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NORDESTE 1981

Publicado: Quinta, 27 de Junho de 2019, 09h40 | Última atualização em Quinta, 27 de Junho de 2019, 09h40 | Acessos: 412

Revista Pernambucana de Desenvolvimento

Número Especial

 

Por Jorge Cavalcante e Clemente Rosas

 

Condepe – Instituto de Desenvolvimento de Pernambuco

 

Junho - 1981

 

 

Politicamente, foi ganha a batalha para apresentar como um escândalo nacional o retardamento do Nordeste.

Os dirigentes da República estão já convencidos de que esse escândalo não deve continuar. É preciso não dormir sobre a vitória conseguida e aproveitar o clima psicológico que possibilita a ajuda necessária para o desenvolvimento da região.

 

 

Louis Joseph Lebret (1954)

 

 

SUMÁRIO

Pág.

 

  1. INTRODUÇÃO.........................................................................5
  2. A ECONOMIA NORDESTINA DE HOJE...............................7
  3. A AGRICULTURA E SUAS METAS......................................11
  4. A INDUSTRIALIZAÇÃO E OS INCENTIVOS......................15
  5. O NORDESTE E AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS NACIONAIS............................................................................20
  6. O QUE HÁ DE NOVO NO FRONT..................................24
  7. ALGUMAS REVISÕES INEVITÁVEIS.................................28
  8. VELHOS E NOVOS CAMINHOS A SEGUIR.........................33
  1. INTRODUÇÃO

 

 

                No início da década de 1960, quando a SUDENE ainda engatinhava, cercada da desconfiança de uns e do descrédito de outros, seu idealizador e primeiro Superintendente dedicava especial atenção à tarefa de sensibilizar os jovens nordestinos para a enorme responsabilidade que lhes pesava sobre os ombros, em relação à sua região. Quase todos os que, recém-saídos dos bancos universitários, foram atraídos pelo apelo irresistível do desenvolvimento regional, fizeram-no como quem aceita um desafio. Com efeito, costumava dizer Celso Furtado, jamais uma geração fora tão desafiada como aquela, para missão tão nobre. Devíamo-nos considerar felizes e privilegiados em relação aos jovens dos países superdesenvolvidos, que quebravam vitrines por não terem o que fazer.

                Vinte anos são passados, sucederam-se administrações diversas na SUDENE. Muitos foram os caminhos seguidos por aqueles moços que atenderam, à primeira hora, à convocação para a luta pelo desenvolvimento nordestino. Alguns ascenderam à cúpula da organização, outros dispersaram-se por novas estruturas de planejamento, criadas, ao longo desses anos, a nível federal e estadual. Uns poucos deixaram-se seduzir pelas retribuições mais generosas da iniciativa privada, ou prestam serviços a outros países e a organismos internacionais.

                No entanto, onde quer que estejam hoje os moços dos anos sessenta, com a atitude reflexiva que lhes impõe a maturidade, por certo interrogam-se sobre o cumprimento da sua missão. E a persistência da maior parte dos problemas que se propunham resolver não os faz tranqüilos nem realizados. Sem dúvida, o Nordeste não é o mesmo de há vinte anos. Mas para as suas populações carentes e desassistidas, a quem se pretendia beneficiar, em última instância, com o esforço do desenvolvimento, isso faz pouca diferença.

É hora, pois, de retomar o assunto e rediscuti-lo em suas bases. Analisar, com a frieza que só a distância no tempo confere, os possíveis obstáculos, desvios, descaminhos. Sem mais a preocupação de atribuir culpas, mas com a intenção de restabelecer diretrizes, guias para a ação política, ao nível das lideranças públicas e privadas. Quando menos, para apontar à geração emergente, que nos sucede, novos caminhos a serem palmilhados, ou a continuação daqueles que não soubemos percorrer.

 

                               Este, o objetivo do presente trabalho.

 

 

  1. A ECONOMIA NORDESTINA DE HOJE1,4

...ao término do próximo decênio, se permanecerem as tendências atuais, sua população será superior a 26 milhões, a pressão sobre a terra aumentará, a vulnerabilidade às secas será maior e nenhuma modificação de importância terá ocorrido em sua estrutura econômica. Então, mais do que hoje, o Nordeste figurará como a mais extensa e a mais populosa zona subdesenvolvida deste continente.

 

 

Relatório do GTDN, 1959

 

Seguindo a lição dos pioneiros do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – GTDN, entendemos que um bom retrato da economia nordestina só pode ser obtido a partir de dois enfoques: o estático, revelador dos níveis atuais de desenvolvimento, e o dinâmico, revelador das suas tendências. Além disso, mais que aos valores absolutos exibidos hoje pelos seus diversos indicadores sociais e econômicos, daremos atenção aos relativos, por comparação com o resto do país. Afinal, o próprio conceito de atraso envolve a noção de relatividade, e a ênfase da política de desenvolvimento regional sempre tem sido a redução das disparidades, o encurtamento da distância entre irmãos ricos e pobres. 

Assim, a primeira verdade a ser encarada é que o Nordeste, após todos esses anos de política desenvolvimentista, praticamente não alterou a sua posição em relação ao Brasil. O seu PIB per capita, hoje calculado em US$ 700, não representa mais de 40% do brasileiro (US$ 1740), situação semelhante à de 1956, quando a sua renda per capita (ao custo dos fatores) girava em torno de US$ 100. Em termos globais, o quadro é ainda pior: o PIB nordestino, que correspondia a 15% do nacional em 1960, caiu para 12% em 1979, enquanto todas as outras regiões mantinham ou elevavam a sua participação. Evidentemente, se não houve agravamento da situação em termos per capita, é por que a válvula das migrações permaneceu aberta: 13% dos naturais da região encontravam-se fora dela em 1970 (contra 5% em 1940).

Falamos da situação em termos per capita, e não individual, para sublinhar a nossa consciência das limitações de um indicador tão do vezo dos economistas. Com efeito, a renda per capita esconde a realidade que a razão de Gini nos permite desvendar: os desníveis pessoais de renda agravaram-se dentro do Nordeste (de 0,51 em 1960, para 0,56 em 1976). E portanto, as condições de vida dos indivíduos, da grande maioria dos indivíduos nordestinos, em relação aos seus poucos irmãos privilegiados, são hoje ainda mais duras.

Obviamente, tal estado de coisas transparece nos indicadores sociais, que não nos deixam esquecer o nosso quadro de penúrias: expectativa de vida (NE – 50 anos, Brasil – 60), mortalidade geral (NE – 18/1000, Brasil 10/1000), mão-de-obra empregada com menos de um salário mínimo (NE – 75% da PEA, Brasil – 50%), analfabetismo (NE – 51% do total do país) e tantos outros . Não vale a pena nos fatigarmos com números em defesa de uma tese pacífica e incontestável.

Passemos ao enfoque dinâmico, examinando como se comportaram os diversos setores nos últimos vinte anos, em comparação com o período estudado pelo GTDN (1948-1956), e o que podemos esperar no futuro, se mantidas as atuais tendências.

