Ir direto para menu de acessibilidade.
Página inicial > Documentários e Estudos sobre as secas > Canal das águas, artigo de Lúcio Alcântara
Início do conteúdo da página

Canal das águas, artigo de Lúcio Alcântara

Publicado: Quinta, 06 de Junho de 2019, 09h59 | Última atualização em Quinta, 06 de Junho de 2019, 09h59 | Acessos: 493

02/01/2005

 

Há 50 anos, o professor cearense Joaquim Alves percorreu parte do Nordeste como inspetor Regional de Ensino. A experiência encorajou-o a lançar o livro História das Secas, em que faz um levantamento minucioso das estiagens, listando-as cronologicamente desde o século XVII. Com isso, procurou combater figurões como Washington Luís, o último presidente da República Velha, que dizia conhecer o Ceará apenas do romance Iracema.

 

Já nos anos 50, a literatura nacional sobre as secas nordestinas era tão caudalosa quanto fragmentária. Joaquim Alves, citado ao acaso, foi um dos muitos que se debruçaram sobre o tema, tratado geralmente com excessos sentimentais e pouca fundamentação científica.

 

Os historiadores contam, e muita gente sabe, que D. Pedro II jurou vender até a última joia da coroa para solucionar a questão nordestina, comprovando apenas que os flagelos não se resolvem com belas frases.

 

Por outro lado, há muitos anos a açudagem também deixou de ser vista como uma panaceia para os humores do clima. A construção de barragens e grandes reservatórios, por si só, mostrou-se incapaz de assegurar o progresso do meio rural e dinamizar a economia das regiões secas.

 

Hoje há a consciência de que além da acumulação da água, é preciso uma política de gestão dos recursos hídricos, com medidas estruturantes e a interligação de bacias, num esforço conjunto e extraordinário dos governos municipais, estaduais e federal.

O Ceará, que tem 97% do território localizado no semiárido, tem muito o que ensinar a respeito. Desde 1987 a Política Estadual dos Recursos Hídricos adota os princípios básicos de descentralização, integração e participação comunitária, para garantir que a água seja usada de forma racional pela sociedade, representada nos Comitês de Bacias Hidrográficas.

 

Esses comitês decidem, por exemplo, sobre a quantidade de água a ser liberada das barragens após cada inverno, pois a irregularidade das chuvas e a intensa evaporação da água prejudicam a perenidade dos rios.

 

Afora isso, os investimentos em infraestrutura hídrica continuam sendo fundamentais. No último dia 17 de dezembro o Governo do Estado inaugurou o primeiro trecho do Canal da Integração, que vai transportar as águas do açude Castanhão, no município de Nova Jaguaribara, a pontos distintos do interior.

A obra vem impulsionar a agricultura irrigada, consolidando o Agropolo Baixo Jaguaribe como uma região produtora e exportadora de frutas. Além disso, o abastecimento humano da Região Metropolitana de Fortaleza e comunidades ao redor da obra estará garantido nos próximos 30 anos, mesmo em períodos de estiagem.

 

Ao todo, o Canal da Integração terá 225 quilômetros de extensão. É o maior canal construído em concreto no País. Ao final do longo percurso, terá passado por 12 municípios, irrigando pelo menos 33 mil hectares e garantido água para o Complexo Industrial do Pecém e três distritos industriais (Maracanaú, Horizonte e Pacajus).

 

Mais que uma obra necessária, o Canal da Integração é a prova de que estamos acertando no sistema de integração de recursos hídricos, desenvolvido de forma planejada há 15 anos, com a construção de açudes, canais, estações de tratamento, adutoras e poços profundos que se comunicam por todo o Estado.

Esse sistema leva a água das regiões úmidas para as zonas secas. Por causa disso o Ceará possui hoje 2.600 quilômetros de rios perenizados.

Quando a segunda e terceira etapas do Canal da Integração estiverem concluídas, o Ceará será o primeiro Estado em condições de receber as águas provenientes da transposição do Rio São Francisco, uma antiga reivindicação nossa e de Estados vizinhos.

 

É possível investir em grandes obras estruturantes de forma planejada e responsável, sem gastos desnecessários nem danos para o meio ambiente. Há décadas estudos são feitos acerca do desvio e aproveitamento de uma pequena parte das águas do velho Chico, que não sofreria com as obras. Agora, é hora de unir as possibilidades técnicas com a vontade política.

Como numa gangorra que oscila entre diferentes pesos, o Brasil alterna dados excepcionais com números absolutamente pífios. Devido aos péssimos resultados referentes a saneamento básico e acesso à água potável, o País dificilmente vai atingir a meta de redução da pobreza extrema até 2015, compromisso que assumiu ao assinar a Declaração do Milênio, junto com 189 países.

Por isso, a distribuição da água em todo o território nacional é assunto que diz respeito a todos nós. No mais, estamos ampliando o debate político e fomentando a criação de redes de parlamentares nos vários Estados brasileiros e municípios do semiárido, a fim de acompanhar e implementar o Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN), que conta com o envolvimento dos vários ministérios, instâncias governamentais e da sociedade civil.

Pesquisas e experiências desenvolvidas nas últimas décadas comprovam que a aparente hostilidade do semiárido é propícia a atividades lucrativas como a fruticultura, quicultura, ovinocaprinocultura, apicultura, produção de oleaginosas (mamona, amendoim, gergelim, girassol), além do beneficiamento de riquezas minerais, do turismo ecológico, esportivo e religioso e da exploração do artesanato.

 

Ceará, Pernambuco, Piauí, Bahia, Maranhão, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Sergipe, Espírito Santos e Minas Gerais estão juntos nessa luta. O PAN, junto com medidas sérias de integração hídrica, pode levar o semiárido brasileiro a um novo modelo de desenvolvimento, com base na redução da pobreza e das desigualdades sociais, na ampliação da capacidade produtiva e na proteção ambiental. Obras como o Canal da Integração e a transposição das águas do Rio São Francisco são fundamentais para que sonhos antigos se transformem em realidade.

 

Lúcio Alcântara é governador do Estado do Ceará

Fim do conteúdo da página

Nós usamos cookies para melhorar sua experiência de navegação no portal. Ao utilizar o fundaj.gov.br, você concorda com a política de monitoramento de cookies. Para ter mais informações sobre como isso é feito, acesse Política de privacidade. Se você concorda, clique em ACEITO.