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PRONUNCIAMENTO NA SOLENIDADE COMEMORATIVA DOS 35 ANOS DA ACADEMIA PERNAMBUCANA DE CIÊNCIA AGRONOMICA

Publicado: Quinta, 13 de Junho de 2019, 11h30 | Última atualização em Quinta, 13 de Junho de 2019, 11h30 | Acessos: 356

 

Engenheiro Agrônomo e Acadêmico Titular Mauro Carneiro dos Santos, Presidente da  Academia Pernambucana de Ciência Agronômica (APCA)

 

Há 35 anos, o Engenheiro Agrônomo Eudes de Souza Leão Pinto idealizou e fundou a Academia Pernambucana de Ciência Agronômica. Neste mesmo auditório desta gloriosa academia literária, precisamente no dia 31 de maio de 1984, houve a implantação da primeira academia no gênero no país e que, continua sendo a única nos estados. O Dr Eudes, como era chamado entre nós, com o seu entusiasmo pela causa agronômica, por Pernambuco e pelo Brasil, com sua cultura, polidez e inteligência, após inúmeras reeleições para presidente, foi aclamado presidente vitalício até sua morte ocorrida no dia 15 de setembro de 2018, aos 98anos. A liturgia acadêmica preconiza que acadêmicos são seres destinados à imortalidade. Não a imortalidade física, ou a imortalidade da alma, mas a imortalidade refletida na perenidade das boas obras realizadas, a imortalidade na memória das gerações que se seguirão. Os humanos são mortais, mas suas glórias podem escapar da morte. Há um vínculo entre a transitoriedade e a duração – a transitoriedade, o destino humano; a duração, a realização humana. Certamente nosso eterno Presidente Eudes de Souza Leão Pinto soube construir a sua ponte para a transcendência, para a eternidade, para o infinito, para a imortalidade acadêmica. Nossos eternos agradecimentos. 

Na comemoração dos 10 anos da APCA, também, neste mesmo auditório eu e mais sete engenheiros agrônomos, alguns aqui presentes, nos tornamos acadêmicos. É, portanto, para mim, extremamente significativo, após 25 anos, tomar posse como presidente neste mesmo e inspirador ambiente da APL.

 

O desenvolvimento da ciência e da filosofia esteve sempre relacionado com a existência de instituições que promovessem a criação e comunicação de saberes. Na Antiguidade a instrução estava associada à religião ocorrendo, sobretudo em templos. Foi na Grécia antiga, há 2.406 anos (387AEC) que surgiu a primeira instituição secular dedicada ao ensino. Fundada por Platão, recebeu o nome de Academia por funcionar nos Jardins de Akademo, herói grego na Guerra de Troia. Platão fundou a Academia aos 40 anos de idade e permaneceu como escolarca por mais 40 anos, falecendo em 347AEC. A academia foi herdada por seu sobrinho Speusipo, frustrando Aristóteles seu mais eminente aluno que aspirava a liderança. Com inúmeros escolarcas passou por diversificadas fases e tendências, mas sempre mantendo o respeito ao livre pensamento. Xenócrates acentuou o Pitagorismo; Arcesilau, o ceticismo; Antíloco acaba o ceticismo em favor do ecletismo. Com Plotino entra na fase do neoplatonismo. Nos primeiros anos após a morte de Platão, Aristóteles, seu principal discípulo, abandonou a Academia para fundar o Liceu de Atenas. O idealismo de Platão empregava a razão para superar o mundo empírico e descobrir uma ordem transcendental, Aristóteles empregava a razão para descobrir uma ordem imanente no próprio mundo empírico. Havia, entre a maneira de pensar dos dois, certa harmonia elegante e uma tensão entre a análise empírica e intuição espiritual. Platão e o jovem Aristóteles; o primeiro apontando para cima, para os céus, para o invisível e transcendental, enquanto Aristóteles movimenta sua mão para fora e para baixo, para a terra, para o visível e imanente. A primeira academia permaneceu um centro ecumênico de pensamento livre até o ano 529 EC quando o imperador bizantino Justiniano I fechou a Academia, por considerar que administrava ensinamentos pagãos. A primeira academia, também considerada escola ou universidade, é ainda aquela que, até hoje, teve uma vida mais longa. 916 anos.