Uma das principais constatações do GTDN, fundamentadora do seu apelo em prol da industrialização, foi a de um maior descompasso de ritmos de crescimento entre regiões no setor industrial do que no agropecuário. Desse modo, enquanto a indústria cresceu, naquele período, a uma taxa anual de 5,2% no Nordeste e de 7,7% no Centro-Sul, * o desempenho da agropecuária foi de 2,8% e 3,6%, respectivamente. Ainda assim, o Grupo reconhecia também o fraco comportamento do setor primário, atribuindo a outros setores o pequeno aumento de renda per capita ocorrido na região, naquela fase.

* Pelo critério do GTDN, a região Centro-Sul compreendia os Estados litorâneos do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul e os Estados mediterrâneos (Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso).

 

A tendência na indústria foi, afinal, revertida: entre 1960 e 1979 o nosso produto industrial cresceu a 8,5% ao ano, em velocidade superior aos 8% observados para o Brasil, como um todo. Em compensação, acentuou-se o descompasso na agropecuária: crescemos apenas a 3,4% ao ano, contra 4,3% do conjunto do país.

Não há dúvida, pois, de que ocorreu aqui um intenso processo de industrialização, induzido pelo sistema de incentivos e facilidades administrado pela SUDENE. Prova é que a participação do produto industrial no PIB nordestino elevou-se de 22 a 30% entre os anos considerados, enquanto a do produto agropecuário reduziu-se de 30 para 21%.

No entanto, e apesar da reversão de tendência, ao quadro de uma agropecuária modorrenta ainda temos que acrescentar uma moldura de industrialização desbotada. Embora abrigue 30% da população brasileira, o Nordeste detêm apenas 8% da indústria de transformação nacional. E o produto industrial per capita nordestino não vai além de ¼ do brasileiro.

A aceleração do ritmo de crescimento industrial não foi, portanto, suficiente para mudar substancialmente a nossa posição no cenário nacional. Nem o será, se não se aprofundarem as medidas de apoio governamental, como procuraremos demonstrar.

Finalmente, algo deve ser dito a respeito da natureza das relações econômicas entre o Nordeste e o Sul-Sudeste, assim como feito, há vinte anos. Naquela ocasião, proclamou-se a natureza triangular do nosso intercâmbio com o exterior e o resto do país, mostrando-se como fornecíamos, com as nossas exportações, as divisas indispensáveis à montagem e ao funcionamento do parque industrial sulino, cujos produtos éramos praticamente forçados a adquirir. A política de câmbio diferenciado e de tarifas seletivas operava esse discreto milagre de ricos serem ajudados por pobres.

Ainda nesse aspecto, a situação não se alterou. No período 1948 – 1956, o saldo positivo da nossa balança comercial foi de UU$ 638 milhões, enquanto o resto do país apresentava um déficit de UU$ 552 milhões. Cobrimos, portanto, esse déficit, oferecendo ainda o excesso para outras contas do balanço de pagamentos. 4, p. 24 Em 1978– num único ano – o nosso superávit foi de UU$ 820 milhões, enquanto o déficit nacional era de UU$ 1.024 milhões.

Há muito que o sistema de taxas múltiplas de câmbio foi abolido. Todavia, as tarifas seletivas continuam, surgiu à novidade dos incentivos financeiros e fiscais à exportação de manufaturados e a política cambial mantém-se na linha da supervalorização. Tudo muito certo para o país como um todo, embora penalizando, como sempre, a região de exportações tradicionais. Enquanto isso, por fatores diversos, inclusive a crise energética mundial, o Brasil complicou-se em sua balança comercial, e mais ainda em seu balanço de pagamentos. Mas o Nordeste continuou, humildemente, em seu papel de obscuro fornecedor de divisas para o desenvolvimento nacional.

 

 

 

3- A AGRICULTURA E SUAS METAS

 

 

A questão básica continuará a ser como adaptar a economia às condições do meio físico.

.......................................................................

O que é indispensável á fundar a economia em bases principalmente monetárias.

 

Relatório do GTDN, 1959.

  

Já vimos que o desempenho do setor agropecuário foi, no geral, altamente insatisfatório, cabendo-lhe a maior responsabilidade pela perda de posição do PIB nordestino em relação ao nacional. Com efeito, subsistem aqui todas as mazelas decorrentes de uma exploração agrícola de baixa produtividade e profundamente vulnerável às irregularidades climáticas: alto preço dos alimentos, miséria rural, migrações desordenadas em direção aos centros urbanos, baixo nível de internalização da renda gerada com o desenvolvimento industrial.

No entanto, antes de proferir o veredicto de condenação do setor, cabe considerar o que nos era lícito esperar dele, à luz da própria análise feita e das diretrizes traçadas pelo GTDN.

As linhas de ação propostas em 1959 são por demais conhecidas e resumem-se em:

  1. diversificação agrícola na Zona da Mata, para aumentar a oferta de alimentos aos centros urbanos;
  2. adaptação da economia do semi-árido, para fazê-la mais resistente às estiagens; e
  3. deslocamento da fronteira agrícola em direção às terras úmidas do Maranhão, para absorver os excedentes de população gerados com a reorganização da economia do “polígono das secas”.

 

Se relermos atentamente as várias páginas do documento em que o problema da exploração agropecuária do semi-árido é analisado, veremos que ali se previa a substancial redução, ou mesmo a eliminação da lavoura de subsistência . E por bem fundadas razões: a sua instabilidade em condições climáticas adversas, a difícil modernização, em decorrência de sua natureza ancilar à pecuária e à agricultura comercial, o próprio fato de reter na terra um contingente populacional superior às possibilidades desta de garantir aos indivíduos um padrão de vida razoável. A questão essencial era, assim, assegurar à população local renda monetária satisfatória, muito mais que proteger uma cultura agrícola ineficiente.

Por outro lado, não se depositavam grandes esperanças na irrigação, pelo seu alto custo e limitada viabilidade. O futuro da sub-região era projetado, basicamente, em termos de uma pecuária mais resistente, pelo melhoramento das pastagens e do cultivo do algodão arbóreo, ou de outras xerófilas, adaptadas às condições de baixa pluviosidade. O plano de colonização do exterior maranhense surgia, assim, como saída para remanejamento do pessoal liberado com a eliminação de uma cultura teimosamente mantida, até então, em áreas impróprias.

Ao repisarmos essas análises, que nos parecem sempre válidas, ocorre-nos que a maior parte da frustração sentida hoje pelos observadores do processo de desenvolvimento agropecuário nordestino talvez decorra de falsas e injustificadas expectativas. Com efeito, os criticados fenômenos da “pecuarização” e da proletarização, registrados no nosso interior, não são mais do que movimentos de acomodação da economia do semi-árido exatamente no sentido preconizado pelo GTDN. Muito embora, diga-se de passagem, pouco tenha sido feito para induzir essa transformação, pelos obstáculos institucionais típicos do setor primário, a não ser a capitalização e a modernização das grandes propriedades através dos incentivos fiscais. Se os fenômenos paralelos do subemprego rural e urbano, dos “bóias-frias”, agravaram-se, é porque fracassou a segunda parte do plano: a abertura da nova fronteira agrícola na Pré-Amazônia.

