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Potencialidades dos aquíferos do Nordeste do Brasil, artigo de Aldo da Cunha Rebouças

Publicado: Quinta, 13 de Junho de 2019, 09h21 | Última atualização em Quinta, 13 de Junho de 2019, 09h21 | Acessos: 7181

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“Usar a gota d´água disponível de forma cada vez mais eficiente é a alternativa mais viável para atender demandas crescentes e superar períodos de escassez deste recurso natural limitado”


RESUMO

 O Nordeste do Brasil apresenta dois contextos hidrogeológicos distintos: 1) Numa metade tem-se uma pluviometria entre 1000 e 2500 mm/ano que alimenta importantes aqüíferos cuja contribuição engendra descargas de base numa rede de rios que não secam durante os longos períodos de 7-8 meses sem chuvas, da ordem de 55 bilhões m³/ano. 2) Na outra metade tem-se o Sertão, também referido como Semi-árido, cuja pluviometria varia entre 500 e 800 mm/ano e cai sobre uma extensão de 502.000 km² de rochas cristalinas/metamórficas subaflorantes praticamente impermeáveis. Neste contexto, as possibilidades hidrogeológicas mais promissoras ficam restritas às manchas aluviais e zonas fraturadas, cuja recarga anual é de tal forma limitada que os seus rios praticamente secam logo após o período de 3-4 meses de chuvas. Todavia, tem-se no sertão cerca de 70.000 açudes acumulando da ordem de 30 bilhões de m³ de água. Por sua vez, estima-se que a extração de apenas 1/3 das descargas anuais do manancial subterrâneo do Nordeste já representaria uma oferta de água da ordem de 20 bilhões de m³/ano. Assim, usar cerca de 20 bilhões de m³/ano de água subterrânea de forma cada vez mais eficiente é alternativa mais viável para atender as demandas crescentes e transformar os períodos de seca em oportunidades de agronegócios, principalmente, e de turismo.

 

 PECULIARIDADES GEOAMBIENTAIS DO NORDESTE

             O Nordeste tem uma extensão de 1.561.117,8 km² correspondente a 18,27% do território brasileiro e é uma das cinco regiões geoambientais que compõem a divisão espacial do Brasil (Figura 1). Com uma população de 47.679.381 é o segundo maior contingente regional, com 28,1% do total nacional de perto de 170 milhões de habitantes (IBGE, 2000).

            Esta Região apresenta sub-regiões bem definidas em seus limites físicos (Figura 2).

            Zona da Mata – corresponde à estreita faixa costeira úmida que se estende do Rio Grande do Norte até o sul da Bahia. Nesta zona a pluviosidade varia entre 1000 e mais de 2000 mm/ano, os rios são perenes e a floresta tropical atlântica é exuberante. Nos primórdios do Brasil Colonial (1500 - 1822) sua economia baseava-se na extração de espécies vegetais de interesse comercial na Europa, e posteriormente, passou-se ao cultivo de produtos tropicais de exportação, principalmente cana-de-açúcar e cacau (no sudeste da Bahia). Atualmente, esta faixa está muito degradada, constituindo a área mais urbanizada e industrializada do Nordeste onde se destacam as regiões metropolitanas de Salvador e Recife.

            Agreste – corresponde à transição entre o litoral úmido e o interior semi-árido. Sua economia é baseada na pecuária, na cultura de algodão e na policultura alimentar, tendo a função regional de abastecer de produtos agrícolas a faixa urbana e industrializada do litoral.

        Sertão – também referido com semi-árido, tem uma extensão de 912.208 km², o clima apresenta temperaturas médias elevadas (entre 23º C e 26º C) e a pluviosidade é muito irregular (entre 500 e 800 mm/ano). A sua vegetação básica é a caatinga (o “mato branco” ou ausência de vegetação, na língua tupi). Todavia, esta cobertura apresenta grande variedade de formações vegetais, todas adaptadas à prolongada estação sem chuvas.

