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Com a desertificação das políticas públicas, o combate à degradação dos solos e dos biomas é “exercitar a resistência”

Publicado: Quinta, 11 de Julho de 2019, 10h02 | Última atualização em Quinta, 11 de Julho de 2019, 10h02 | Acessos: 992

Em entrevista, o engenheiro agrônomo Paulo Pedro de Carvalho fala sobre a atual conjuntura frente à ação nacional de combate à Desertificação.

 

https://www.asabrasil.org.br/noticias?artigo_id=10920

 

20/06/2019

Foto: arquivo pessoal

 

O governo de Jair Bolsonaro é apoiador do agronegócio ao mesmo tempo que esvazia as políticas nacionais de agroecologia e combate à desertificação para implantação de novas indústrias da seca. O incentivo é majoritário aos modelos que exploram o meio-ambiente e relações de trabalho desumanas. O agronegócio sempre foi um grande devastador das faunas e floras para construção de pastagens e monoculturas tão como destaque nas listas de empresas autuadas em fiscalizações contra o trabalho análogo à escravidão do finado Ministério do Trabalho. A nova gestão continua o caminho traçado por Temer para desconstruir os entendimentos em torno das garantias à justiça social e ambiental e faz avançar a desertificação das políticas públicas sociais.

Sobre essa conjuntura, conversamos com Paulo Pedro de Carvalho, engenheiro agrônomo e militante da agroecologia pela Ong Caatinga e pela Articulação Semiárido Brasileiro. “Se com Temer o sinal amarelo estava aceso, agora está o vermelho. Para o meio ambiente nem se fala, tentaram até acabar com o ministério… na verdade já acabaram; colocaram nele pessoas e lógicas que vão de encontro exatamente àquelas lutas que tínhamos avançado até agora: em relação a desmatamento, em relação a agrotóxicos. Então nós não podemos esperar [por mudanças], apesar de nós torcemos muito por nosso país... os movimentos sociais estão num momento de tensão muito grande. As expectativas não são nada boas - e o que já se conseguiu mudar até agora é de uma preocupação muito grande. A Política Nacional de Combate à Desertificação foi finalmente aprovada [em 2015], mas ela ainda não foi regulamentada e, com certeza, no ambiente político nacional que tá o Brasil hoje, eu não vejo lugar para essa política de combate à desertificação”, afirma Carvalho.

A Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, mencionada por Carvalho, entrou em vigor ainda no governo da ex-presidenta Dilma Rousseff, em meados de 2015, através da lei de número 13.153. A Política conceitua a desertificação como a “degradação da terra, nas zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultantes de vários fatores e vetores, incluindo as variações climáticas e as atividades humanas”. Com essa política, estabeleceu-se que, apesar de fatores como os fenômenos naturais como os períodos de seca, a ação humana passou a ser reconhecida como vetor que pode causar ou agravar a desertificação. A Política tem entre seus objetivos “promover a segurança ambiental, alimentar, hídrica e energética nas áreas susceptíveis à desertificação; promover a educação socioambiental dos atores sociais envolvidos na temática do combate à desertificação; e coordenar e promover ações interinstitucionais com a parceria das organizações da sociedade civil”. Tem entre seus fundamentos, inclusive, a “incorporação e valorização dos conhecimentos tradicionais sobre o manejo e o uso sustentáveis dos recursos naturais”, cabendo ao poder público “promover a agricultura familiar, em bases ambientalmente sustentáveis”.

O plano de ação dessa política, além de alinhado às diretrizes da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca - UNCCD, reconhece a importância dos “planos, programas, objetivos, iniciativas, projetos e ações em andamento nas zonas afetadas”. Vale lembrar que a ação da sociedade civil brasileira organizada que pautou essa política e ajudou a concretizar o Programa Cisternas foi premiado internacionalmente pela World Future Council com apoio da ONU como uma das melhores políticas públicas do mundo no combate à desertificação e degradação dos solos. É justamente todo esse trabalho que está sendo implodido pelos freios do novo governo. Para piorar, mesmo que a segurança alimentar seja um objetivo dessa política, o presidente desorganizou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, espaço histórico no combate à fome no Brasil. Em janeiro, na reorganização dos ministérios e órgãos públicos, o presidente Jair Bolsonaro já tinha extinguido o conselho. No entanto, o Congresso o reativou quando discutiu a medida. O presidente vetou a reativação do CONSEA no último dia 18 de junho ao sancionar o texto que veio do Legislativo.

