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ECOLOGIA, ECONOMIA E POLÍTICA

Publicado: Sexta, 05 de Abril de 2019, 16h45 | Última atualização em Sexta, 05 de Abril de 2019, 16h45 | Acessos: 834

Seminário Pré Sinodal

Roma – 25 a 27 de fevereiro de 2019.

 

Dom Evaristo Pascoal Spengler - Bispo da Prelazia do Marajó, Amazônia, Brasil.

 

Quero iniciar retomando as palavras do papa Francisco na Laudato Si: “A

ecologia estuda as relações entre os organismos vivos e o meio ambiente onde se

desenvolvem. E isso exige que se pare para pensar e discutir acerca das

condições de vida e de sobrevivência de uma sociedade, com a honestidade de

pôr em questão modelos de desenvolvimento, produção e consumo. Nunca é

demais insistir que tudo está interligado” (n. 138). É no âmbito deste paradigma

em que “tudo está interligado” que vou considerar a relação entre ecologia,

economia e política, visto que “a ecologia humana é inseparável da noção de

bem comum” (LS, 156).

 

  1. A política enredada nas malhas de uma “economia que mata”

“Essa economia mata”, afirma de maneira contundente o papa Francisco na

Evangelii Gaudium n. 53. Trata-se, de uma “economia da exclusão” (n. 53-54)

caracterizada pela “nova idolatria do dinheiro” (n. 55-56), criando uma situação

em que o “dinheiro governa em vez de servir” (n. 57-58) e “a desigualdade social

gera violência” (n. 59-60).

 

A economia é aquela atividade humana pela qual interagindo e utilizando

racionalmente dos bens e serviços naturais garantimos nossa sobrevivência,

abertos à comunidade de vida e às gerações futuras. O drama da economia atual é

que o sistema financeiro passou a ocupar todos os espaços. De uma economia de

mercado passamos para uma sociedade de mercado. Essa é a grande

transformação, das maiores e mais perigosas da história. Passamos de uma

sociedade com economia de mercado para uma sociedade dominada pelo mercado.Todas as atuais decisões políticas visam favorecer as demandas do

Mercado. Nesse contexto, tudo virou mercadoria, desde os bens naturais, as

relações humanas até as coisas mais sagradas da religião. De tudo se pode obter

lucro, tudo pode ser levado ao mercado, e no mercado tudo é negociável. Esse

tipo de economia, hoje mundializado, transformou o planeta Terra num grande

mercado. Nele tudo está à venda. A Terra vem sendo submetida a uma

exploração de todos os seus ecossistemas em função do enriquecimento de

alguns e do empobrecimento de bilhões de pessoas. Segundo relato da ONG

Oxfan 2019, 26 indivíduos possuem riqueza igual a 3,4 bilhões de pessoas.

Por exemplo, algo pensado no Brasil para preservação ambiental, o Cadastro

Ambiental Rural (CAR), também passou a ser usado para fins comerciais. O

chinês Lap Chang cadastrou um CAR sobre uma área de 58 mil hectares, no

Marajó, território da minha Prelazia, onde vivem povos tradicionais. Em função

disso, vendeu crédito de carbono para uma empresa inglesa, no valor de mais de

200 mil dólares.

 

Essa economia em que tudo virou mercado produz duas funestas injustiças.

Uma social, produzindo incomensurável pobreza e miséria; e outra, uma injustiça

ecológica, dizimando os bens e serviços naturais, muitos deles não renováveis.

 

Por esse motivo, tem razão o papa Francisco quando afirma de maneira precisa:

“Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e

complexa crise sócio-ambiental. As diretrizes para a solução requerem uma

abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos

excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza” (LS, 139).

 

De fato, a economia atualmente é dominada pela economia de acumulação

desenfreada e pelo mercado financeiro. Organizou-se de tal forma a economia

que beneficia os mais ricos em detrimento dos mais pobres. Na esteira da

doutrina social da Igreja somos desafiados a buscar uma política de participação

de todos e para todos, e também para com a natureza. A ecopolítica tem por

escopo organizar a sociedade e a distribuição do poder de forma a implementar

estratégias de sustentabilidade para garantir a todos o suficiente e o decente para viver. Isso supõe pensar a política, no sentido dos documentos sociais da Igreja,

como a busca comum do bem comum. Contudo é necessário incluir nesse bem

comum não apenas os seres humanos, mas toda a comunidade de vida.

