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A QUALIDADE DA ÁGUA NA IRRIGAÇÃO DO TRÓPICO SEMI-ÁRIDO: UM ESTUDO DE CASO

Publicado: Quinta, 21 de Março de 2019, 09h53 | Última atualização em Quinta, 21 de Março de 2019, 09h53 | Acessos: 580

Pierre Audry - Pesquisador do ORSTOM/UFPE

João Suassuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco




Pequeno açude seco, no qual é evidenciada a deposição de sais em seu leito, fato muito comum no semi-árido nordestino, fruto da evaporação exacerbada no período de estiagem.

1 - INTRODUÇÃO

Experiências do Projeto "Conservação da Água e Sistemas de Irrigação - CASI" (CNPq/BID) e do Subprograma de "Geração e Adaptação de Tecnologias - GAT" (PDCT/NE - CNPq/BID) demonstraram a existência do risco de salinização dos solos quando se utiliza a pequena irrigação . Entre os fatores responsáveis, a qualidade da água é um dos mais importantes e dos menos remediáveis. Entretanto, os dados existentes sobre a qualidade da água dos pequenos mananciais localizados são escassos, ao contrário do grande número de informação existente quanto à qualidade dos grandes mananciais. Um trabalho pioneiro de LEPRUN (1983), sobre o assunto, mostra que essas águas são freqüentemente problemáticas para uso na irrigação, e que suas características químicas podem apresentar variações sazonais de notável amplitude.

 Face ao exposto, aproveitou-se a estrutura do GAT para a realização de um trabalho, objetivando analisar a qualidade das águas de irrigação utilizadas nas propriedades do GAT, através de amostragem mensal, com a finalidade de obter-se um primeiro inventário, se bem que, reduzido em número, mas incluindo sistematicamente as variações sazonais da qualidade da água. O plano foi executado no Ceará, na Paraíba, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte, durante dois anos (1988 e 1989). Atualmente o trabalho encontra-se em fase de interpretação.

 Na presente exposição, apresenta-se, em primeiro lugar, alguns resultados preliminares, que se destacam antes dos tratamentos estatísticos, que devem possibilitar uma melhor quantificação das informações. Na segunda parte, são apresentadas algumas reflexões sobre a possibilidade de se criar para o projetista, extensionista e o planejador, uma ferramenta prática para avaliação química da qualidade da água que condicione a possibilidade de implantação e desenvolvimento da pequena irrigação.

 2 - RESULTADOS PRELIMINARES

2.1 - As águas de lençóis aluviais aproveitadas através de poços amazonas, são as mais problemáticas. Apresentam variações sazonais de mineralização espetaculares e atingem níveis de salinidade elevados, ultrapassando, freqüentemente, 1500 microsiemens/cm de condutividade elétrica na época da estiagem, isto é, no momento em que a disponibilidade quantitativa é menor, justamente quando, tanto por motivo da alta demanda evaporativa, como pela má qualidade da água, precisa-se aplicar mais água na irrigação.

 Em termos práticos, em tais condições, é indispensável realizar, previamente, à implantação de qualquer projeto de irrigação, uma avaliação da qualidade da água, na época de estiagem, juntamente com testes de bombeamento.

 2.2 - As águas de rios variam bastante, mas, geralmente, são de boa qualidade. Os rios perenizados se destacam com águas de melhor qualidade e menor variação sazonal. É claro que neste caso, esta qualidade reflete estritamente a do reservatório de regularização, o que leva a se ter prudência diante deste resultado, sabendo-se que os açudes podem apresentar qualidade diversificada. Não se discute aqui o caso dos açudes, uma vez que os dados do presente trabalho são poucos, em comparação aos dos estudos já realizados e em andamento na SUDENE.

 2.3 - A localização da tomada de água no leito de um rio é de grande importância. A alguns metros de distância da margem de um rio, com água de boa qualidade, um poço amazonas apresentará água com nível de mineralização elevado. De maneira análoga, a mineralização de um poço natural aumentará rapidamente à medida que a comunicação com o leito do rio deixar de ser suficiente.

 Em conseqüência, no caso de um rio permanente, sempre vale a pena investir mais para instalar uma tomada de água, que nunca se isole de seu leito.