Se o Governo Federal insiste em desfazer as conquistas e os espaços de participação da sociedade civil na construção e na gestão das políticas públicas, a incidência dentro do Congresso e de outros espaços se tornou uma via de resistência. Na conversa com Paulo Pedro Carvalho, ele lembrou que “dois princípios da agroecologia e da sustentabilidade são a resiliência e a resistência e nós estamos vivendo num momento de exercitar isso”.

Asacom: como você vê a importância da atuação da Frente Parlamentar Mista Em Defesa da Convivência com o Semiárido?

Carvalho: “Dizem que quando se fecha uma porta, sempre se abre uma janela. E a gente precisa identificar onde estão essas janelas. Essa Frente Parlamentar com certeza é uma grande luz que se apresenta no meio de tantas preocupações, de tantas ameaças. Inclusive ela está presidida por um pernambucano, ex-presidente da CUT, o Deputado Federal Carlos Veras, que vem com uma sintonia de luta junto com a Contag e diversos movimentos do campo e outros movimentos sociais exatamente procurando fortalecer a agricultura familiar dando as condições que ela precisa para cumprir cada vez mais com seu papel. Essa frente é uma grande esperança para nós, mas ela não vai funcionar sem uma grande participação efetiva da sociedade civil, de redes como a Articulação Semiárido. A ASA já vem interagindo desde os primeiros momentos nessa Frente e mantém uma linha de diálogo, mas também a gente espera a participação de outras redes e organizações, inclusive universidades, institutos federais e um conjunto de pessoas ligados a órgãos públicos que estão com a mesma preocupação que a nossa e que com certeza vêm atuando de forma muito efetiva nessa luta. Há, por exemplo, os núcleos de agroecologia existentes nas universidades e nos institutos. Essa Frente não está sozinha, mas ela em si é um grande instrumento porque está dentro do Congresso Nacional.”

Asacom: a política de cisternas e as transformações com as quais colaborou socialmente estão sendo preteridas pelo governo federal pelos pacotes de tecnologias vindos de Israel. Outro exemplo de tecnologia social brasileira é o projeto de dessalinização de água envolvendo alunos do curso de Agroecologia e membros da Cooperativa de Trabalho Múltiplo de Apoio às Organizações de Autopromoção (COONAP), na Universidade Estadual da Paraíba - UEPB. O Brasil precisa importar tecnologia para trabalhar soluções contra a desertificação?

Carvalho: o governo critica tanto as ideologias, mas a ideologia do governo é exatamente essa: de desconsiderar o que existe de esforço do povo brasileiro, de cientistas, dos agricultores experimentadores, dos conhecimentos tradicionais brasileiros, reconhecidos no mundo. Inclusive a Convenção da ONU, a UNCCD, preconiza como condição fundamental para a sua implementação nos países partes a participação da sociedade civil nessa implementação. E o Brasil é um deles, signatário da Convenção desde 1997. Se o relatório do país enviado a ONU não traz essa participação, ela faz várias críticas e tende a não aprovar o relatório. É como se dissesse assim: o país não cumpriu com sua parte, uma parte importante da Convenção. Então nós temos aqui uma quantidade suficiente de saberes e conhecimentos de estruturas e de práticas de famílias e de comunidades inteiras que trabalham com agroecologia, com a convivência com o Semiárido e que passaram por essa grande seca, entre 2011 e 2017, vista como a maior seca dos últimos cem anos, e as famílias não passaram pelo sofrimento que se passava há 30 ou 40 anos atrás, especialmente essas dentro da lógica da convivência com a região. Isso mostra como o conjunto de políticas têm sido o centro da construção de uma cultura da convivência com o Semiárido, que é cultura dos estoques - o estoque da água, o estoque das sementes crioulas... e a sociedade civil contribuiu muito para isso. Nós não precisamos ir buscar nada de longe. Acho que hoje, alguns brasileiros não têm um verdadeiro espírito patriota para defender o nosso conhecimento. Nossa ciência é mais do que suficiente para resolver os problemas da desertificação e apoiar a produção de alimentos saudáveis para o povo do campo e das cidades.