 

Declarando que “o atual sistema mundial é insustentável” (n. 202), o papa

Francisco, por 35 vezes na Laudato Si, conclama para “novos estilos de vida” (n.

163; 194 passim) e novas formas de consumo de sobriedade compartilhada. É

necessário e urgente a construção de um paradigma de desenvolvimento

alternativo ao atual modelo hegemônico. Trata-se de conversão do atual modelo

de desenvolvimento global. O modelo alternativo de desenvolvimento global

deverá considerar o meio ambiente como um bem coletivo, a defesa do trabalho e

dos povos originários, entre eles os indígenas da Amazônia, o papel dos

movimentos sociais e das organizações da sociedade civil.

 

Sem negar os avanços da tecnociência na melhoria das condições de vida e do

bem-estar das pessoas, não podemos nos deixar dominar e ser controlados por

ela. A ciência, a tecnologia, assim como a economia, deve estar a serviço da vida,

e não impor o ritmo à vida.

 

  1. Ecologia, economia e política na região amazônica brasileira

Desde o período da invasão dos ibéricos a região amazônica se encontra

à mercê de políticas coloniais. Entre os séculos XVI-XIX, o colonialismo

extrativista teve fortes incidências sobre povos autóctones e bens naturais

mediante uma injusta expropriação. E nos séculos posteriores, com os Estados

modernos, práticas e mentalidades colonialistas continuam mediante a

exploração de populações, culturas e territórios dessa imensa região. Há séculos,

distintas formas de exploração da Amazônia vêm sendo produzidas e, para a

fatalidade das suas populações, todas elas com interesses colonizadores que se

manifestam mediante dois expedientes: exploração de sua população e redução

da região a mera reserva de “recursos” naturais, como território a ser

conquistado, explorado e comercializado para a obtenção de lucros.

 

A Amazônia já resistiu a grandes projetos, de monocultivos e de

ocupação. Falando do Brasil, em 1926 Henry Ford comprou 3 milhões de

hectares de terra ao longo do rio Tapajós, contratou mais de 3.000 operários,

derrubou a mata e plantou 70 milhões de mudas de seringueira para extrair

borracha. Um fungo invisível, com enorme capacidade de multiplicação fez

fracassar o projeto. O monocultivo, mesmo sendo de uma espécie amazônica, foi

rejeitado pela floresta. Em 1967 Daniel Keith Ludwig montou um projeto

milionário junto ao rio Jari, numa área de 3,6 milhões de hectares para produção

de celulose com espécies de outras regiões, e agropecuária. A floresta resistiu e

novamente um fungo foi responsável pelo fracasso de 22 empresas envolvidas no

projeto. Em 1975 a volkswagen desmatou 55.000 hectares usando bombas de

napalm e desfolhantes químicos. Teve grandes prejuízos e abandonou o projeto.

 

A natureza amazônica resistiu e resiste incansavelmente. A prepotência humana

teve que curvar-se e humilhar-se muitas vezes à grandeza e à força do bioma

amazônico. Contudo hoje os ataques são mais graves, porque os ataques são

muitos, simultâneos, de muitas frentes e com grandes tecnologias. São

megaprojetos de mineração, energia, petróleo, agricultura, pecuária, madeireiras,

infra-estrutura, como hidrovias, rodovias, ferrovias e portos. São projetos de

governos e de grandes conglomerados econômicos e de diversos países.

 

Trata-se a Amazônia como se fosse o celeiro do mundo, onde se pode

retirar ou produzir o que quiser. Isso não é verdade. A Amazônia é um bioma

frágil que tem seus próprios mecanismos internos de sobrevivência e resistência.