            Por sua vez, sobre cerca de 55% do sertão ocorrem rochas praticamente impermeáveis e subaflorantes de idade Pré-cambriana. Neste quadro, as maiores potencialidades de acumulação de água subterrânea ficam restritas às suas manchas aluviais e zonas de rochas fraturadas aqüíferas. À medida que a contribuição dos fluxos subterrâneos à descarga de base dos rios da área é limitada, estes praticamente secam dias depois do período chuvoso de 4-5 meses.

            No Nordeste de rochas permeáveis, entretanto, as reservas de água subterrânea são comparativamente mais importantes, de tal forma que os seus rios não secam durante os longos períodos de 7-8 meses sem chuvas, tal como o rio São Francisco cuja vazão mínima é de 2060 m³/s (Sobradinho) e o rio Parnaíba 700 m³/s (Teresina), principalmente.

            Como observam alguns estudiosos, o sertão é a “região problema” do Nordeste, pois sua população – da ordem, atualmente, de 17 milhões de habitantes – não pára de crescer, as taxas de analfabetos formais ou funcionais atingem perto de 80% e a capacidade de suporte da terra apta à produção de alimentos é cada vez menor. Esta queda gradativa de produtividade da terra resulta, principalmente, do fato das práticas agrícolas terem pouco evoluído desde o Brasil Colonial (1500-1822), predominando a expansão da fronteira agrícola por meio das queimadas. Como conseqüência, os focos de desertificação estão em franca expansão Nordeste e os índices de desenvolvimento humano (IDH) se tornam cada vez mais vexatórios, em relação às outras regiões geoambientais do país.

            O Meio-Norte – compreendo, basicamente, os estados do Piauí e Maranhão, cujo quadro natural se modifica gradativamente, até apresentar características de floresta amazônica no noroeste do Maranhão.

 

PECULIARIDADES EDAFOCLIMÁTICAS DO NORDESTE

             Uma das peculiaridades do Nordeste é que recebe uma pluviometria muito irregular, tanto no espaço quanto no tempo, cujos valores normais variam entre 500 e mais de 2000 mm/ano.

            Todavia, graças a grande irregularidade de ocorrência destas chuvas, têm-se excedentes hídricos anuais no Nordeste, conforme mostram os dados da Tabela 1. A parcela de água que escoa pela superfície transforma os rios temporários em caudalosos cursos de água. Estes rios temporários deságuam nos milhares de açudes que foram construídos no domínio de rochas cristalinas/metamórficas praticamente impermeáveis, principalmente. A parcela de água que infiltra no solo do Nordeste reconstitui a sua umidade, a qual dá suporte à exuberante cobertura vegetal nos setores cuja pluviometria anual é superior a 800 mm/ano e a explosão do verde da caatinga – a seca verde – no Sertão.

            Além disso, o homem vive e trabalha no meio rural fundamentando a sua economia na exploração extensiva da agricultura e pecuária. Contudo, o nível tecnológico dessas atividades é muito primitivo e empírico, engendrando a destruição do solo, a perda progressiva da sua produtividade, o empobrecimento das pastagens nativas e a redução progressiva das suas águas.

            Desta forma, a intervenção altamente predatória neste espaço, tem levado ao efeito perverso de aplicar a um fenômeno marcadamente de pobreza social, políticas seladas pela ideia de escassez de água, numa visão conjuntural que induz ao cultivo do problema.

            Por sua vez, a combinação de uma insolação de quase 3.000 horas/ano e ventos alísios dominantes engendra taxas de evaporação entre 1.000 e mais de 3.000 mm/ano. Além disso, estas taxas tornam-se gradativamente mais elevadas no sertão, onde a combinação do clima semi-árido com a ocorrência de rochas praticamente impermeáveis sobre uma extensão da ordem de 500.000 km² torna as condições de uso e conservação das águas acumuladas nos milhares de açudes cada vez mais críticas.

            Entretanto, o levantamento recente da EMBRAPA – CPATSA (Queiroz, 1966), revela que o Sertão encerra 172 unidades geoambientais, as quais representam vantagens comparativas com reflexos vários sobre o processo produtivo. São, sobretudo, oportunidades de negócios agrícolas, impossíveis de serem conseguidas em outras regiões do país.