No ano de 1590 EC a Itália se destacava por concentrar a maioria dos cientistas que estabeleceram as bases da ciência moderna. Em 1603 foi criada, em Roma, a primeira Academia cientifica do mundo, a famosa ‘L'Accademia Nazionale dei Lincei’, fundada em 1603 com o patrocínio do papa Clemente VIII.  Academia Nacional dos Linces. Os linces são felinos astutos, com raciocínio rápido e que exergam muito distante. Certamente não eram modestos os primeiros acadêmicos.  Em 1630 Galileo Galilei, um dos seus mais proeminentes componentes, confirma Copérnico, na sua “Teoria do Heliocentrismo”. O papa, descontente com essa afirmativa cessa o patrocínio (o mercenato) e encerra as atividades da Academia.  Outro Papa, Pio IX, resolve refundar a academia com o nome de “Academia Pontifícia dos Novos Linces”. Durante o Reino da Itália, Roma passa a ser capital. Houve então o reestabelecimento da Academia dos Linces, em 1874, com o nome de “Academia Real dos Linces“. Neste período, portanto, duas Academias eram resurgidas dos Linces. Veio então o Governo Fascista (1919 e 1945). Foi então criada a “Academia da Itália”, suprimindo a “Academia dos Linces” e sua gloriosa tradição. Queriam uma academia submissa às finalidades culturais e políticas do governo.

Em 1936 o papa Pio XI renomeou a “Academia Pontifícia dos Novos Linces”, dando o presente nome de “Academia Pontifícia de Ciência”. E tem mais. Em 1944, com a queda do regime fascista, houve a extinção da “Academia da Itália” e reinstalação da “Academia dos Linces”. É interessante como a primeira academia científica do mundo é emblemática, respeitada e venerada na Itália. Seus anos de existência são comemorados como se as interrupções nunca tivessem acontecido.

 

Em 1660, 57 anos após a criação da Academia dos Linces, foi criada em Londres “THE ROYAL SOCIETY OF LONDON FOR THE IMPROVEMENT OF NATURAL KNOWLEDGE” que funciona como “Academia de Ciência do Reino Unido”. É a Academia mais antiga no mundo, em funcionamento ininterrupto.  Os novos estudiosos experimentais dos séculos 17 e 18 uniram-se para fazer as coisas acontecerem. Ao criar as sociedades científicas, eles adquiriram a força coletiva que lhes faltava individualmente. Isaac Newton foi aclamado em toda Europa ao aproveitar a plataforma promocional já existente da Royal Society. Sem o suporte desta instituição para divulgação de seus primeiros livros, invenções e experiências, ele teria encontrado dificuldade para divulgar seus estudos fora de Cambridge. Durante os últimos 25 anos de vida, Newton ocupou o cargo de presidente da Royal Society.  Joseph Banks, um autocrata aristocrático presidiu a Royal Society por 40 anos e dominou a ciência britânica. Preenchia estrategicamente os comitês com políticos influentes, capazes de assegurar o patrocínio oficial. Banks foi um grande inovador, por fazer da ciência uma atividade importantíssima, ligada a política e aos negócios. Levou a ciência ao centro da política britânica, tornando-se - e à Royal Society – indispensável durante o longo mandato como presidente. Depois de sua morte seus sucessores vitorianos tentaram dar à Royal Society uma aparência mais democrática, apagando a memória de sua administração autoritária, mas é interessante notar que, Banks utilizou a política para preservar a atender aos ideais e preceitos da ciência e não o indesejável oposto.

 

 Na era clássica, o homem ocidental era orientado pela mitologia e pela sabedoria. Na Idade Média pela religião, no Renascimento, pela estética e nos séculos XIX e XX, pelas ideologias. Vivemos uma era onde se preconiza o fim das ideologias. Era por vezes chamada de pós-modernidade, modernidade tardia, modernidade reflexiva, modernidade líquida. O nominalismo das eras não importa, mas é angustiante quando ouvimos que estamos vivendo uma nova e assustadora era da pós-verdade.

