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Caprinos, uma pecuária necessária no Semiárido nordestino

Publicado: Segunda, 22 de Abril de 2019, 12h02 | Última atualização em Segunda, 22 de Abril de 2019, 12h02 | Acessos: 6393

João Suassuna – Engenheiro Agrônomo e Pesquisador da Fundação Joaquim  Nabuco

 

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09/05/2003

Cabra Murciana: importante alternativa para o combate a fome no Nordeste.

 

O primeiro registro de que se tem notícia da presença dos caprinos no Nordeste data de 1535, portanto, no início do período colonial do Brasil. Oriundas dos Pireneus (origem pirenaica), as cabras se fixaram em duas outras regiões da Europa, através das seguintes rotas: uma seguiu na direção dos Alpes e outra na direção da Península Ibérica, notadamente no sul da Espanha e Portugal, regiões compreendidas entre as latitudes 36º e 44° norte, e posteriormente vieram para cá, trazidas pelos colonizadores portugueses.Várias raças foram trazidas para as baixas latitudes dos trópicos, principalmente para o ambiente seco nordestino, o que, ao longo desses quase quinhentos anos, com as cabras enfrentando secas avassaladoras e sofrendo intenso processo de cruzamentos entre si (seleção natural negativa), resultou em animais improdutivos em termos de função leiteira (as fêmeas mal produzem leite para o sustento de suas crias), mas detentores de características genéticas valiosas: a rusticidade, prolificidade e qualidade de pele.

Miscigenados, improdutivos e rústicos, os animais passaram a ser denominados, erroneamente, de Sem Raça Definida (SRD). Na realidade, ao contrário do que muitos imaginam, o que aconteceu foi a perda do padrão racial original e, portanto, os animais deveriam ter sido denominados de Sem Padrão Racial Definido (SPRD), pois as raças estão lá, em cada um desses animais, de forma latente, faltando apenas um trabalho de melhoramento para o resgate daquela condição inicial perdida.

Como os caprinos entraram no país pelo Nordeste, é provável que esse fato tenha dado à região o título de maior produtora desse tipo de pecuária (cerca de 93% do efetivo nacional), estimada pelo IBGE (1999) em cerca de 8.908.722 cabeças, assim distribuídas: 3.849.986 na Bahia, 1.455.135 no Piauí, 1.443.597 em Pernambuco, 815.053 no Ceará, 608.155 na Paraíba, 340.727 no Maranhão, 333.314 no Rio Grande do Norte, 50.376 em Alagoas e 12.379 em Sergipe.

No entanto, apesar dos problemas miscigenatórios havidos, tendo os animais adquirido os mais variados tipos de pelagem, bem como formas anatômicas e índices zootécnicos inferiores, parte do rebanho fixou o seu padrão racial inicial, devido, principalmente, à dominância genética de algumas raças e ao zelo no manejo demonstrado por alguns criadores ao longo de muitos anos, fatores esses essenciais para o início de um trabalho de melhoramento e, portanto, de resgate da produtividade perdida.

Assim, o Nordeste passou a apresentar um número expressivo de animais com padrão racial diferenciado, cujos tipos o povo sertanejo bem definiu, a exemplo das raças Moxotó (animal branco com lista preta no dorso e membros igualmente pretos), Parda Sertaneja (pelagem parda), Graúna (pelagem preta), Azul (pelagem cinza-azulada), Canindé (pelagem escura com a barriga e região em torno dos olhos claras), Marota (pelagem branca), etc.. A partir de 1971, trabalhos bem sucedidos de melhoramento, através da preservação com regeneração das raças nordestinas, foram postos em prática por Manelito Dantas Vilar e Ariano Suassuna, na Fazenda Carnaúba, no município de Taperoá (PB). Ambos os paraibanos, através da utilização de catálogos de raças caprinas européias, identificaram as raças homólogas que deram origem a algumas raças existentes no Semi-árido nordestino, levando-se em conta, principalmente, a pelagem dos animais e as características anatômicas de cada raça, trabalho esse que teve por objetivo principal o castiçamento das cabras nordestinas, através da seleção dentro dos agrupamentos nativos ou do repasse leve de reprodutores europeus homólogos. Algumas raças tiveram suas homólogas identificadas, a exemplo da Graúna, com origem provável da raça Murciana-Granadina, do sul da Espanha; a Moxotó, assemelhada às raças Serpentina portuguesa e Alpina Mantelé francesa; a Azul, proveniente da Serrana Transmontana; a Parda Sertaneja com provável origem da Parda Alpina; a Canindé oriunda das raças Grisona negra e Bristh Alpine e, finalmente, a Marota originária da raça Branca Celtiberica. Segundo Ariano Suassuna, com esse trabalho, o rebanho da Carnaúba se tornou constituído por cabras IBERO-BRASILEIRAS, VERMELHAS, BRANCAS, NEGRAS e AZUIS, até por analogia e referência ao povo brasileiro, na sua síntese entre brancos europeus, negros africanos e índios brasileiros.