            Outra peculiaridade geoambiental do Nordeste do Brasil é que, enquanto aqui as precipitações ocorrem unicamente na forma de chuva, em outras regiões semi-áridas do mundo, uma boa parcela ocorre na forma de neve e gelo nas suas montanhas. Estes estoques naturais de água derretem sob o efeito do calor da primavera/verão e engendram violentas enchentes que descem por gravidade rio abaixo, exatamente quando as suas demandas mais crescem nas respectivas bacias hidrográficas.

            Além disso, o subsolo destas regiões é formado por rochas permeáveis – granulares ou intensamente fraturadas por processos tectônicos comparativamente recentes (idade Terciária, principalmente), onde as águas das enchentes dos rios ou de reuso podem infiltrar – natural ou artificialmente – e desta forma, serem estocadas ao abrigo dos processos de evaporação intensa.

            Entretanto, sobre 55% do seu domínio semi-árido têm-se rochas subaflorantes e praticamente impermeáveis de idade Pré-cambriana, onde as precipitações ocorrem, tão somente, na forma de chuvas intensas. Estas chuvas engendram, enquanto duram, enchentes violentas nos rios temporários, muitos dos quais enchem os açudes.

            Assim, no contexto semi-árido de rochas praticamente impermeáveis do Nordeste do Brasil o subsolo não oferece condições naturais para estocagem de água protegida dos intensos processos de evaporação. Para tanto, seria necessário construir túneis e galerias nos maciços de rochas praticamente impermeáveis. Essa tecnologia já vem sendo aplicada noutras partes do mundo desenvolvido, onde, certamente, a sua viabilidade econômica/social é muito diferente.

 

O FLUXO DE BASE DOS RIOS E A RECARGA DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS

             As águas subterrâneas representam a parcela da chuva que infiltra nos terrenos da unidade de planejamento – UP em questão. Por sua vez, estas infiltrações alimentam as descargas de base dos rios durante os períodos de estiagem ou sem chuvas.

            Segundo esse modelo conceitual e o princípio de conservação das massas – a quantidade de água que infiltra (entrada) nos terrenos da bacia hidrográfica em questão é equivalente à quantidade de água subterrânea que deságua (saída) na sua rede de drenagem – pode-se considerar como viável realizar o gerenciamento integrado das águas que circulam na bacia hidrográfica em apreço.

            Tomando-se por base os dados apresentados no Projeto Áridas, 1994, (Tabela 1) verifica-se que nas 24 bacias hidrográficas/Unidades de Planejamento (UP´s) do Nordeste o balanço hídrico é positivo (Figura 3). Em outras palavras, certamente devido a grande intensidade das chuvas irregulares que ocorrem na região, a precipitação (P) média de longo período gera excedentes hídricos, mesmo no seu contexto de clima semi-árido.

            A parcela do excedente hídrico que escoa pela superfície (R) é responsável pelo regime caótico de fluxo dos rios temporários, os quais se transformam, local e ocasionalmente, em caudalosos cursos de água que alimentam os milhares de açudes. Por sua vez, a parcela da chuva que infiltra (I) no solo da bacia hidrográfica em apreço, dá suporte à explosão do verde da caatinga – a seca verde – e alimenta os reservatórios de água subterrânea, cujos fluxos regionais, intermediários e locais constituem as descargas de base dos rios que drenam a região.

            No caso das bacias hidrográficas esculpidas nos terrenos cristalinos/metamórficos, praticamente, impermeáveis de idade Pré-cambriana, onde os potenciais mais promissores de água subterrânea estão acumulados nas manchas aluviais e nas zonas de rochas aqüíferas fraturadas, as descargas de base dos rios duram alguns dias ou meses apenas após o período chuvoso. No caso dos rios que drenam os depósitos sedimentares, a contribuição dos fluxos subterrâneos – locais, intermediários e regionais – é suficientemente importante para alimentar as descargas de base dos rios durante todo o longo período de 7-8 meses sem chuvas.

Potencialidades de Água Subterrâneas

            As descargas de base dos rios constituem uma boa medida das taxas de infiltração natural da parcela das chuvas que caem no Nordeste. No contexto de rochas cristalinas/metamórficas praticamente impermeáveis, a descarga de base dos rios cujas bacias hidrográficas é da ordem de 5 bilhões de m³/ano (Figura 4). Deste volume de recarga anual, estima-se que cerca de 25% seriam utilizáveis, ou seja, da ordem de 1 bilhão de m³/ano. Vale salientar, todavia, que a sua extração desordenada poderá resultar em grave redução da descarga de base dos rios da região em apreço.