 2.4 - A bananeira foi uma cultura quase sempre cultivada nas propriedades do GAT, a qual se mostrou sensível à presença de sais. Até chegar a resultados mais precisos, pode-se recomendar maior prudência para o plantio de bananeiras, a cada vez que o pico de variação sazonal da condutividade elétrica chegue a 1000 microsiemens/cm e desaconselhar utilizá-la, a cada vez que atinja 1500.

 3 - REFLEXÕES PARA CRIAR UMA FERRAMENTA PRÁTICA PARA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA DOS PEQUENOS MANANCIAIS.

3.1 - A situação

 Um tal inventário, apesar de reduzido e preliminar, mostra que, para elaborar um projeto de pequena irrigação na região cristalina do Nordeste deve-se considerar, imprescindivelmente, além da disponibilidade quantitativa de água, o fator qualidade e a variação sazonal desta qualidade e que, esses parâmetros, devam ser avaliados na época do ano em que cheguem a ser mais adversos. Entretanto, este mostra, também, que para ultrapassar as soluções caso a caso, e entender as necessidades de um planejamento regional, precisa-se de um zoneamento da qualidade da água dos pequenos mananciais. Ora, se os resultados em interpretação permitem evidenciar comportamentos e níveis da salinidade bem distintos para os vários tipos de fontes de água, também demonstram que dentro de cada categoria, as variações são grandes demais para que as médias, por exemplo, constituam parâmetros suficientemente precisos para uso prático nos programas de irrigação.

 Por outro lado, um zoneamento baseado em uma amostragem sistemática, consistindo em multiplicar por 100, 1000 ou mais o trabalho aqui apresentado é dificilmente imaginável ou pouco realista.

 Um possível caminho para atingir o objetivo, seria conseguir avaliar a qualidade da água dos pequenos mananciais a partir de indicadores já existentes, referentes à bacia, ou necessitando um mínimo de informações complementares. O que vai ser discutido a seguir.

 3.2 - Hidrologia das pequenas bacias

 Os trabalhos mais recentes de modelagem hidrológica realizados na SUDENE, para pequenas bacias no Nordeste, integrando, além da pluviometria, parâmetros de relevo, vegetação, solos etc., mostram o peso extremamente forte do conjunto solo x vegetação no funcionamento hidrológico das pequenas bacias. No último instrumento elaborado para calcular o dimensionamento de pequenas barragens no Nordeste Semi-árido (SUDENE-ORSTOM, 1990), os parâmetros, cobertura vegetal, geologia, drenagem, relevo e presença de outros açudes, intervêm como fatores corretivos sobre a combinação dos três fatores principais: superfície da bacia, pluviometria e natureza + distribuição dos solos, mapeados após reagrupados em uma classificação hidropedológica.

 Esta importância dos solos merece alguns comentários. A natureza da rocha é sempre um fator importante da formação dos solos, e em condições litológicas monótonas, os outros fatores como a topografia e a drenagem regem uma sucessão ordenada de solos interrelacionados ao longo das vertentes. No Nordeste cristalino, este fator rocha se torna mais determinante ainda quando, como acontece freqüentemente, as variações litológicas são rápidas em relação a uma tectônica atormentada. Constata-se nessas condições que a diferenciação e a distribuição espacial dos solos é diretamente dependente da litologia. Ora, na medida em que as variações litológicas também determinam a topografia - as rochas mais resistentes constituindo a estrutura dos relevos - a organização dos solos integra, então, além dos solos, os fatores: relevo, geologia e drenagem, como mostrado, por exemplo, em Sumé (MOLINIER e al., 1989).

 Em sendo assim, se os solos são reagrupados em grandes categorias de comportamento hidrológico comparável, - basicamente: aptidão a infiltração (que será fortemente modulada pela cobertura vegetal), capacidade do reservatório oferecido pelo perfil para armazenar a água infiltrada, capacidade para transmitir os fluxos (drenagem) - este mapeamento de solo contém todas as informações sobre a circulação das soluções que chegam até o rio ou açude antes dos processos de evaporação se tornarem predominantes sobre os recursos acumulados, especialmente nos açudes.

 Vale salientar que, em tal esquema, a presença de aluviões na base das vertentes constitui um reservatório suplementar que complica o sistema, por desviar uma proporção de água da rede superficial ao benefício dos lençóis aluviais.