Desconhecemos qualquer estudo mais aprofundado sobre as causas do insucesso do plano de colonização do Maranhão, iniciado corajosamente pela SUDENE, nos seus primeiros anos, em Pindaré-Mirim. Sabemos, entretanto, das extremas dificuldades que teve de enfrentar o projeto, em seu início. Obstáculos de toda ordem: de saúde (malária), de acesso, de comunicações, de escoamento da produção, de recursos, de suporte político. O certo é que seus resultados ficaram muito aquém das expectativas. E quando agora, por outras ações governamentais, e como já antevia o GTDN, algumas daquelas dificuldades foram atenuadas, sobretudo no setor de transportes, o abandono da filosofia original de ocupação de novas áreas vem permitindo o “fechamento das fronteiras” à agricultura de colonato, através da monopolização das terras por grandes pecuaristas. 2, p. 299, 317 Enquanto isso, o Sul-Sudeste agrário, muito menos necessitado que nós de relocalizar parte da sua população rural, soube encontrar o caminho certo e vem povoando e desenvolvendo o longínquo território de Rondônia.

No que se refere à política de diversificação de culturas na Zona da Mata, praticamente nada foi conseguido, em parte pelos reconhecidos óbices institucionais, em parte por não se haver encontrado alternativa de exploração competitiva, em termos de rentabilidade e de garantia de comercialização, com a cana-de-açúcar. Esta, com exceção de alguns anos de gravosidade, sofreu fortes estímulos de demanda externa para expandir-se, e o fez com números bastante expressivos. Agora, com o encarecimento progressivo do petróleo e a alternativa energética em que se constitui o álcool, os fatores de crescimento e consolidação da economia canavieira são ainda mais fortes e irreversíveis.

Ironicamente, talvez a atividade em que o GTDN pôs menos ênfase e menos esperanças – a irrigação – seja a que atualmente pode oferecer, se não ainda grandes resultados, ao menos boas expectativas. Já naquele tempo foram iniciados os estudos para aproveitamento dos vales do Jaguaribe e do submédio São Francisco, com apoio em missões técnicas estrangeiras. Os estudos prosseguiram, alguns projetos foram implantados, novas áreas passaram a ser investigadas. Embora a agricultura de elevados custos e alta produtividade propiciada pela irrigação acabe excluindo forçosamente parte da população anteriormente ocupada naquelas terras, agravando o problema do emprego, ao menos um lado da questão – o da oferta de produtos agrícolas – tem a solução encaminhada. 2, p. 306 E em casos de vazios demográficos, como, entre outros, o do baixio de Irecê , os dois lados são atingidos. Lembre-se ainda a recente preocupação com a pequena irrigação, de técnicas rudimentares e pouco dispendiosas, acessíveis aos pequenos produtores e de perfeita inanidade em relação à estrutura de posse da terra.

 

  1. A INDUSTRIALIZAÇÃO E OS INCENTIVOS

 

 

Na verdade, se para o Centro-Sul do Brasil a industrialização é uma forma racional de abrir o caminho ao desenvolvimento, para o Nordeste ela é, em certa medida, a única forma de abrir esse caminho. Caso se demonstrasse que a solução é inviável, não restaria ao Nordeste senão a alternativa entre despovoar-se ou permanecer como região de baixíssimo nível de renda.

 

Relatório do GTDN, 1959

               

Não eram pequenas as esperanças dos nossos predecessores na industrialização desta parte do país. Na verdade, afigurava-se ela como o “único caminho” para elevação dos padrões regionais de renda, em vista da escassa disponibilidade de terras agricultáveis e da elevada densidade da população. Os exemplos de Porto Rico e do Japão eram invocados, para bem caracterizar a situação nordestina.

Esperava-se, com esta linha de ação, alcançar três objetivos: criar empregos para a massa urbana subutilizada, fazer surgir uma nova liderança empresarial dinâmica e deter a fuga de capitais privados para aplicações mais rentáveis no Sul do país. Proclamando que a indústria sulina havia crescido à base de forte apoio governamental, através de financiamentos e câmbio subsidiados, reivindicava-se ajuda semelhante para a expansão industrial do Nordeste, via recuperação dos ramos tradicionais e implantação de empreendimentos de base. Não se vislumbrava, naquele estágio preliminar, o complexo sistema de incentivos fiscais logo deflagrado, por iniciativa do Congresso, através da inserção, na lei do I Plano Diretor da SUDENE, do conhecido “artigo 34”. E o principal obstáculo a enfrentar era considerado o encarecimento progressivo dos alimentos, pressionando os salários no sentido da elevação.

Talvez tenha sido a industrialização o capítulo mais estudado e mais polêmico do desenvolvimento nordestino. As opiniões variam desde a louvação incondicional à política econômica adotada até as acusações mais graves. Os números a respeito são abundantes, e têm sido manipulados em todos os sentidos.Não cremos necessário recorrer a eles para fundamentar a nossa análise da experiência vivida até agora. Alguns conceitos nos parecem suficientes.

Inteiramente correto no diagnóstico e nos paradigmas invocados, o programa, mesmo transbordando dos seus canais preestabelecidos, falhou na mais importante das suas metas: o emprego urbano. Ninguém de boa-fé pode questionar hoje que o problema do subemprego na periferia de nossas cidades em nada melhorou. Outras categorias surgiram para melhor interpretar ou, quando menos, dar novo rótulo a cruel realidade que a indústria não conseguiu modificar. E o chamado “setor informal” passou a merecer novas atenções e variadas formas – paliativas – de intervenção.

 Quanto aos demais objetivos, os resultados parecem satisfatórios. É perfeitamente perceptível, em nossos dias, a presença de uma ideologia desenvolvimentista no seio do empresariado nordestino, ao lado da ascensão de uma liderança jovem e dinâmica. E o sentido do fluxo de capitais parece haver-se invertido, com a instalação, aqui, de estabelecimentos produtivos de quase todos os grupos industriais importantes do país.

 Falamos em transbordamento de canais para ilustrar o fato de que, mercê do sistema de incentivos com base no Imposto de Renda instituído pelo Congresso e aperfeiçoado pela SUDENE, a industrialização desenvolveu-se exatamente em segmento considerado não-prioritário pelo GTDN: o das indústrias leves, de bens de consumo duráveis. Os empreendimentos de base, por insuficiente apoio do setor público, arrastaram-se penosamente (como no exemplo da USIBA) até há pouco, quando tiveram um impulso mais efetivo, no caso do pólo petroquímico de Camaçari. E registre-se que o alto preço relativo dos gêneros alimentícios, persistente e tendendo a agravar-se ante o débil desempenho agrícola, não chegou a inibir o processo.Afinal, o padrão regional de salários, que acompanha o nível do salário mínimo, ainda está abaixo do dos Estados ricos do Brasil. Como um atributo prestado ao progresso industrial, compensamos a ineficiência da nossa agricultura com a pobreza do operariado urbano.