            Nos terrenos sedimentares, as descargas de base dos rios representam cerca de 54 bilhões de m³/ano. Isto significa que a utilização de até 30% destas recargas totais representaria um potencial da ordem de 20 bilhões de m³/ano de água subterrânea de boa qualidade para abastecimento doméstico, principalmente, reservando-se as águas dos rios, de menor qualidade, às atividades industriais e agrícolas.

            É evidente que a utilização das águas subterrâneas não poderá ser vista como uma panacéia de solução de todos os problemas de abastecimento regular de água no Nordeste. Preliminarmente, nos contextos de rochas sedimentares a prioridade seria para abastecimento do consumo humano disperso no meio rural e até das cidades de pequeno e médio portes.

            Já no contexto de rochas cristalinas/metamórficas, praticamente impermeáveis, prioridade deverá ser dada ao uso cada vez mais eficiente dos açudes. As águas subterrâneas captadas pelos poços tubulares e as barragens subterrâneas teriam uma função complementar e estratégica de abastecimento.

            De qualquer forma, a sua inserção deverá ser realizada numa abordagem de gerenciamento integrado da gota d´água disponível – captação das chuvas por meio de cisternas, dos rios, poços, coleta e tratamento de esgotos domésticos e efluentes industriais, águas de reuso não potável, principalmente – coleta e disposição adequada do lixo doméstico que se produz e de outros resíduos sólidos, uso e ocupação racional do solo, dentre outros fatores essenciais da revitalização das bacias hidrográficas do Nordeste.

            Efetivamente, o conhecimento do processo hidrometeorológico de renovação dos recursos hídricos na área em apreço e das condições de uso e conservação da gota de água disponível, possibilita o planejamento de ações para se fornecer água à população – seja para consumo, seja para desenvolvimento das suas atividades econômicas – com regularidade e menor custo possíveis, como fatores competitivos do mercado.

            Agir na ignorância destas condições, ou sem leva-las em conta, gera o agravamento dos níveis de pobreza da população do Nordeste, em geral, e do sertão, em particular, os quais vem sendo manipulados desde o Primeiro Reinado (1822 – 1831) pelo menos. Por sua vez, deve-se considerar que os vexatórios desperdícios no uso das águas disponíveis – no consumo doméstico e na agricultura irrigada, principalmente – muito favorecem a idéia de escassez periódica atual ou futura.

            Desta forma, o grande desafio da sociedade brasileira, incluindo seu meio técnico, é modificar o atual pensamento, historicamente estabelecido de que a expansão da oferta é a única solução para os problemas de recursos hídricos do Nordeste. Como resultado, os efeitos das secas que assolam a região tem sido combatidos mediante a construção de obras extraordinárias para se aumentar à oferta de água: açudes, poços, caminhões pipa, principalmente, sem preocupações com as condições altamente vexatórias de desperdícios crescentes e degradação de sua qualidade em níveis nunca imaginados, tanto nas cidades quanto no meio rural.

            Por sua vez, repetem-se as ações emergenciais, tais como as “frentes de trabalho” e distribuição de “cestas básicas” segundo prática inaugurada por D. João V no período de seca de 1721 – 1727, ou seja, como forma de compensar a perda de produção de alimentos nas fazendas durante os períodos de estiagem severa e evitar o êxodo rural.

            Entretanto, a experiência de gestão das demandas da água, ou seja, de se ensinar o indivíduo a obter cada vez mais produção e conforto, com cada vez menos água, é uma experiência de sucesso comprovado em vários países do mundo mais desenvolvido. Para tanto, pratica-se a gestão integrada da gota d´água disponível – de chuva, rios, poços e de reuso não potável, principalmente.