 3.3 - A qualidade das águas ao longo deste sistema de transferência.

 É indispensável lembrar que águas superficiais só se enriquecerão de produtos solúveis se os mesmos existirem e se elas tiverem contato com eles para dissolvê-los. A presença de sais de origem geológica só se encontra em formações sedimentares. Na zona cristalina existem sais acumulados só em solos já salinizados e a fonte renovável de sais é o intemperismo dos minerais das rochas. Assim, ao longo da sua transferência no ecossistema, as águas se enriquecem de sais, na medida em que atravessam horizontes com minerais alternáveis ou camadas de rochas em alteração, mantidas durante períodos suficientemente prolongados, a um nível de umidade suficiente para este processo ocorrer.

 Em outras palavras, águas de escoamento superficial só acrescentarão a pouca mineralização inicial da chuva, com a pequena quantidade de sais, entrando no ciclo biogeoquímico, indo acumular-se na superfície dos solos, durante a época seca e, logo dissolvida com as primeiras chuvas. Por outro lado, águas que chegam à rede superficial por circulação interna se enriquecem de sais, de acordo com o que elas vão encontrar, ao longo desta transferência. Isto é praticamente nada, por exemplo, para um latossolo que não tem mais minerais alteráveis e bastante para as soluções que transitam através de planossolos. Isto foi bem evidenciado pelos resultados apresentados por LEPRUN, em 1983.

 3.4 - Conclusões - Sugestões

 Assim, para as águas dos rios e mais geralmente para as águas da rede superficial, incluindo os açudes, uma pesquisa visando estabelecer uma relação mais precisa e mais segura entre qualidade da água e dos solos da bacia constitui um caminho promissor para utilizar, depois, os mapas de solos como indicadores de salinidade das águas, seja diretamente, seja através de modelos acoplados a modelos hidrológicos. É bom assinalar que, ferramentas para simular em continuidade, a evolução da salinidade das águas dos açudes sob a ação da evaporação e do uso da água, já estão praticamente disponíveis com os trabalhos de LARAQUE (1990) e MOLLE (1990).

 Fica o problema das águas sub-superficiais dos lençóis aluviais que são as mais perigosas para o uso da irrigação. O processo que proporciona altos teores de sais também é o intemperismo dos minerais presentes (com possível participação da evaporação), que chega a maior eficiência pelo tempo de contato prolongado. Neste caso, o solo não intervém mais como elemento de regularização no sistema e o sedimento pode até conter minerais diferentes ou suplementares em relação aos que se encontram nas vertentes. Propõe-se tentar relacionar os teores de sais dessas águas (e a natureza dos sais) juntamente com os solos da bacia e diretamente com a mineralogia dos aluviões e começar a testar este método, isto é, a pertinência e a sensibilidade desses indicadores, nos casos em que já foram encontradas águas aluviais de qualidade bastante diferente.

 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LARAQUE, A. - 1990. Comportements hydrochimiques des açudes du Nordeste brasilien semi-aride - Evolutions et previsions pour um usage em irrigation. Tese de doutorado defendida na Universidade de Montpellier em janeiro de 1991.

 LEPRUN, J. C. - 1983. Relatório de fim de convênio de manejo e conservação do solo no Nordeste brasileiro (1982-1983). SUDENE/ORSTOM, Recife, 290 p.

 MOLINIER, M. - AUDRY, P. - DESCONNETS, J. C. - LEPRUN, J. C. - 1989 - Dinâmica da água e das matérias num ecossistema representativo do Nordeste brasileiro - Condições de extrapolação espacial na escala regional. ATP-PIREN/CNRS, relatório final, 27 p. + anexos.

MOLLE, F. - Aspectos do processo de salinização dos açudes. SUDENE/Cooperação francesa - ORSTOM, Recife, 1990, 21 p.

SUDENE/ORSTOM. 1990. Dimensionamento de pequenas barragens no Nordeste semi-árido. Versão provisória, 68 p. + anexos.


OBS. - Tema apresentado no Seminário Franco-Brasileiro de Pequena Irrigação, Pesquisa e Desenvolvimento.

SUDENE e Embaixada da França

Recife, 11 a 13 de dezembro de 1990

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