matérias relacionadas acima.

O curioso é que, na ocasião em que sua Excelência o Ministro da Integração Nacional, Dr. Fernando Bezerra (edição do Diário de Pernambuco do dia 31 de janeiro de 2000)  afirmava não haver problemas no Rio São Francisco, com a retirada dos volumes pretendidos (3% da vazão mínima garantida do Rio), a CHESF importava, de Tucuruí, cerca de 800 MW/h, numa clara contradição de opinião e de atitude. Apesar de a vazão média do São Francisco ser a mesma desde a década de 20, a ação antrópica e a ocorrência de secas periódicas na sua bacia hidrográfica têm modificado o regime do Rio, tornando prudente e necessária uma ação mais concreta das autoridades, no tocante a um planejamento hidráulico eficiente em sua bacia e à administração correta do uso e ocupação dos solos dos cerrados (região da bacia do Rio na qual está sendo ampliada a nossa fronteira agrícola), principalmente nos estados de Minas Gerais e da Bahia. Em outras palavras, a transposição deve ser analisada à luz de um Plano Hidrológico de Bacia que leve em conta, não apenas a básica equação de oferta de demanda, mas, e sobretudo, a equação ambiental.

É fundamental, portanto, que sejam levadas em consideração essas preocupações quando da execução do projeto da transposição de águas do São Francisco, para que não venhamos a dar início a um processo de acende-apaga no setor elétrico nordestino, característica marcante e inconfundível dos vaga-lumes que costumam perambular a esmo nos finais das tardes nordestinas.

 

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