A chuva, a seca e seus impactos
Membro do Laboratório de Engenharia Agrícola da Uenf fala sobre mudança do clima na região e suas consequências
11/11/2018

A temporada de chuvas está aí. Chegou junto com o mês de novembro e promete ficar, como todos os anos, até março. Tem como prevê se haverá ou não enchente na nossa região nesse período?
As previsões da anomalia da Temperatura da Superfície do Mar – TSM para os meses de outubro, novembro e dezembro de 2018 dos modelos numéricos de previsão climática analisados pelo CPTEC/INPE indicam que as águas sobre o Pacífico Equatorial devem ficar mais quentes que a normal, indicando o possível início de um fenômeno El Niño e a previsão da ocorrência de El Niño-Oscilação Sul (ENOS) realizada pelo International Research Institute for Climate and Society IRI/CPC da Universidade Norte americana de Columbia no início de setembro aponta que a maior probabilidade (62%) é de que o próximo trimestre venhamos a ter a influencia de um El Niño, e assim segue até março, abril e maio de 2019) e é sabido que os efeitos do fenômeno El Niño sobre as regiões Sul e Sudeste são de aumento da precipitação. Em Campos e Região, os totais de chuva previstos pela normal climatológica é de cerca de 470 mm para o próximo trimestre ocasionadas, principalmente, pela atuação da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), que tende a se intensificar com a possibilidade do El Niño .
E o verão, que vem por aí, será mais quente em relação aos últimos anos? Por quê?
De forma análoga, a possibilidade do El Niño também tende a elevar as temperaturas na região sudeste, além da já observada elevação da de 1,5 a 2,0 oC decorrentes das ações antrópicas. O que é um fato. O Rio Paraíba do Sul corta o nosso município e diversos outros nos estados do Rio, São Paulo e Minas. Nem sempre ele comporta a força da água que vem dessas regiões.
Na sua opinião seria necessário um trabalho preventivo do poder público e de conscientização da sociedade para evitar grandes estragos?
Os deveres de casa todos sabem, mas muitos não o fazem. É preciso ações que reduzam o assoreamento do rio e que amortizem o efeito das fortes chuvas. Não é incomum observarmos seca e enchente num mesmo ano, por que a bacia hidrográfica perdeu sua capacidade de retenção. O que se vê é que a água escoa para o leito do rio e vai direto para o mar. Não falo apenas de regularização de vazão, mas também de reflorestamento das encostas e redução a zero de emissão de poluentes nos corpos hídricos que compõem a bacia hidrográfica.
De que forma a umidade da Amazônia influencia nas chuvas aqui da Região Sudeste do país?
Pelo efeito da circulação atmosférica. A Amazônia é uma região extremamente úmida onde se formam verdadeiros “rios aéreos” e os ventos alíseos empurram essa grande massa de água para o interior do continente que se esbarra na Cordilheira dos Andes, se desviando para região central do Brasil, onde existe uma zona de baixa pressão do Pantanal. Essa circulação traz umidade até a nossa região, que se transforma em chuva. Quando esse sistema de acopla a uma frente fria oriunda da Antártida formam-se as ZCAS e as ZCOU que propriciam fortes eventos de precipitação. É sobre um fenômeno desse que estamos agora e que causou grandes problemas em vários municípios da região.
O senhor é professor na Universidade Estadual do Norte Fluminense, a Uenf, quais são principais projetos na área meteorológica da instituição?
A UENF possui o Laboratório de Meteorologia, o LAMET, ligado ao Centro de Ciência e Tecnologia, que possui excelente estrutura física e instrumental, além de valorosos e renomados pesquisadores. Esse laboratório fica no Campus de Macaé, onde também está o LENEP (Eng. de Petróleo). O principal projeto do LAMET hoje é a criação do curso de Engenharia Meteorológica, cujo edital para a formação da primeira turma acabou de ser lançado e se iniciará no primeiro semestre de 2019.
Além do curso, há o Radar Me-teorológico instalado ao lado do Campus da Uenf em Macaé, que apesar de ser operado por técnicos ligados ao INEA já está sendo utilizado como fonte de pesquisa e produtos operacionais por parte dos meteorologista. Eu sou Engenheiro Agrônomo de formação, não sou meteorologista como muitos pensam. Meu mestrado, doutorado e pós-doutorado foi na área da Meteorologia Agrícola, também conhecida por Agrometeorologia estou lotado no Laboratório de Engenharia Agrícola/LEAG, mas tenho muita interação com os colegas do LAMET. Depois da chamada “Tragédia na Serra” que, em 2011 dizimou vidas e deixou prejuízos incalculáveis, a Defesa Civil estadual vem tentando se reorganizar e afinar o contato com as pessoas que moram em área de risco.
O senhor acha que ainda falta muito para esse trabalho se tornar eficaz?