            Vale salientar que o vigente racionamento do consumo de energia elétrica, bem como dos seus crescentes custos, deu suporte à substituição da cultura de arroz irrigado em 12.000 hectares no vale do rio Jaguaribe por cultivos de frutas. Este processo engendrou uma sensível redução das demandas de água – de 21.000 m³/ha/ano do arroz irrigado, para 5.000 a 7.000 m³/ha/ano exigidos pelos cultivos de frutas. Além disso, esta diminuição na demanda de água significa redução da conta de energia elétrica e conseqüente melhoria da eficiência econômica da atividade em apreço.

            Por sua vez, evoluiu-se dos métodos de irrigação os menos eficientes, tais como espalhamento superficial ou que requerem pressurização, tais como pivô central e aspersão convencional, para aqueles mais eficientes. Isto significa uma redução do consumo de água da ordem de 5 m³/s, suficientes para abastecer uma cidade do porte de Fortaleza. Assim, “o custo da água gratuita” tornou-se a mola propulsora do seu uso mais eficiente no vale do Jaguaribe.

 

O PREÇO DA ÁGUA “GRATUITA”

             A partir do Primeiro Reinado (1822-1831), pelo menos, foram construídos no Nordeste cerca de 70.000 açudes (as – sudd, palavra de origem mourisca que significa represa d´água) no contexto de rochas cristalinas, principalmente. Por sua vez, a partir da Regência Trina (1831-1840) foi autorizada a “perfuração de fontes artesianas profundas”, estimando-se que, atualmente, existam cerca de 50.000 poços perfurados no Nordeste (Rebouças, 1973).

            Todavia, a água gratuita que é extraída diretamente dos rios, da constelação de açudes ou dos poços já perfurados tem um preço correspondente ao consumo de energia elétrica de bombeamento, pelo menos. Desta forma, o uso cada vez mais eficiente da gota d´água disponível já constitui uma alternativa altamente promissora de se reduzir o preço da água, como um dos fatores competitivos impostos pelo mercado global.

            Além disso, os cerca de 30.000 poços em operação no Nordeste, dos quais da ordem de 70% foram perfurados nas zonas aqüíferas do substrato geológico Pré-cambriano, fornecem vazões cujos valores mais freqüentes variam entre 1 e 5 m³/h. Vale salientar que estas águas apresentam, regra geral, teores de sólidos totais dissolvidos (STD) superiores ao limite de potabilidade de 1000 mg/l, considerado pelos padrões de qualidade da Organização Mundial de Saúde para água de beber (Rebouças, 1999a).

            Desta forma, os poços perfurados nas zonas aqüíferas do embasamento geológico de idade Pré-cambriana do Nordeste, produzem vazão individual suficiente para abastecer uma população de 500 habitantes. Entretanto, quando estas águas não apresentam qualidade adequada ao consumo, dessalinizadores por osmose inversa vem sendo utilizados em alguns poços. Todavia, regra geral, ao cabo de 2-3 anos de uso a água extraída do referido poço já apresenta qualidade adequada ao consumo. Por sua vez, há várias alternativas para uso da salmoura assim produzida: (1) para obtenção de sal por evaporação em tanques ou barreiros; (2) para criação de tilápias rosa e (3) para irrigar halófitas do tipo atriplex para alimentação de caprinos, principalmente.

            Por sua vez, os poços perfurados nos aquíferos sedimentares proporcionam vazões muito variadas, ficando os valores mais freqüentes entre 10 m³/h até mais de 300 m³/hora, ou seja, potencial para abastecer por poço até 14.000 habitantes.

            Vale ressaltar que o sertanejo opõe certa resistência psicológica ao uso intensivo das águas dos açudes, face ao seu difícil acesso público tradicional. Na realidade, o açude ou o poço beneficia muito mais o grande proprietário do que o pequeno agricultor, uma vez que nem sempre é garantido o acesso público à água.

            Historicamente, açudes e poços foram construídos visando ao abastecimento das populações e rebanhos, durante os períodos de seca, principalmente. Entretanto, estima-se que apenas cerca da metade dos poços já perfurados no Nordeste estaria em operação e entre 16 e 37% dos volumes de água estocados nos açudes estariam sendo utilizados (Vieira, 1999).

