Ir direto para menu de acessibilidade.
Página inicial > Artigos - João Suassuna > TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO: alguns descaminhos
Início do conteúdo da página

TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO: alguns descaminhos

Publicado: Quarta, 13 de Março de 2019, 09h55 | Última atualização em Quarta, 13 de Março de 2019, 09h55 | Acessos: 394

João Suassuna - Eng° Agrônomo e Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco.





Ao admirarmos a beleza natural do Rio São Francisco, a primeira impressão que vem em nossas mentes é a da infinitude do volume de suas águas para o atendimento aos diversos usos. Essa questão, no entanto, precisa ser tratada com o devido cuidado. Existem limitações e limitações significativas no Rio.

Tendo sido priorizadas, inicialmente, a irrigação e a geração de energia, o Rio passou a ser, por um longo período de tempo, um dos principais agentes de desenvolvimento da Região Nordeste. Nesse sentido, foram criados pólos de irrigação na região de Petrolina/Juazeiro (atualmente com 340 mil ha); a pesca, principalmente do surubim, se deu com bastante intensidade; a navegação se mostrou importante, principalmente entre as cidades de Pirapora (MG) e Petrolina (PE) e o Rio passou a ser responsável por mais de 90% de toda a energia gerada na região. Todas essas ações foram previstas e implementadas através de vultosos investimentos e da saga de um povo, contando-se com uma vazão média, no Rio, de cerca de 2800 m³/s, vazão com a qual, descontados os volumes necessários para a geração de energia (2100 m³/s), poderão ser irrigados aproximadamente um milhão e quatrocentos mil ha (considerando o consumo de 0,5 litro/s/ha) dos 3 milhões de ha potenciais de sua bacia. Nessa análise de uso da água, já se tornam evidentes conflitos entre os processos de irrigação e geração de energia.

Entretanto, para o estabelecimento dessas prioridades, a ação humana fez com que o São Francisco apresentasse alguns sinais de alerta. Os desmatamentos indiscriminados da vegetação - principalmente a ciliar - para ampliação de nossa fronteira agrícola vêm causando a morte de várias nascentes com conseqüente diminuição de vazão e promovendo o assoreamento do seu leito, dificultando a navegação; os dejetos urbanos estão poluindo suas águas e a construção das usinas geradoras de energia elétrica interrompeu o fenômeno da piracema, fazendo escassear o pescado. Nesse sentido, ações revitalizadoras, que assegurem a volta das condições iniciais do Rio, são oportunas e necessárias.

Não bastassem as questões acima referidas, as secas - fenômenos que ocorrem periodicamente - têm influenciado sobremaneira as limitações do Rio, diminuindo drasticamente os volumes dos reservatórios responsáveis pela geração de energia e regularização da sua vazão (em janeiro de 2000, a represa de Sobradinho estava apenas com 13% de sua capacidade útil), tornando necessárias importações de grandes quantidades de energia de outros centros geradores do país, a exemplo de Tucuruí (PA), o qual, no início de 2000, transferiu, para o sistema CHESF, cerca de 800 MWh, o equivalente a 15% do consumo do Nordeste.

As mesmas secas que reduziram a produção de nossa energia, aterrorizando a população nordestina e trazendo conseqüências danosas à produção agropecuária e ao abastecimento de suas cidades, servem, no momento, de palco de discussão para justificar a implantação do polêmico projeto de transposição de águas do São Francisco. É nesse cenário de penúria hídrica que se pretende transpor 127 m³/s através de dois ramais, o primeiro partindo de Cabrobó (PE) e o segundo do reservatório de Itaparica, para resolver os problemas hídricos do Nordeste. Será que teremos água suficiente para atender ao que estão pretendendo sem prejudicar os investimentos já realizados? Estudos têm demonstrado que uma pessoa consome uma média diária de 190 litros de água e que, para cada m³/s retirados do Rio, deixam de ser produzidos, no final de um ano, cerca de 22 milhões de kw, o suficiente para abastecer de energia elétrica uma cidade de 35 mil habitantes.

Entendemos que, para responder esse tipo de questionamento, não se pode simplesmente querer retirar do Rio, a bel-prazer, o volume de água pretendido. Torna-se necessária a elaboração de um planejamento hidráulico de sua bacia, realizado por técnicos brasileiros, que garanta volumes suficientes ao atendimento da irrigação, da navegação, da geração de energia, do consumo industrial e do abastecimento das populações, tudo de acordo com a legislação em vigor e gerenciado pela Agência Nacional da Água - ANA. Esse planejamento deverá estar de acordo com as características hidrológicas de cada ano, apresentando folgas na distribuição dos volumes em períodos chuvosos e economia em caso de seca.

Essas limitações já estão sendo concebidas e aceitas pelo governo federal, tendo em vista a divulgação, por intermédio da mídia televisiva, da necessidade de serem transpostas águas de outras bacias, a exemplo do Rio Tocantins (Projeto Doador), para o São Francisco, bem como da implantação de um programa de termelétricas a gás (comenta-se a implantação de 49 unidades a um custo de 3 bilhões de dólares), para suprir a demanda de energia elétrica do país. É baseado em estudos como esses, levando-se em consideração as limitações do Rio, que passamos a acreditar no projeto.


Recife, 31 de julho de 2000

registrado em:
Fim do conteúdo da página

Nós usamos cookies para melhorar sua experiência de navegação no portal. Ao utilizar o fundaj.gov.br, você concorda com a política de monitoramento de cookies. Para ter mais informações sobre como isso é feito, acesse Política de privacidade. Se você concorda, clique em ACEITO.