 

Como afirma Kakutani: O descaso pelos fatos, a substituição da razão pela emoção e a corrosão da linguagem estão diminuindo o valor da verdade.  O declínio da verdade entrou para o léxico da era da pós-verdade. “Fake news” e “fatos alternativos” são criados por “trolls”, que são usuários da internet anônimos e mal intencionados, e gerados por “bots”, os robôs da internet também designados “spiders” ou “crawlers”.... Facebook Twitter, You Tube e muitos outros sites usam algoritmos para personalizar as informações que você vê – informações customizadas com base em dados anteriormente coletados sobre você. O novo homem influenciado pelas telas é agora designado “Homo Ecranis”. O monitor do seu computador ou celular é, cada vez mais, uma espécie de espelho unidirecional, refletindo seus interesses, enquanto os algoritmos observam no que você clica. As redes sociais nos dão informações que tendem a confirmar nossa visão do mundo, nos dando uma visão infindável de nós mesmos. Como resultado as pessoas vivem em bolhas de conteúdo cada vez mais restrito e em espaços murados de pensamento igualmente delimitado. Um senso comum de realidade está se transformando em algo utópico. As pessoas hoje não compartilham a mesma base de fatos e estão operando em universos de informação completamente diferentes. “A diminuição da verdade objetiva, a glorificação da opinião acima do conhecimento e das emoções acima dos fatos - A ignorância está na moda”. A polarização se torna cada vez mais extrema.

 

Devemos sempre lembrar a famosa frase do ex-senador americano David Patrick  Moynihan, muito citada na literatura atual . “Todo mundo tem o direito de ter suas próprias opiniões, mas não seus próprios fatos”.

 

Citei acima as três primeiras academias do mundo, como uma informação histórica, mas também como um exemplo do que ocorre em uma instituição de pensamento livre quando recebe interferência de interesses e ortodoxias, sejam político-ideológicas ou mesmo religiosas.

 

Adaptando um pouco as palavras atribuídas a Arnaldo Niskier, quando presidente da Academia Brasileira de Letras. “A Academia deve ser um templo de comunhão cultural, um centro ecumênico de pensamento livre. Não se podem aceitar vetos de nenhuma ideologia e não há reserva de mercado para nenhuma seita política”.

 

Entre as nossas maiores preocupações, para os dois anos desta diretoria, está a crescente desvalorização, banalização e descaso com que são tratados os profissionais da Engenharia Agronômica, fato observado de forma crescente nas últimas décadas. Sabemos que não ocorre somente com os profissionais da Engenharia Agronômica, mas também com os de outras profissões. Estamos desenvolvendo um projeto para que possamos colher dados, estudarmos e discutirmos intensamente questões como: ingresso e permanência nos cursos, tempo para formatura, tempo do próprio curso, currículo, formação dos professores e qualificação das escolas.  Excesso de cursos em contraponto à demanda de mercado para a profissão, formação continuada, renda auferida, perfil profissional, são apenas alguns dos muitos aspectos a serem detidamente analisados no nosso projeto.

 

Esperamos contar com todos os acadêmicos da APCA, para manter o legado de Eudes de Souza Leão Pinto. Usar a experiência dos fundadores, associada à visão dos novos e valorosos acadêmicos que hoje tomam posse, para que possamos cumprir os objetivos maiores de uma academia: debater ideias e partilhar conhecimentos e ambições; estimular uma abordagem interdisciplinar para o conhecimento científico; fornecer aconselhamento a órgãos administrativos e políticos sobre assuntos científicos e tecnológicos de interesse do nosso Pernambuco e do Brasil.

 

Encerro inspirado nas palavras de Sally Yates: “nós podemos – e devemos – debater políticas e questões, mas esses debates devem se basear em fatos em comum, e não em apelações baratas à emoção e ao medo na forma de mentiras e de uma retórica polarizante”.

 

Muito obrigado!

 

 

Recife, 14 de maio de 2019.

 

 

MAURO CARNEIRO DOS SANTOS

Presidente da Academia Pernambucana de Ciência Agronômica.

 

 

 

[1] Pronunciamento durante a Solenidade Comemorativa dos 35 anos da instalação da Academia Pernambucana de Ciência Agronômica (APCA), realizada em 14 de maio de 2019, no auditório da Academia Pernambucana de Letras, Recife, Pernambuco.

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