A história da indústria leve, e por extensão, de todo o parque fabril moderno do Nordeste, é a história dos incentivos, com particular destaque para o mecanismo de deduções do Imposto de Renda conhecido como “Sistema 34/18” hoje convertido no FINOR. Cabem, portanto, algumas considerações sobre os seus méritos e debilidades.

A principal crítica ao sistema é que, sendo um favorecimento ao fator capital, reduzindo-lhe o custo, induz à escolha de alternativas tecnológicas “capital-intensivas”, em contraste com a disponibilidade local de fatores. O custo de criação de cada novo emprego torna-se, assim, altíssimo, em comparação com outras atividades, e despreza-se o fator mais abundante – o trabalho.

A objeção, embora correta em seus fundamentos teóricos, é no fundo ingênua. Em primeiro lugar, não há, quase nunca, na indústria, opções tecnológicas “intensivas em trabalho” competitivas. E como parte de um país, não podemos fechar fronteiras para bloquear a competição, assim como não podemos simplesmente impor à iniciativa privada uma alternativa tecnológica menos eficiente, embora poupadora de fatores escassos, por que optaria talvez uma não de economia estatizada. Lidamos, assim, com funções de produção já estabelecidas, para cada tipo de transformação fabril, pelo nível de progresso técnico dominante no país. A vantagem comparativa representada pela mão-de-obra abundante – e barata – só terá efeito como elemento de atração daqueles ramos industriais de menor grau de mecanização. E isso o subsídio ao capital não tem o dom de impedir. Quanto ao resto, as fábricas só geram os empregos que podem gerar, como unidades econômicas eficientes e rentáveis.

Fala-se também em que os incentivos, atraindo capitais de fora e induzindo à associação de grupos externos com os locais, estariam “desregionalizando” a nossa indústria, alienando-lhe o controle, desfavorecendo os empresários da terra.

Neste caso, o ataque parece primário e emocional. Os incentivos estão disponíveis para todos, inclusive os empresários regionais. A participação de quaisquer investidores, através do FINOR, nas empresas, é feita sob a forma de ações preferenciais, não implicando risco de perda do controle para o dono do negócio. E quanto à atração de capitais externos, não é este, exatamente, um dos principais instrumentos de desenvolvimento da região?

A análise de mercado que precede a aprovação de cada novo projeto impede que a competição se converta em duelo selvagem, com os poderosos tubarões engolindo vorazmente as indefesas sardinhas. Com esse cuidado prévio, a concorrência só pode ser vista como saudável e estimulante. Aliás, com o avançado estágio dos nossos meios de transporte, ela já exerce, em muitos casos, a partir de qualquer ponto do país, o que faz irrelevante a localização nestas bandas. Vários são os casos de empresas locais que se modernizaram e cresceram, pela motivação da presença de concorrentes do Sul. Como vários são os casos de empresários sulistas que para aqui vieram e se radicaram, convertidos em verdadeiros nordestinos por adoção. É a materialização das aspirações do GTDN, as novas lideranças modernas e agressivas substituindo aos poucos as tradicionais.

Outros reparos feitos aos incentivos, embora válidos, são de natureza adjetiva. Dizem respeito à forma, não à essência do sistema. O encorajamento ao aventureirismo, pelas facilidades criadas para empreender, de que são exemplos alguns projetos inacabados, barganhados ou irresponsavelmente conduzidos, é uma dessas restrições. A especulação provocada na intermediação de recursos foi, durante muito tempo, outra.

Em ambos os casos, a própria experiência adquirida com a administração de um mecanismo pioneiro em todo o mundo permitiu que os defeitos fossem corrigidos. A instituição do cadastro assegurou a sobriedade do processo. A substituição do dispositivo do “34/18” pelo FINOR eliminou o desperdício no agenciamento dos recursos. O sistema soube depurar-se.

A conclusão, em relação à indústria e seus incentivos, como em relação à agropecuária, é que a insatisfação com os resultados decorre basicamente de havermos nutrido esperanças em idealizações inconseqüentes. Ressalvada a questão do emprego urbano, sobre que voltaremos mais adiante, os incentivos só não fizeram mais porque, a partir de certo momento, passaram a enfrentar progressivas reduções nas suas fontes de recursos.

 

  1. O NORDESTE E AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS NACIONAIS

  

É este um caso típico de medidas que, embora orientadas no louvável sentido de fomentar a industrialização do país, redundaram em prejuízo direto da região menos desenvolvida.

 

Relatório do GTDN, 1959. 

 

                Os incentivos, que tanta importância tiveram para o desenvolvimento nordestino, são apenas um dos instrumentos de política econômica à disposição do Governo. Acabamos de afirmar que, após um período de prodigalidade, passaram eles a nos ser crescentemente subtraídos. Por outro lado, vimos também, no segundo capítulo deste trabalho, como as políticas nacionais de tarifas e de câmbio penalizaram o Nordeste no pós-guerra e nos anos cinqüenta, e continuam, de alguma forma, a fazê-lo até hoje. É tempo de examinarmos cada uma dessas políticas macroeconômicas e avaliarmos a sua parcela de responsabilidade sobre os insucessos e frustrações aqui acumuladas. Talvez nelas encontremos a solução para as nossas perplexidades.

                A análise das políticas cambial e tarifária foi circunstancialmente antecipada, ao comentarmos a natureza das nossas relações econômicas com o Sul-Sudeste e o resto do mundo, ao tempo do GTDN e nos últimos vinte anos. Verificamos como, embora variando na forma, as normas disciplinadoras o comércio exterior permaneceram essencialmente nocivas à região. Cabe ressaltar apenas, no caso da política de câmbio, que à sua modalidade explícita, isto é, a fixação do preço da moeda estrangeira, veio somar-se a forma “implícita”, em que se enquadram as isenções de impostos para exportação de artigos industriais, os créditos fiscais, os financiamentos subsidiados, uma série de facilidades sutis, mas de profundas conseqüências. 2, p. 312 De uma maneira ou de outra, e paradoxalmente, as concessões do Governo continuam sendo para os mais prósperos, que assim ampliam a sua prosperidade e a distância que os separa de nós.

Os incentivos constituem apenas um dos instrumentos da política fiscal. A própria natureza dos tributos instituídos é arma talvez mais poderosa. E é geral a convicção de que o ICM, criado na década de sessenta, não é o imposto ideal para um Estado do tipo federativo como o Brasil, por beneficiar os Estados-membros “produtores”, em detrimento dos “consumidores”. Esse caráter concentrador do ICM foi recentemente reconhecido pelo Ministério da Fazenda, ao atender à reivindicação dos Secretários da Fazenda do Norte e Nordeste, e determinar a redução gradual da alíquota incidente sobre as operações interestaduais no sentido sul-norte e sul-centro, atenuando assim a tendência à concentração.

