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O século do hidronegócio, artigo de Henrique Cortez

Publicado: Quinta, 06 de Junho de 2019, 09h58 | Última atualização em Quinta, 06 de Junho de 2019, 09h58 | Acessos: 422

26/07/2005

Ao que parece, diante das crescentes referências, está se consolidando no mercado mundial uma atividade cada vez mais poderosa - o hidronegócio. Na verdade, devemos compreender o hidronegócio a partir da compreensão do que seja água virtual, que é o conceito utilizado para calcular a quantidade de água necessária para produzir um determinado bem, produto ou serviço.   À primeira vista associa-se o hidronegócio ao tratamento e distribuição de água, às engarrafadoras e outras atividades deste tipo, mas ele é muito mais abrangente e complexo do que isto.   A água virtual está presente em tudo que usamos e consumimos, porque é parte de todos os processos de produção, direta ou indiretamente.   Na prática, a água virtual é o produto do hidronegócio e o agronegócio é o seu principal consumidor. O aparente sucesso do agronegócio nacional, também significa que somos, crescentemente, grandes exportadores de água. E isto interessa a diversos países que consideram ''sustentável'' subsidiar seus agricultores, poupando escassos recursos hídricos ao importar carne e grãos de países do terceiro mundo.   Isto pode ser demonstrado em interessante artigo da engenheira Vânia Rodrigues, disponível em http://www.aesabesp.com.br/artigos_agua_virtual.htm. O volume de água exportado pelo agronegócio é mais do que significativo, mas a água virtual também tem peso em outros setores. No Brasil, nossa geração e energia elétrica é essencialmente hidrelétrica, o que faz a água ser componente de tudo que demanda energia elétrica. Isto é muito claro na indústria eletrointensiva (alumínio, siderurgia, ferroligas, papel e celulose e petroquímica).   Dados do Ministério de Minas e Energia demonstram que 408 indústrias eletrointensivas consomem 28,8% de toda a energia elétrica produzida no País, o que a faz, ao mesmo tempo, massiva exportadora de energia elétrica e água.   Vejamos um exemplo prático - metade da energia elétrica produzida em Tucuruí é contratualmente destinada à industria de alumínio. Cerca de 41% do custo final do processamento do alumínio corresponde à energia elétrica e, no caso de Tucuruí, isto é significativo porque sua tarifa subsidiada é 30% menor do que seria no sul ou sudeste do país.   É por isto que o Japão produzia 1,1 milhão de toneladas de alumínio por ano e baixou a produção para apenas 41 mil toneladas/ano, passando a importar o restante.   Neste caso, a indústria eletrointensiva é ''competitiva'' porque, como todas as exportações de bens primários de baixo valor agregado, soma mão de obra barata, energia elétrica subsidiada e gigantescas quantidades de água virtual.   Enquanto isto, o hidronegócio discreta e silenciosamente trabalha pelo controle do acesso à água. O açude controlado pelo coronelismo é algo da pré-história do hidronegócio, porque era muito mais uma questão de política paroquial do que de negócio.   O semi-árido brasileiro já possui uma impressionante rede de reservatórios, açudes e adutoras, mas a maior parte da população continua sem acesso à água, majoritariamente destinada à agricultura de exportação. Este é um processo que se repete em boa parte dos paises do terceiro mundo e não é uma mera coincidência.   Esta é a lógica do hidronegócio, que será cada vez mais concentrador do acesso à água, na medida em que os recursos hídricos forem mais escassos. Quanto menor for a disponibilidade hídrica em um país ou região, maior o valor agregado aos bens e produtos em razão do ''preço'' da água virtual.   A partir do controle dos reservatórios e açudes cresce a tendência de buscar, como negócio, ter o controle de toda a água disponível. Logo, quem controlar uma nascente, um manancial, também controla toda a bacia e, por conseqüência, impõe seu poder de negociação em toda a água virtual incorporada à produção da região.   Nos novos projetos de hidrelétricas já existe a concepção de que a água estocada no reservatório é um negócio em paralelo à própria geração de energia elétrica.   No caso do aquífero Guarani não é diferente porque, independente de sua vasta área, ele possui poucas áreas de recarga e afloramento. E, neste sentido, ter a ''propriedade'' das áreas de afloramento também equivale a ter a ''propriedade'' do aquífero.   Se não compreendermos a importância de implementar as políticas públicas de proteção aos mananciais e ao acesso à água, estaremos subsidiando o poder econômico e político de quem controla os ''estoques'' de água.   O século 21 será o século da escassez de água e, por isto, o hidronegócio chegou para ficar. Se não formos atentos, este será o século do hidronegócio.

 

Henrique Cortez é Ambientalista e Editor Chefe do EcoDebate

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