            Por sua vez, o Código de Águas de 1934 estabelece que todas as águas do Nordeste são de uso comum e segundo a Constituição de 1988, todas as águas do Brasil são de domínio público. Além disso, a Agenda 21, documento básico assinado por todos os países presentes à Conferência das Nações Unidas, a Rio-92, consolida o conceito de “água recurso econômico, limitado”, fator competitivo do mercado global e a Lei Federal nº 9.433/97 estabelece os princípios e instrumentos do seu gerenciamento integrado, em prol do desenvolvimento sustentável.

            Neste particular, o racionamento imposto ao consumo da energia elétrica e os freqüentes aumentos da sua conta mensal, tem tido por corolário substanciais elevações de custo da oferta da água que é captada livremente de um rio, açude ou de um poço. Desta forma, tem-se a esperança de que a “cobrança pelo uso da água” poderá ser um forte indutor da racionalização, resultando num uso cada vez mais eficiente da gota d´água disponível na agricultura, principalmente, única alternativa de redução dos custos da produção aos níveis competitivos impostos pelo mercado. Para tanto, deverá haver a substituição dos métodos tradicionais de irrigação pouco eficientes, tais como o espalhamento na superfície, o pivô central e a aspersão convencional, por outros mais eficientes, bem como a substituição de culturas tradicionais como o arroz, cana-de-açúcar e banana, p. ex., por outras culturas cujo consumo de água é bem menor.

            A Agência Nacional de Água – ANA assinala que, no Vale do rio Jaguaribe, Ceará, a substituição de 12.000 hectares de arroz por frutas resultou numa redução no consumo de água da ordem de 5 m³/s e participação crescente no agronegócio regional.

            A falta de água limpa de beber no Nordeste em geral e no Sertão em particular é, também, um fator econômico dos mais importantes, à medida que reduz a produtividade do indivíduo e o seu tempo de participação no mercado. Por sua vez, a falta de água limpa de beber resulta em maiores despesas médicas e mais dias sem trabalhar.

            Além disso, se outrora os cenários de pobreza do Nordeste pareciam ser de um povo distante, atualmente, eles são trazidos à sala de visita dos habitantes das cidades do Brasil pelos meios de comunicação – jornais e televisão, principalmente.

            Esta situação é tanto mais vexatória quando exemplos não faltam no mundo em geral, sobre os níveis de riqueza alcançados pelas populações de contextos desérticos, áridos ou semi-áridos sujeitos à ocorrência de períodos de seca, ou de escassez permanente de água, tais como Israel, Austrália e, sobretudo, o Centro-Oeste Americano. Assim, embora este tenha uma extensão de mais de três vezes a área do Sertão brasileiro, os níveis de produtividade da sua agroindústria e os seus recursos humanos, principalmente, dão suporte à maior economia já desenvolvida no mundo num contexto árido com um coração desértico.

 

ÁGUA SUBTERRÂNEA NO NORDESTE: ABUNDÂNCIA E DESPERDÍCIO

 A visão de rios perenes sobre mais de 90% do território brasileiro dá suporte, certamente, a ideia de que isto significa abundância de água. Além disso, essa visão parece está na base dos grandes desperdícios e degradação da qualidade das águas em níveis nunca imaginados.

            Entretanto, a falta de uso racional das águas subterrâneas poderá resultar em sérios prejuízos ambientais e sócio-econômicos, à medida que poderá reduzir a descarga de base dos seus rios durante os longos períodos sem chuvas. Além disso, têm-se os processos de salinização das águas que afetam a qualidade das águas dos açudes não operados e daquelas acumuladas nas manchas aluviais dos rios, cuja captação mais promissora é a “barragem subterrânea”.

            Como esta obra de captação é como o “garrote” que se aplica no braço ferido para controlar uma hemorragia; necessita ser, também, adequadamente operada. Caso contrário, poderá resultar numa degradação da qualidade das águas que encharcam o maciço de montante, devido aos processos de perdas crescentes por evaporação, bem como poderá ocorrer uma degradação da qualidade das águas do trecho de jusante, por falta de drenagem. Além disso, a sua implantação deverá ser criteriosa, para não engendrar falta d´água aos usuários localizados abaixo.