Asacom: qual o cenário da desertificação no Semiárido? Pode apontar algumas consequências?

Carvalho: Muitas plantas da Caatinga estão em processo de extinção, muitas delas já raras de encontrar num bioma tão diverso e único. Há uma diminuição das águas subterrâneas, como muitas nascentes que desapareceram e poços que secaram. Aqui no Araripe, ali no Crato e no Juazeiro [do Norte], que têm muitas fontes de água que nascem nas serras, essas fontes vêm secando… Em alguns municípios, há poços com 50 a 60 metros de profundidade que já foram abandonados, ou outros com vazão maior, com 5 ou 10 mil litros de água por hora, que agora possuem metade da vazão. Outra consequência é a diminuição das terras agricultáveis. Elas não têm mais a fertilidade que tinham há algumas décadas. Na Caatinga, cerca de 50% da vegetação está impactada por uma ação antrópica (ação humana), e uma grande quantidade dessas terras estão em média ou grave intensidade de desertificação. Isso significa degradação dos solos e diminuição da produção de alimentos para as pessoas e para a fauna, para o próprio bioma Caatinga.

Asacom: é possível afirmar que as novas autorizações sobre agrotóxicos podem piorar a continuidade dos ecossistemas? Isso pode ser um motivo para mais degradação?

Carvalho: esse é mais um tema de preocupação nossa dentre tantas perdas e ameaças. Esse tema dos agrotóxicos é uma ameaça muito grande. A gente já vinha muito preocupado que o Brasil vem há muitos anos campeão mundial de uso de agrotóxicos. As contas feitas em 2018 são de que cada brasileiro consome em média 7 litros de venenos, de agrotóxicos. Estamos no país com o maior consumo per capita e temos uma população com mais de 200 milhões de pessoas! E uma boa parte desses agrotóxicos liberados são proibidos em outros países. Então o Brasil está na contramão de outros países que já sofreram com isso. Há países que já aprovaram leis nacionais para que a agricultura seja totalmente orgânica. Aqui no Brasil não é divulgado os danos que esses produtos vêm fazendo, pois não há interesse, mas muitas doenças como câncer e depressão podem ser consequência do uso de agrotóxicos, virando verdadeiras epidemias. Isso está matando muita gente.

O agrotóxico quando é jogado nas lavouras, ele não fica apenas nas plantas, ele vai pros solos, passando muitos anos ali, de onde vai para os mananciais, para as reservas de água superficiais, como rios e barragens, e subterrâneas, como os lençóis. Recentemente, um estudo constatou que há agrotóxicos até na água da torneira que chega nas casas em alguns municípios brasileiros. Então isso mostra que essas medidas em relação à liberação de mais agrotóxicos são de irresponsabilidade, são decisões que beneficiam as grandes indústrias fabricantes de agrotóxicos.

Asacom: O que fazer? Que soluções podemos resgatar ou construir para o nosso futuro?

Carvalho: Aquela frase de ordem da ASA nos diz muito: é no Semiárido que a vida pulsa, é no Semiárido que o povo resiste! Eu não vejo outra saída se não for pela resistência, se não for pela inquietude, pela capacidade de união de organização da sociedade civil, junto com mandatários como vereadores, prefeitos, governadores, deputados estaduais e federais, organizações de pesquisa e extensão. Vamos encontrar em todos esses setores pessoas que estão dispostas a lutar pelo Brasil. Precisamos começar a olhar, por exemplo, quem são esses vereadores e prefeitos que a população brasileira vai escolher. Serão esses desse campo que quer destruir direitos ou do outro campo que está do lado das lutas, do cuidado com as pessoas e do bem viver?

Muita gente do Brasil ainda não entendeu o que está acontecendo. Tem hora que parece torcida de time de futebol - que pode ser o pior do mundo e ainda assim o torcedor defende com unhas e dentes. É do ponto de vista da experimentação, da divulgação, da comunicação… uma comunicação que seja democrática, responsável, que traga a informação para sociedade do que é possível ser feito. Eu acho que a comunicação pode cumprir deve cumprir um papel muito importante. Tão como a educação que é uma grande mola propulsora das mudanças de paradigma, das mudanças de consciência e de ação. Em resumo, é união. É continuar mobilizando com a sociedade.

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