A penitência dos nordestinos
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Luis Manoel Siqueira
24/02/2019
Numa tarde, fazendo compras na pequena mercearia do Distrito de Campo dos Cavalos em Juazeiro da Bahia, um daqueles adolescentes que eu conhecia tirou a camiseta por descuido. Então eu vi as suas costas lanhadas de cicatrizes e queloides de cima a baixo. Perguntei o que era aquilo, mas ele não me respondeu. Depois que saiu da mercearia, os presentes me contaram: ele é um dos penitentes da Semana Santa. Sim, eles ainda hoje se martirizam encapuzados com navalhas em pontas de chicotes golpeando as costas pelas estradas. Sim, é uma coisa medieval.
Acontece entre o Rio Salitre e seu desaguadouro, o Rio São Francisco, palco de uma pujante e sofisticada agricultura irrigada, onde insumos e tecnologias importadas põe uvas, mangas e espumantes nas prateleiras dos melhores supermercados da Europa. Esse mesmo Rio Salitre também possui milhares de hectares com solos imprestáveis devido à plantação de cebola pelo método de inundação (mesopotâmico), com sulfato de amônia: salinização esterilizante. Sim, a região tem um aeroporto internacional em Petrolina. Também um grande polo médico (para quem pode pagar).
O Rio salitre, desde o tempo de Frei Martinho de Nantes, capuchinho francês, que no Século XVII, assistiu a uma hecatombe de índios perseguidos pela poderosa Casa da Torre, ainda hoje tem conflitos por água. Conheci pessoas que morreram linchadas: briga por controle de água nas fuças do Rio São Francisco!
Os penitentes de Juazeiro convivem com a ufanista “Califórnia nordestina” muito bem. Vi um vizinho perder um filho com calazar pois o haviam entregado a um pai de santo para fazer “trabalhos” para curá-lo. Depois de muitas ovelhas vendidas, gado, poupança, o curandeiro o devolveu à família. Que o levou ao Hospital Regional para morrer na porta.
E agora pregam que Israel salvará o Nordeste de suas mazelas, da seca? Então salvará os penitentes do Salitre, os que padecem no paraíso, de preguiça, de indolência, os pobres de espírito que moram na beira do rio, mas que não sabem entrar num acordo para usar a água que possuem.
Frei Martinho deve ter compreendido muita coisa em suas pelejas. Como é difícil mudar, tanto a cabeça dos índios, como a dos donos da Casa da Torre — os Dias D’Ávila de hoje. Eis a tarefa — a única: mudar a cabeça das pessoas! Mas certamente não será com ideologia de gênero, nem com os discursos batidos dos Sem Terra que já ocupam grande parte da região.
Nem com o Bolivarianismo petista, o ódio de classes. Nem com professorinhas que perguntam se a pista do Brasil até Portugal possui muitos buracos. Ou as que ensinam inglês aos banguelos de costas lanhadas, preocupados em pagar pelos pecados do mundo.
Tecnologia eles já possuem nos celulares coreanos. No avião que passa, no mesmo horário, seguindo para Brasília. Faltam-lhes uma cabeça sintonizada com o século XXI. Um pouco de consciência crítica. Senso de cidadania.
E quando leio que o governo recentemente eleito acaba de escolher para seu líder no Senado o Fernando Bezerra Coelho, um dos filhos da velha oligarquia da região do Sub-médio São Francisco, a mesma que, há bem pouco, controlava o Ministério das Minas e Energia, eu me volto para os mortos de Mariana, Brumadinho, da hecatombe do Salitre — quantos penitentes? E mesmo contrariando a minha formação de cristão reformado, eu lhe rogo, Frei Martinho de Nantes: incomode as hostes celestes, e nos livre dessa Casa da Torre!
Luis Manoel Siqueira
COMENTÁRIOS
José do Patrocínio Tomaz Albuquerque – Hidrogeólogo e Consultor
Prezados amigos
Encaminho este artigo de autoria de um colega geólogo, brilhante escritor (tem livros publicados), filho de um outro geólogo, o Dr. Luís Siqueira, da primeira turma da UFPE, que criou os primeiros critérios de aproveitamento mais seguro de água no nosso Cristalino nordestino. A propósito, é de sua autoria (o pai) o projeto de, ao lado do poço, instalar uma caixa d'água de alvenaria que captava água de chuva e que, ao encher, via cano ladrão, recarregava o que ele denominou, muito apropriadamente, de riacho-fenda. Foi uma solução inteligente, na medida em que, sabemos todos, a dificuldade de recarga deste sistema de zonas aquíferas, feita via escoamento superficial do riacho (se não chove, não há recarga, pois o Cristalino é, regional e em vizinhanças do riacho, impermeável), dimensionalmente e hidraulicamente, limitadas, não repõe o consumo dado pela vazão do poço. A determinação desta vazão, também foi objeto de preocupação do Siqueira pai, introduzindo no teste de produção a duração mínima de 24 horas, entre outros cuidados hidrogeológicos. Antes, davam como vazão destes poços a obtida com, apenas, 1 hora de duração, sem levar em conta que existe uma evolução da curva de bombeamento até que se obtenha uma vazão, mais ou menos, estabilizada (o ramo final da curva tende a um paralelismo com o eixo dos tempos). Sim, porque esta seria a zona mais produtora do riacho fenda. Mas, como a hidrogeologia clássica não penetra nos contextos de rochas cristalinas como o faz nos aquíferos sedimentares, livres, confinados e semi-confinados, existe, sempre, a expectativa de que o reservatório fendilhado venha a entrar em colapso. Por esta razão, a vocação hidrogeológica do Cristalino nordestino é muito restrita em termos, quantitativos e qualitativos, de uso seguro. Não há como assegurar uma vida de projeto de abastecimento humano de pequenas cidades ou povoados por um tempo definido de 10, 20, 30 anos. De repente, o poço falha. E isso tem acontecido. Mas, ainda assim, vale perfurar poços para isso, de forma a assegurar, na época da seca, o suprimento hídrico humano e do gado no meio rural. O poço ficaria em situação de "stand by", para ser usado quando os reservatórios superficiais que abastecem as glebas do Semiárido, sem terem capacidade de regularizar vazões 100% seguras, secassem. É isso que não entendem os autores do tal projeto de dessalinização de águas de poços no Cristalino, cujas vazões, após o processo de retirada de sais, sofrem uma redução considerável destas vazões, às vezes superior aos 50%. Há muito dinheiro enterrado no Cristalino nordestino, sem retorno econômico e social equivalente ao investimento. Isto desde os anos 1910 do século passado. E querem enterrar mais! A solução segura de tudo isto, existe: a capilarização de adutoras de reservatórios com vazão de regularização segura para todas as aglomerações humanas significativas e uso dos pequenos e médios açudes na correção das irregularidades climáticas (veranicos), com a prática da irrigação complementada na época das chuvas. É a lição da Natureza que não querem ver com o xerofitismo instalado na estação normal de estiagem. Usam as águas para irrigar neste período quando a evapotranspiração triplica ou, em certos casos, até quintuplica o consumo de nossos recursos hídricos. Depois dizem que á a seca!
Forte abraço a todos,
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