            Da mesma forma, a extração da água subterrânea das zonas de rochas fraturadas aquíferas por meio de poços tubulares, poderá resultar numa crescente melhoria da qualidade. Neste caso, o poço engendra uma maior dinâmica na circulação das águas, promovendo a sua mais efetiva renovação. Desta forma, um permanente monitoramento da sua qualidade poderá caracterizar a possibilidade de dispensa do uso de um dessalinizador da água do poço em apreço. A bibliografia internacional indica que o efeito de um bombeamento intensivo da água do poço em questão poderá ser compensado pela infiltração que ocorre durante dois a três anos de chuvas normais, Ambroggi, 1978.

            Portanto, a utilização da água subterrânea deverá ser feita numa abordagem de gerenciamento integrado – água de cisterna, de rio, de poço e de reuso de água não potável no meio urbano, indústria e agricultura. O objetivo básico desta abordagem deverá ser: aprender a usar a gota d´água disponível para produzir cada vez mais com cada vez menos água, pois a população do Semi-árido tem crescido enquanto a produtividade de suas atividades agropecuárias tem caído. A necessidade de gerenciamento da água no Nordeste é evidenciada pelos índices superiores a 20% de uso dos potenciais disponíveis em cada uma das 24 unidades de planejamento ou UP´s, conforme os dados da Tabela 1.

 

CONCLUSÕES

             As condições físico-climáticas predominantes no Nordeste podem dificultar a vida de sua população (principalmente dos quase 17 milhões que vivem e trabalham no Sertão), mas não podem ser responsabilizadas pelos seus vexatórios quadros de pobreza. Destarte, desde o Primeiro Reinado (1822-1831) pelo menos, o que mais tem faltado no Nordeste brasileiro não é água, mas saber usá-la de forma cada vez mais eficiente, como única alternativa para atender uma demanda sempre crescente e transformar os períodos de seca em oportunidades de agronegócios, principalmente.

            O uso mais eficiente e integrado da gota d´água disponível no Nordeste – captação de chuva, rios, poços, açudes, água de reuso, principalmente – é uma experiência de sucesso comprovado da possibilidade de se atender demandas hídricas crescentes, atuais e futuras. Isto representa um grande desafio para a sociedade brasileira, incluindo seu meio técnico, pois o atual pensamento, historicamente estabelecido é que a construção de obras extraordinárias constitui a única solução para os problemas de recursos hídricos.

            Por outro lado, considerando que a descarga de base dos rios do Nordeste representa uma infiltração de água nos seus aqüíferos da ordem de 58 bilhões de m³/ano, significa que a extração de apenas 1/3 destas reservas representaria potenciais suficientes para abastecer a população regional atual de 47 milhões de habitantes, com a taxa de 200 l/hab/dia preconizada pela Organização Mundial de Saúde e irrigar mais de 2 milhões de hectares com uma taxa de 7.000 m³/ha/ano.

            Todavia, a utilização desordenada atual das águas subterrâneas poderá engendrar sérios impactos nas descargas de base dos rios durante o longo período sem chuvas, ou seja, quando a disponibilidade de água é mais essencial na região.

 

REFERÊNCIAS

 Ambroggi, R. P., 1978, Underground reservoirs to control the water cycle. Gd Water, v. 16, n. 3, p. 158-166.

 Rebouças, A. C., 1973, Le problème de l´eau dans la zone semi-aride du Brésil – Evaluation des ressources-orientation pour la mise-en-valeur. Thèse d´État, France, 355p.

 Rebouças, A. C., 1996, A Transposição do rio São Francisco sob o prisma do desenvolvimento sustentável. 4ª iaô da SBPC, Anais, p. 79-84.

 Rebouças, A. C., 1997, Água na região Nordeste: Desperdício e Escassez. Bol. Estudos Avançados 11 (29), p. 127-154.

 Rebouças, A. C., 1999a, Estratégia para se beber água limpa, in: O Município no século XXI: Cenários e Perspectivas, p. 199-216.

 Rebouças, A. C., 1999, Águas Subterrâneas, p. 117-151, in: Rebouças, AC., Braga, B., Tundisi, J. G., 1999, As Águas Doces do Brasil, Capital Ecológico – Uso e Conservação, IEA/ABC – 716 p.