Foi no Imposto de Renda, através do recurso às deduções para reinvesti mento em projetos industriais, e logo também agropecuários, que o Governo foi encontrar os fundos para um tratamento compensatório à nossa região. Já vimos, no capítulo anterior, os notáveis efeitos desse mecanismo. Cumpre registrar, agora, o lamentável fato do seu progressivo enfraquecimento e de sua descaracterização. Exclusividade do Nordeste, ele foi estendido depois à Região Norte e em seguida aos setores de pesca, turismo e reflorestamento, abandonando-se aí a inspiração inicial de distribuição espacial do desenvolvimento. Parcelas lhe foram ainda retiradas para aplicação em outros planos governamentais (PIN/PROTERRA). Ao final do processo, restou menos de 20% da soma total de recursos, a cada ano, para a sua destinação original.

Merecem referência especial as políticas monetária e financeira, não menos discriminatórias em relação às regiões atrasadas. No caso, a discriminação exerce-se basicamente na destinação do crédito subsidiado, rural ou industrial, absorvido quase inteiramente pelos Estados ricos. Para avaliar-se o volume desses recursos e a medida da vantagem dos seus beneficiários em relação ao nosso melhor instrumento de apoio, no gênero, bastam dois exemplos:

  1. a) O total de inversões aprovadas de 1960 e 1976, pela SUDENE, para projetos industriais, de pesca, telecomunicações, energia elétrica e hotéis (Cr$ 97 bilhões) é apenas levemente superior ao total de investimentos aprovados pelo CDI, dos quais 86% para localização no Sudeste, em um único ano, 1976 (Cr$ 90 bilhões);
  2. b) Os financiamentos previstos pelo BNDE para projetos aprovados pelo CDI, só em 1976, são superiores aos recursos do sistema 34/18 – FINOR mobilizados pela SUDENE e BNB em todo o período de 1962 e 1976. 2, p. 293

Finalmente, consideremos a política de investimentos públicos, sejam eles diretos ou através das empresas estatais. Em uma economia como a brasileira, onde o Estado cumpre um importante papel como empresário e agente do desenvolvimento, esse seria um terreno de amplas possibilidades para um tratamento de compensação às áreas menos favorecidas. No entanto, tal não se verifica, ainda neste caso. Pesquisas criteriosas têm demonstrado que a tendência à concentração, em todos os setores, impôs-se mais uma vez. Seja pela decisão de alocar recursos vultosos em obras públicas de prioridade nacional discutível, seja pela implantação de empreendimentos de base cuja localização deveria ou quando menos poderia ser feita em outra parte, o Sul-Sudeste, historicamente, foi sempre o beneficiado.Como padrão de localização inadequada, temos o exemplo clássico da Companhia Nacional de Álcalis. Como modelo de localização “indiferente”, há o caso mais recente da EMBRAER. Aliás, sem pretender emitir qualquer juízo sobre a oportunidade ou adequação da opção brasileira pela energia nuclear, que se materializa em Angra dos Reis, não podemos deixar de registrar, de passagem, o fato de que a sua localização no litoral de Ceará já era defendida, naquele tempo, pelo GTDN. 5, p. 88

Ocorre, na verdade, que já não há qualquer dispositivo legal obrigando os detentores do poder político nacional a lembrar-se do Nordeste, como alternativa, no momento de tais decisões. O preceito constitucional de 1946, determinando a aplicação mínima, nesta região, de três por cento da receita tributária federal, foi abolido na Carta de 1976.

 

  1. O QUE HÁ DE NOVO NO FRONT

Até aqui temos visto, quer pelos dados da realidade, quer julgamentos de valor sobre a ação do Governo, como os nossos grandes problemas permanecem. As intervenções que lhes deveriam atingir o âmago apenas os tangenciaram. Há, no entanto, alguns elementos novos nos quadros brasileiro e nordestino. São “fatores de complicação” que precisam ser considerados.

O primeiro e mais importante deles é, sem dúvida, a crise energética mundial. A súbita consciência da finitude do petróleo e a política de valorização seguida pelos países exportadores desencadearam uma série de conseqüências nos países importadores, sobretudo naqueles em vias de desenvolvimento. Por um lado, acelerando o processo inflacionário, provocaram medidas de contenção que atingem mais profundamente as regiões de economia mais frágil. Determinaram cortes em investimentos prioritários, abrindo a porta para o arbítrio na escolha dessas prioridades. Por outro lado, valorizaram-nos como fornecedores nacionais de óleo e abriram espaços para a nossa participação na busca de fontes alternativas de energia. Neste quadro insere-se a importância que passou a ter a economia canavieira, o álcool por ela produzido, e seus derivados, substitutos dos produtos petroquímicos, bem como as culturas nativas da mamona e do dendê.

Mesmo de forma indireta, é digno de nota o impacto do encarecimento do petróleo sobre as opções de investimentos a nível internacional. Em países onde a energia elétrica é de fonte térmica, torna-se quase inviável produzir aqueles bens em que tal insumo ocupa lugar de destaque. É isso que está na base do grande interesse recentemente demonstrado por companhias multinacionais em produzir alumínio no Brasil, com boas perspectivas para o Nordeste.

Outro elemento importante no novo quadro regional de possibilidades é o melhor conhecimento dos recursos naturais, não só desta como de outras partes do país. O exemplo da Serra dos Carajás é ilustrativo. A descoberta de jazidas minerais diversas no Sul do Pará e a circunstância de ser o Porto de Itaqui, no Maranhão, o melhor caminho para o seu escoamento, resultaram em todo um programa de valorização desta última área, inclusive a industrialização da bauxita, através de gigantesco projeto da ALCOA. O dimensionamento e a exploração da potassa de Sergipe e do Sal-gema de Alagoas são outros expressivos exemplos.

Ao mesmo tempo, o processo de industrialização, desbordando, como vimos, dos canais inicialmente traçados, e associado ao avanço dos transportes e das telecomunicações inter-regionais, trouxe no seu bolso nova configuração para as relações entre Nordeste e Sul-Sudeste. Há dois decênios éramos essencialmente exportadores de produtos primários, e nossa indústria restringia-se aos setores tradicionais de tecidos, óleos vegetais e produtos alimentares não-sofisticados, voltados para o próprio mercado da região. Todos os demais produtos industrializados vinham do Sul. Hoje, praticamente cumprido o processo de “substituição de importações regionais”, fabricamos aqui a maior parte dos nossos bens de consumo duráveis, antes trazidos de fora. Além disso, alguns ramos industriais nordestinos servem ao mercado nacional e internacional. O relativo isolamento do parque manufatureiro nordestino não existe mais. A vinculação dos dois subsistemas econômicos brasileiros passou a ser feita crescentemente pelas compras de equipamentos e de insumos, para cujo fornecimento o Nordeste depende do resto do país, sobretudo do Sudeste, em 60% e 36%, respectivamente. Em termos de importações totais, tomando como exemplo o ano de 1976, só 14% procederam do exterior, cabendo 86% às outras regiões brasileiras e 71% exclusivamente ao Estado de São Paulo. 4, p. 5

 Se tomarmos como referencial teórico a doutrina da “dependência”, aplicada às relações entre países prósperos e atrasados, veremos que um modelo como o de A. G. Frank pode contribuir para esclarecer a posição do Nordeste “periférico” em relação ao “centro” desenvolvido do sistema. Segundo Frank, a base da dominação exercida pelos países “centrais” sobre os outros repousa no controle de determinada atividade, que se vais deslocando, ao longo do tempo. Assim, ainda no tempo da colonização, o jugo das metrópoles sobre a economia das suas colônias iniciou-se pelo monopólio do comércio, passando em seguida ao da indústria. Com a industrialização limitada das antigas colônias, já convertidas em nações do Terceiro Mundo, a base da dominação desloca-se para a indústria de bens de capital, tendendo finalmente a situar-se no terreno da tecnologia. Pois bem, podemos dizer, com alguma simplificação, que a base das nossas relações com o Sul-Sudeste deslocou-se do segundo para o terceiro estágio, ao cabo destes vinte anos.