Alguns exemplares de raças homólogas européias foram adquiridos para o trabalho de melhoramento ora em curso na Carnaúba, a exemplo da Murciana-Granadina, Parda Alpina e Alpina Mantelé, com resultados extremamente promissores em termos de ganhos em produtividade na função leiteira. Para se ter idéia da importância desse trabalho, animais das três raças, que antes pouco produziam, atingiram, nas gerações melhoradas subsequentes, uma produção média de 1,7 litros de leite por dia. Com o resultado desse trabalho, a Paraíba, apesar de não ser o estado nordestino com o maior número de cabeças, seguramente passa a ser o estado de melhor qualidade de rebanho.

A rentabilidade da criação de cabras no Nordeste está calcada em três fatores principais: a produção do leite, da pele e, por último, da carne. Minimizar o interesse ou mesmo excluir um desses fatores do processo produtivo, certamente trará para o produtor insucessos em sua criação. Nesse caso específico, a agregação de valores nos produtos gerados nesse tipo de pecuária (de múltiplas funções) é a condição vital para o seu sucesso.

No espaço físico onde se cria uma vaca, é possível a criação de 8 cabras. Uma vaca criada nos limites do Semi-árido nordestino produz, em média, 3,5 litros de leite por dia. Uma cabra, melhorada geneticamente produz em média, nas mesmas condições, 1,7 litros. É possível, portanto, a produção de 13,6 litros de leite no mesmo espaço onde se cria uma vaca, com uma vantagem adicional de se estar criando um animal rústico, adaptado ao ambiente e com uma qualidade de leite diferenciada. O leite da cabra é mais digestivo do que o leite de vaca, pelo fato de sua cadeia láctea ser mais reduzida do que aquela presente no leite da vaca, sendo indicado para idosos e para crianças portadoras de problemas de alergias, além de proporcionar ao queijo valor de iguaria qualificada.

Exemplos notáveis do potencial da caprinocultura, muito recentes, nos dão o Rio Grande do Norte, a Bahia e Pernambuco. A articulação entre Associações de Criadores e governantes igualmente conscientizados tem levado à substituição do leite importado por leite de cabra produzido naqueles estados, para a merenda escolar, juntamente com o fornecimento da carne, contribuindo para a diminuição da evasão escolar, através do programa Bode-Escola, no qual lotes de animais são fornecidos às crianças, que começam a auferir renda com a comercialização do leite produzido, tendo, como compromisso, a obrigatoriedade de freqüentar a escola. Essas ações foram verificadas no Sertão do Cabugí (RN), e nos municípios de Serra Talhada (PE) e de Valente (BA).

Esses exemplos são extremamente importantes como forma de contribuir para o Programa Fome Zero, do governo federal, ora em curso. É uma oportunidade ímpar de se adequar a esse Programa, uma alternativa entre tantas outras que o Nordeste poderá vir a proporcionar, onde a esperança ganha do medo de não ver o Nordeste assumir suas condições sócio-ambientais e seu caminho verdadeiro.

Lote de cabras Moxotós melhoradas geneticamente através de cruzamentos com reprodutores da raça Alpina Mantelé.



Lote de cabras Graúnas melhoradas geneticamente através de cruzamentos com reprodutores da raça Murciana-Granadina.


Lote de cabras azuis melhoradas geneticamente através da seleção dentro dos agrupamentos nativos.


Lote de cabras Pardas Sertanejas melhoradas geneticamente através de cruzamentos com reprodutores da raça Parda Alpina.


No lado esquerdo, Cabras Marotas melhoradas através da seleção dentro dos agrupamentos nativos. No lado direito, animais de pelagem "Caoba", também comuns nos cruzamentos entre as raças Murciana-Granadina e Graúna

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