De fato, a tragédia de 2011 foi um divisor de águas na política Nacional de Defesa Civil. O olhar sobre o planejamento, ação e mitigação dos sinistros avançou muito. A estrutura nacional de monitoramento e prevenção de desastres naturais também avançou muito no País. Instituições como o INMET, CPTEC e CEMADEN trabalham ativamente nesse setor, com excelentes serviços prestados à Nação, seja na instalação de equipamentos como também na emissão de avisos e alertas meteorológicos. Penso que o Sistema de Defesa Civil nas três esferas aprendeu muito com o evento ocorrido na Região Serrana em 2011, mas que também é preciso ainda muita conscientização da população que habita áreas de riscos.
Na nossa região não há estação meteorológica. O trabalho dos pesquisadores fica comprometido por conta disso? Existe algum projeto para instalação de uma estação?
A região até que é bem coberta de estações. Temos duas do INMET (Colégio Agrícola e Farol de São Thomé), temos a da Universidade Rural, da Uenf, do IFF, da rede dos aeroportos, da Reserva de Guaxindiba, do CPTEC e recentemente o CEMADEM instalou pluviômetros automáticos em vários pontos da região. Localidades antes descobertas hoje já possui algum tipo de monitoramento, a exemplo de Baixa Grande, em Campos e Praça João Pessoa, em São Francisco do Itabapoana. Iremos instalar uma estação em Itaocara, na base da UENF lá. Mas é sempre bom lembrar que quanto maior a rede de observação de superfície, melhor a qualidade das informações.
A região não precisaria, por exemplo de um código de alerta diante de um risco eminente de chuvas fortes?
Isso já existe e os agentes de Defesa Civil recebem esses alertas, inclusive pelo celular. Qualquer cidadão pode receber esses alertas via SMS. Depois dessa sequência de chuva, vem a época de secas que ficou conhecida nos últimos anos como micro-clima.
Não estamos prestes a ser um clima semelhante ao do Nordeste?
Temos trabalhado bastante nesse tema nos últimos anos e apresentado esses resultados em diferentes esferas. Há inclusive projetos no Senado Federal sobre esse tema. O nosso tipo climático regional é classificado pelo sistema de Koppen como Tropical Úmido e o que caracteriza um tipo climático, são índices que determinamos por análises dos dados de chuva e evaporação e nossos resultados indicam meses seguidos onde nossos índices são classificados como semi-árido, árido, sub-úmido seco e em nesse período do ano, úmido.
Quando analisamos esses índices com séries históricas de 70 – 80 anos, observamos esse tendência de aumento no índice de aridez e consequente redução no índice de umidade. Mas penso que essa reclassificação do tipo climático da região não vai demorar muito não, pois os órgão nacionais responsáveis por essa modificação já começam a concordar com nossos argumentos e dados. Mas também tem que ter muita articulação política para que isso de fato venha a se tornar realidade. O próprio INMET reconheceu recentemente que em Campos o total de chuva e nossa umidade relativa do ar diminuíram e a temperatura do ar aumentou em cerca de 2oC, ou seja, o clima regional ficou mais seco e mais quente.
Em algumas cidades como Niterói existe lei para o aproveitamento da chuva em edifícios novos. Campos está atrasado neste sentido?
Penso que sim. A reservação e o reuso de água já é prática em muitos lugares do Brasil e do Mundo. Em Campos já existem prédios que fazem coleta de água de chuva. Em certos lugares do mundo até a água do mar é utilizada em prédios para determinados usos. Práticas de conservação de água e solo devem ser amplamente disseminadas e fomentadas. Temos hoje a tecnologia do etanol na região e temos também o parque eólico em Gargaú. Agora se valendo de projetos de energia solar em Campos.
O senhor tem conhecimento de algum em andamento?
A matriz solar está em franca expansão na região e vai crescer mais. Temos um potencial fotovoltaico imenso. Quanto a energia o litoral de São Francisco de Itabapoana é propício para geração de energia eólica, devido à existência de vento constante durante todo o ano. Não sei informar como anda o projeto do segundo parque eólico em São Francisco do Itabapoana terá teria 85 super torres com turbinas eólicas construídas pela Ferrous Ressources do Brasil. Nossa região tem uma grande potencial para geração de energia sustentável.
Para terminar: combina unir os ministérios da Agricultura com o do Meio Ambiente?
Não vejo com bons olhos, pois a questão ambiental e a sustentabilidade são temas mundiais e precisam ser tratadas em fóruns específicos, como são atualmente. Mas a agricultura não precisa ser predatória ambientalmente. Temos tecnologia para produzir alimentos de forma sustentável, sem precisar desmatar, secar nascentes e ou utilizar agroquímicos em excessos. O problema maior hoje é a falta de informação e o desconhecimento da tecnologia de produção sustentável.
Redes Sociais