Cumpre-se examinar também as transformações ocorridas no quadro institucional brasileiro, do maior significado para a formulação e execução de políticas econômicas. Com efeito, deve ser lembrado que, ao tempo do GTDN, não havia sequer um plano nacional de desenvolvimento, a não ser que consideremos como tal o Plano de Metas do Presidente Juscelino. O Plano Trienal surgiu apenas no fim de 1962. O Plano Diretor de Desenvolvimento do Nordeste emergia, assim, como uma entidade autônoma, a nível de uma região, sem exigências de compatibilidade com qualquer outro documento, em escala nacional. E o Superintendente da SUDENE, órgão executor do Plano, reportava-se diretamente ao Presidente da República.

Não precisamos alongar-nos muito na análise das profundas diferenças entre uma tal situação e a que prevalece hoje. A SUDENE está subordinada ao Ministério do Interior, que engloba vários outros organismos de ação regional e setorial, descaracterizando-se como entidade planejadora. E o antigo Ministério, agora Secretaria de Planejamento da Presidência da República, estruturou-se independentemente, elaborando sucessivos Planos Nacionais, onde o capítulo das proposições de interesse regional tem sido uma peça incômoda, cada vez mais difícil de encaixar.

Ainda ao nível das superestruturas, a observação das mudanças no sistema de planejamento leva-nos a examinar também a natureza do próprio sistema de poder. Fazemo-lo encorajados pelo fato de podermos estabelecer um paralelo entre a fase de distensão atualmente vivida e a atmosfera dos anos 50, que procedeu a criação da SUDENE. Note-se que a tomada de consciência sobre o problema do Nordeste, pelo Governo brasileiro, foi antecedida e acompanhada por movimentos cívicos, num dos momentos democráticos mais estimulantes da nossa história republicana: os anos JK. Ao longo das administrações que se sucederam após 1964, assistimos ao progressivo esvaziamento da SUDENE, à pulverização dos incentivos, ao descaso pela distribuição espacial da riqueza, à política de concentração de inversões nas áreas de mais rápida resposta. Ocorreu mesmo uma coincidência entre o momento crítico da centralização do poder e o de mais duras perdas para o Nordeste. O que se constata agora, no entanto, graças ao processo de abertura instaurado pelo Governo, é o restabelecimento gradual das condições de livre participação popular no debate político, permitindo ao poder público captar as aspirações individuais e regionais e assim balizar a sua ação. A nossa expectativa, neste caso, é de atingirmos clima semelhante ao que deu ao GTDN o seu poder de interlocução e de convencimento. 

 

  1. ALGUMAS REVISÕES INEVITÁVEIS

  

A avaliação do desempenho das políticas econômicas adotadas em relação ao Nordeste e seu impacto sobre a nossa realidade, bem como a constatação dos problemas que permanecem e das situações novas criadas por fatores supervenientes conduzem necessariamente a algumas revisões conceituais. Procuraremos fazê-lo criteriosamente, imbuídos das pré-condições indispensáveis ao trabalho teórico em ciência social: modéstia, sinceridade de propósitos e rejeição dos preconceitos. Nossa intenção é propor questões à reflexão das lideranças políticas, empresariais, de trabalhadores e estudantes, na esperança de instrumentá-las para suas opções e posicionamentos.

A primeira revisão diz respeito a compreensão da própria atividade de planejamento e das suas limitações. Nos primeiros tempos, em que planejar constituía ainda uma idéia nova nas áreas de Governo, houve a tendência de atribuir ao planejador poderes superiores às suas forças. Na verdade, o planejamento, compreendido como técnica a serviço da política, pouco ou nada pode sozinho. A pré-existência – e subsistência – de uma vontade política que assegure a implementação das ações recomendadas no Plano é condição indispensável a qualquer efeito sobre a realidade. Frequentemente, as principais inconsistências verificadas ao nível dos próprios Planos – entre o diagnóstico e as proposições, ou entre estas e os instrumentos de ação – já decorrem de insuficiente respaldo político para a realização das transformações desejadas. Isso explica, entre muitos outros casos, a distância, acentuada ao longo do tempo, entre os postulados do documento do GTDN e dos primeiros Planos Diretores da SUDENE e os meios postos à disposição desta para as intervenções requeridas. E meios débeis ou incoerentes são incapazes de viabilizar qualquer projeto.

Há ainda outra deficiência a proclamar nesse terreno, esta da responsabilidade dos próprios planejadores: a despreocupação com a “administração do desenvolvimento”. Em outras palavras, com os modelos e princípios gerenciais indispensáveis à conversão das metas do Plano em realidade. Cremos mesmo que a ineficiência da máquina administrativa governamental é problema tão sério quanto os entraves à função planejadora. E pouco se tem feito para superá-lo.

A segunda revisão é talvez mais profunda e dolorosa. Implica o abandono de um sonho longamente acalentado, em toda a América Latina, e também aqui: o da indústria como solução para o problema do emprego. A própria CEPAL, que lançou, nos primeiros tempos, a “palavra de ordem” da industrialização neste pedaço do mundo, ao deslocar sua ênfase para a questão da distribuição de renda, reconheceu, implicitamente, as limitações da atividade fabril como empregadora, nos países subdesenvolvidos. Na verdade, ao longo desses anos, a expansão da indústria nesses países não foi capaz, sequer, de gerar novos empregos para os filhos dos seus empregados. Assim, cumpre-nos procurar a solução para o problema do emprego, urbano ou rural, em outras áreas, e não alimentar mais ilusões. O que não quer dizer, ressalve-se, que a industrialização deixe de ser prioritária, e mesmo indispensável, por muitas outras razões. Embora com o esgotamento da fase “substitutiva de importações”, ela deve prosseguir em nossa região, por novos caminhos, a seguir apontados.

A terceira revisão parece ainda mais delicada, por envolver tema de forte tempero político e emocional. Com efeito, é preciso, ao mesmo tempo, coragem, isenção de ânimo e humildade para reconhecer que a vaga tese de reforma agrária, como solução econômica (frise-se) para o campo nordestino, é hoje difícil sustentação. Não questionamos aqui os fundamentos éticos de uma divisão da terra, da mesma forma que lembramos a sua difícil viabilização política, num quadro de economia liberal, como a nossa. Desejamos apenas chamar a atenção para o fato de que a produtividade agrícola não aumentará com o simples fracionamento das propriedades, ou a sua transferência de mãos. Os problemas agrários não comportam soluções simplórias, como o evidenciam vários exemplos internacionais, dos mais heterogêneos, como o da União Soviética, o do México e mais recentemente o do Camboja.