Telles, D. D´A, 1999,  Água na Agricultura e Pecuária, p. 305-337, in Rebouças, AC., Braga, B., Tundisi, J. G., 1999, As Águas Doces do Brasil, Capital Ecológico – Uso e Conservação, IEA/ABC – 716 p.

 Vieira, P. P. B. V., 1999, Água Doce no Semi-árido, p 509-532, in Rebouças, A C., Braga, B., Tundisi, J. G., 1999, As Águas Doces do Brasil, Capital Ecológico – Uso e Conservação, IEA/ABC – 716 p.

 

 Tabela 1 – Potencialidades de água subterrânea em cada uma das 24 UP´s do Nordeste

 

UP´s – Unidades de Planejamento

Área

(km²)

Chuvas

(mm/ano)

Qt médio do rio Hm³/ano

Qb médio base do rio (Hm³/ano)

Potencial social (m³/ano/hab)

* Nec. Gerenciamento

Tocantins/Maranhão

32.900

1.500

5.950

500

12.530

2 – 3**

Gurupi

50.600

1.840

17.800

2.150

30.554

2 - 2

Mearim/Grajaú/Pindaré

97.000

1.550

17.570

3.340

7.000

3 - 4

Itapecuru

54.000

1.450

9.300

1.550

11.500

3 - 3

Munim/Barreirinhas

27.700

1.750

8.810

3.120

21.000

2 - 3

Parnaíba

330.000

1.030

40.120

9.030

11.000

5 - 7

Acaraú/Coreaú

30.500

970

5.270

1.360

5.553

4 - 6

Curu

11.500

880

2.360

350

6.000

10 - 13

Fortaleza

14.700

990

2.270

530

790

28 - 40

Juaguaribe

72.000

790

4.150

810

3.530

23 - 34

Apodi/Mossoró

15.900

710

820

300

1.153

16 - 27

Piranhas/Açu

44.100

640

2.720

590

2.000

17 - 24

Leste Potiguar

24.440

690

1.680

730

900

22 - 34

Leste da Paraíba

23.760

690

2.190

900

1.000

21 - 30

Leste de Pernambuco

25.300

1.040

4.330

950

790

44 - 70

Bacias de Alagoas

17.100

1.280

3.080

1.650

1.470

27 - 51

São Francisco

487.000

910

41.100

16.700

6.280

23 - 34

Vaza-Barris

23.300

760

1.200

390

1.090

16 - 28

Itapicuru/Real

46.100

770

2.080

880

1.370

11 - 19

Paraguaçu/Salvador

81.560

930

8.420

4.205

1.580

13 - 22

Contas/Jequié

62.240

870

5.560

700

3.510

12 - 25

Pardo/Cachoeira

42.000

1.260

7.160

1.240

4.920

4 - 6

Jequitinhonha

23.200

1.030

6.110

540

26.980

1 - 2

Extremo sul da Bahia

27.300

1.320

6.980

5.440

13.720

5 - 9

Nordeste

1.663.230

-

207.030

58.405

4.400

11 - 16

 

População ÁRIDAS – 2000, *Nec. Gerenciamento, **Situação 2020, Demanda irrigação 18.000 m³/ha/ano, Abastecimento humano: taxas de 100 l/hab/dia nas pequenas cidades, 200 – 300 l/hab/dia nas médias e 470 l/hab/dia naquelas com mais de 500 mil habitantes.

 

 

                                                                                                          Figura 2 – Nordeste: Estados e Regiões Fisiográficas
 
 
                                                                                                     Figura 3 – Unidades de Planejamento – UP – Nordeste
                     
                                                                                      

                                                                                                   Figura 4 – Nordeste: Área de rochas cristalinas – prioridade açudes,

                                                                                                  Rochas sedimentares – prioridade águas subterrâneas – banco de água

Instituto de Estudos Avançados, Universidade de São Paulo e Colaborador de Pós-graduação do Instituto de Geociências; Consultor da Secretaria Nacional de Recursos Hídricos; Superintendência de Recursos Hídricos da Bahia. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

Tema apresentado no IV Simpósio de Hidrogeologia do Nordeste – Olinda PE, no período de 14 a 17 de outubro de 2001.

por João Suassuna última modificação 13/08/2015 14:31

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