Tomemos a situação de cada uma das tradicionais zonas fisiográficas nordestinas. No sertão semi-árido, em que a exploração predominante deve continuar sendo, ainda com mais ênfase, a pecuária extensiva e o cultivo de xerófilas, como já preconizava o GTDN, o padrão de imóvel rural não será, certamente, a pequena unidade doméstica. É exatamente a lavoura de subsistência, concentradora de mão-de-obra, que, pela sua alta vulnerabilidade à seca, deve desaparecer, ou reduzir-se substancialmente. No Agreste, com maior tradição de culturas alimentares, a estrutura predominante já é o minifúndio. Na Zona da Mata, finalmente, a agricultura de exportação, do tipo plantation, parece fadada a permanecer, pelos fortes estímulos nacionais e internacionais de mercado com que conta, na atual conjuntura. Resta a opção de desenvolvê-la através de empresas privadas ou de cooperativas como a de Tiriri, em Pernambuco, a ser examinada caso a caso.

Aliás, é tempo de repensar-se a obstinada diretriz de diversificação agrícola em nossa Faixa Úmida. Sendo zona de alta densidade populacional, e não menor índice de desemprego, as alternativas de uso de mão-de-obra inferior ao da cana-de-açúcar ficam, de logo, comprometidas. Situam-se aí, em princípio, salvo circunstâncias muito especiais, os casos da pecuária, da seringueira e do cacau. Restam as hipóteses da hortifruticultura e das culturas alimentares, com todas as ressalvas e restrições que lhes podem ser feitas, quanto aos aspectos de perecibilidade, difícil comercialização, rentabilidade inferior à exploração tradicional, concorrência com outras zonas, como o Agreste e os “brejos de altitude”, de maior vocação policultora. Para tranqüilidade dos que se preocupam com a oferta de gêneros para os grandes centros urbanos, lembre-se, no entanto, que uma pequena área, valorizada pela irrigação ou pela mecanização, cultivando alimentos em condições de alta produtividade, pode abastecer regiões inteiras, como o demonstram os domésticos exemplos do feijão de Irecê e da cebola do São Francisco.

Finalmente, há que trazer-se à reflexão dos homens de boa vontade um tema não abordado pelo GTDN, e ainda hoje bloqueado pelos escudos do preconceito e da desconfiança: o da explosão populacional. No entanto, a grande dificuldade em fixar metas e índices econômicos que elevem, no tempo, os padrões de vida das massas nordestinas reside justamente no seu desordenado crescimento. É preciso, portanto, inserir, de uma vez, na órbita das preocupações dos planejadores e no corpo dos Planos, o equacionamento desse problema, quer o denominemos de controle de natalidade, planejamento familiar, prevenção da gravidez de alto risco ou qualquer outro rótulo eufemístico que se lhe aplique. E não se diga que, ao invés disso, devemos oferecer a todos o acesso aos bens da vida. Tal afirmação faz supor, como observa Mário Henrique Simonsen, a incapacidade de raciocinar com funções de duas variáveis. Na verdade, precisamos cuidar das duas coisas, e há fortes razões para isso, como procuraremos demonstrar, resumidamente.

O primeiro argumento, que situaríamos no plano filosófico, decorre do próprio avanço que a ciência vem permitindo no campo do controle da mortalidade. Em todo o mundo, e mesmo nos países em desenvolvimento, as taxas de mortalidade tem caído, a expectativa de vida vem-se elevando. Isso representa, de alguma forma, um limitado controle sobre uma das forças naturais: a da decadência dos tecidos e da morte. Parece absurdo, e tendente ao desequilíbrio, renunciar o homem, incondicionalmente, ao domínio da outra força contrária: a da reprodução e da vida. Seria esta, aliás, a única função vital condenada a permanecer para sempre fora do império da razão? Soma-se a este um outro argumento, já no campo ético. Por que nós, os “ricos e eruditos”, na franciscana expressão tão a gosto de Ariano Suassuna, que praticamos o planejamento familiar e temos apenas os filhos que queremos ter, negamos tal direito e os meios e informação para exercê-lo aos “pobres de Deus”?

O segundo argumento pode ser encontrado no terreno da teoria econômica mais pura. Numa região em que os fatores capital e recursos naturais são escassos e o trabalho, abundante, e, como tal, remunerado a preços vis, pelo excesso de oferta, permitir o seu crescimento é contribuir para aviltá-lo ainda mais. É também dar aos detentores do fator capital, como disse recentemente o embaixador Roberto Campos, um prêmio adicional pela escassez. Pelo livre jogo das forças de mercado, o trabalho só será valorizado quando não estiver mais sobrando nas prateleiras, como agora.

Mas há também, e sobretudo, razões sociais e políticas para preocupação nessa área. Como vimos ao longo deste documento, não há mais grandes esperanças na indústria como fonte de emprego, tampouco na agricultura da maior parte das terras já exploradas, e o deslocamento de populações para novas terras é tarefa penosa, lenta, e de efeitos limitados. O que resta fazer, portanto, para não assistir passivamente à eternização do fenômeno do subemprego, ainda quando o Nordeste estiver prosperando em muitos outros aspectos, é procurar reduzir a massa que, daqui a vinte anos, estará batendo às portas das fábricas, ou mendigando pelas estradas. Com a circunstância agravante de esses infelizes conterrâneos, antes mesmo de se apresentarem como braços á procura de trabalho, terão corpos para vestir e abrigar, e bocas para alimentar, exigindo assim que o Estado, o grande responsável, encontre recursos para assisti-los, se não preferir resignar-se ao papel de espectador da miséria.

 

  1. VELHOS E NOVOS CAMINHOS A SEGUIR

  

                Embora este modesto trabalho não se pretenda constituir em plano de salvação para o Nordeste, seria inaceitável que, após tão compenetrado esforço de revisão, não fossem apresentadas sugestões de rumos a seguir, como conseqüência mesma das análises feitas. Aí vamos nós, portanto, com a humildade de quem recomeça.

A primeira afirmação é, sem dúvida, em favor da continuidade do esforço de industrialização. A crise mundial de petróleo e o melhor conhecimento dos nossos próprios recursos minerais abriram novas estradas, por onde poderemos caminhar de novo a passos largos, sem limitações de mercado. O próprio petróleo, na Bahia, a potassa de Sergipe, o sal-gema de Alagoas, o álcool de Pernambuco e da Paraíba, o sal Marinho do Rio Grande do Norte, o urânio do Ceará, para dar apenas alguns exemplos, podem gerar, e já estão gerando, em vários casos, grandes complexos, para múltiplos processamentos. Ao lado disso, há os ramos industriais “intensivos em trabalho’’, voltado para abastecer o mercado nacional e internacional – afinal, a nossa mão-de-obra é ainda mais barata do mundo”. Finalmente, lembramo-nos das agroindústrias, tradicionais ou recentes, como as do caju, sisal, óleos vegetais, sucos de frutas, etc. Não se deve esquecer que não há melhor estímulo para a modernização da agricultura do que a demanda sólida e estável criada por uma indústria para seus produtos.

Para isso, no entanto, é preciso manter os incentivos, fortalecer o FINOR. Com todas as limitações desse mecanismo, já tão esmiuçadas, não se poderá condená-lo enquanto os recursos para o seu funcionamento estiverem sabidamente abaixo as necessidades. Quando se anuncia que seu orçamento, já fixado inicialmente muito aquém dos valores comprometidos com projetos aprovados ou em andamento, foi elevado de Cr$ 16 bilhões para Cr$ 32 bilhões, de um ano para outro, num quadro de inflação superior a 100%, está-se, na verdade declarando a redução real das suas disponibilidades. E se não há opções de empresas declarantes do Imposto de Renda em montante suficiente, que sejam extintas as outras alternativas de aplicação. Numa palavra, o que se propõe é a eliminação gradual dos incentivos setoriais, e a restauração como instrumento exclusivo de distribuição espacial do desenvolvimento.

Na agricultura, em razão das muitas dificuldades analisadas, a ênfase deve ser na irrigação, em grande ou pequena escala, dependendo de tratar-se de vazios demográficos ou de zonas densamente povoadas. Ao lado disso, persistir na ‘’agricultura de sequeiro’’ nas áreas não irrigáveis do semi-árido, e retorno a idéia das novas frentes de colonização, na periferia da região ou fora dela. No caso da Zona da Mota, o melhor a fazer parece ser consolidar a economia canavieira, aumentando-lhe a produtividade a assegurando-lhe mercados industriais estáveis, além das tradicionais, através da álcool-química e da sucro-química. Integrada e próspera, ela terminará por empregar e remunerar melhor a sua mão-de-obra, questão crucial em todo o sistema. Sem excluir, naturalmente, que seja implantado, onde convier, o modelo de administração cooperativa adotado com êxito nas usinas pernambucanas de Mussurepe e Serro Azul.

Apesar do muito que foi realizado em infra-estrutura, no Nordeste, essa não é, ainda, área que inspire despreocupação. Com efeito, as constantes dificuldades enfrentadas pelas usinas de açúcar no inverno, á falta de estradas vicinais, e os riscos de carência futura de energia com o atraso nas obras da hidrelétrica de Itaparica apontam alguns dos caminhos que devem ser seguidos, ao continuarmos investindo no setor. Outros exemplos poderiam ser apresentados.

É preciso, além disso, que seja adotada uma política de inspiração eminentemente social, voltada para as populações de baixa renda e ocupação instável, compreendendo incentivos ao turismo e ao artesanato, e um programa de assistência, em que se inclui a orientação para o planejamento familiar. Na realização dos serviços públicos urbanos,, deve ser contida a tendência à mecanização e à automação, mantendo-se o princípio do maior uso possível do trabalho humano. Algo precisa ser feito, afinal, ainda que limitadamente pelos marginalizados da civilização industrial do mundo subdesenvolvido.

                No terreno das políticas macroeconômicas nacionais cumpre-nos impor o princípio do tratamento diferenciado ao Nordeste, em todos as decisões e medidas tomadas pelo Governo Federal, como forma de proteger a região de economia mais débil, e evitar o aprofundamento do fosso que a separa da outra. Alguma coisa já foi conseguida nessa linha, de que são exemplos o diferencial nas taxas de crédito rural e a redução da alíquota de ICM nas operações interestaduais no sentido sul-norte. No entanto, após conquistada a adoção sistemática do princípio,, é preciso aprofundar o grau da diferenciação, até o nível necessário para a compensação da nossa fragilidade. E não se alegue que, em época de recessão nacional, não se pode conceder favores. Historicamente, o Nordeste tem respondido rapidamente aos estímulos para crescer, e o faz criando solicitações que estimulam,, por sua vez, a economia do Sul-Sudeste. Além do que, o nosso peso na economia nacional é desprezível. Com exceção dos dados populacionais, em que nos situamos ao nível de 30%, todos os indicadores de atividade econômica nos mostram representando não mais que 10% do país. Não podemos esperar,, pois, pelos bons tempos, para receber migalhas que são na verdade, tardias compensações por perdas suportadas ao longo dos anos, em benefício do centro desenvolvido da nação.

                Corolário do princípio do tratamento diferenciado é o princípio da regionalização das políticas públicas, dos Planos Nacionais de desenvolvimento e dos gastos orçamentários. Já ninguém discute que conceber o planejamento regional como ação isolada do planejamento nacional é atitude superada pelo tempo. Como vimos,, data da época em que o planejamento nacional não contava ainda com um arcabouço formal. Agora, situar o desenvolvimento regional como um capítulo separado das demais áreas de intervenção é criar um monstrengo, que se debate e se choca, permanentemente, com as estruturas executivas, todas setorizadas. Ao invés disso, cumpre desdobrar regionalmente as estratégias de ação do poder público, inclusive das suas empresas e entidades da administração indireta, permitindo assim a inserção do enfoque espacial do desenvolvimento em toda a atividade econômica do Governo. E a nossa participação nos planos de investimento deve ser definida de maneira proporcional ao peso da nossa população, ou seja, 30% do Brasil. A própria criação de órgãos com atribuições regionais deve ser vista com reserva, na medida em que induz a desobrigação dos seus correspondentes, de âmbito nacional, em relação àquela parte do país.

                Finalmente, e como um arremate a este documento, queremos lembrar a importância da ação política conseqüente, coesa e bem orientada das lideranças nordestinas. Representando, como se viu, 10% ou menos do potencial econômico do país, valemos muito mais como força política. Mais ainda do que valemos como população, mercê das peculiaridades da federação brasileira. E essa força não deve ser disputada, como freqüentemente ocorre, com manifestações divergentes a cada nova medida de política econômica anunciada pela SUDENE, ou por outros órgãos federais. Devemos, ao contrário, multiplicá-la, e usá-la como principal arma na conquista de redenção do nosso povo. O desenvolvimento do Nordeste beneficiará a todos, já não há nem mesmo lugar para as reservas e desconfianças que cercaram os primeiros anos da SUDENE. Há, no entanto,, condições de mobilização popular e de política semelhantes às que caracterizam os tempos do GTDN. Acima dos partidos e das ideologias, tendo a redenção do Nordeste como bandeira comum, a batalha deve prosseguir.

                Se houvermos contribuído, de alguma forma para a mobilização de forças necessária a essa campanha, teremos atingido o objetivo deste trabalho. 

 

 

Referência Bibliográfica:

 

 

CAVALCANTE, Jorge & ROSAS, Clemente. Nordeste 1981. Revista Pernambucana de Desenvolvimento, Recife, Jun. 1981. p. 1-43 Número especial.

 

 

CDU 338.92(812/814) PER-CONDEPE

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