 

Outros consideram ainda a Amazônia como o pulmão do mundo, como se fosse

uma grande fábrica de oxigênio. Na verdade, a floresta é um grande equilíbrio

dinâmico, no qual tudo é aproveitado e continuamente reciclado. O oxigênio que

ela produz, ela mesmo consome. Mas ela funciona como um grande filtro que

absorve dióxido de carbono, o principal gás do efeito estufa, um dos fatores

responsáveis pelo aquecimento global e das mudanças climáticas. Caso a floresta

seja derrubada, seriam liberados para a atmosfera cerca de 50 bilhões de

toneladas de carbono por ano, que a floresta em pé mantém sequestrados. A

derrubada provocaria uma dizimação em massa. Outro fator é que a floresta é importante para o equilíbrio da umidade e das chuvas, que sustentam a própria

floresta. A floresta sustenta a chuva e a chuva sustenta a floresta. Além disso

exporta umidade, via aérea, para outros biomas.

 

Vigoram hoje na Amazônia dois modelos de desenvolvimento. Um é

predatório, da extração de madeira, da mineração, do petróleo e energia, da

pecuária, do monocultivo, que tem como consequências o desmatamento (20%

da floresta já está desmatada), concentração de renda, trabalho escravo,

envenenamentos do solo e das águas, diminuição das chuvas (nas áreas

desmatadas a estação seca se prolonga num ritmo de seis dias a cada dez anos),

conflitos de ocupação com a expulsão dos povos da floresta, desrespeito às leis,

morte de lideranças, ambientalistas e agentes de pastoral. O outro modelo é o

sócio-ambiental, ecológico, direcionado aos povos da floresta. Tem como

consequência a redistribuição de renda, a preservação da floresta e da

biodiversidade, a socialização da terra e dos recursos, a distribuição de renda, a

preservação de populações tradicionais, a fixação do “homem” na floresta, e um

mercado promissor de frutas, cocos, artesanatos, polpas, fitoterápicos, óleos,

castanhas, ecoturismo, entre outros. Este modelo deve ser fortalecido pelos

nossos projetos pastorais. Ainda é um desafio estudar e conhecer toda a

biodiversidade e o bioma amazônico. Bem dizia Chico Mendes, o mártir por

defender a floresta, assassinado em 22 de dezembro de 1988: “a floresta em pé é

mais produtiva do que a floresta tombada”. Ou, como diziam os seringueiros da

Amazônia, e tantas vezes repetiu a Ir. Dorothy Stang, também mártir, assassinada

em 12 de fevereiro de 2005 por defender os povos da floresta: “a morte da

floresta é o fim da nossa vida”.

 

Para o modelo predatório, a Amazônia tem tudo o que o mercado precisa

para manter um crescimento linear e constante, e tudo em abundância:

biodiversidade, terras, água, floresta, petróleo, madeira, minérios, fontes de

energia, que são de fácil acesso. E é assim que ouvimos falar da Amazônia como

a última fronteira do agronegócio e da mineração. Essa economia predatória não

poupa nem as pessoas. Tráfico de pessoas, exploração de mão de obra infantil,

exploração sexual, são comuns na Amazônia. A economia transforma em mercadoria não apenas os corpos, mas explora e manipula sentimentos, sonhos,

desejos, e a confiança das pessoas, seduzidas por falsas e enganosas promessas.

 

Aqui, Vossa Eminência Cardeal Baldisseri, eu abro um parêntesis para dizer que

trago um apelo de parte da Igreja da Amazônia, que junto com diversas

organizações da sociedade civil organizada atuam na promoção e defesa dos

direitos de crianças e adolescentes. Eles solicitam ao Sínodo para a Amazônia um

olhar especial e misericordioso para a problemática da violência sexual contra

crianças e adolescentes, sobretudo nas áreas dos grandes projetos econômicos

presentes na região.

 

A Amazônia não precisa ser conquistada, nem desbravada, precisa ser

respeitada. O sistema amazônico não funciona nos moldes de competição,

funciona nos moldes de cooperação, como todo o sistema Terra. A questão não

está em conquistar a Amazônia, mas em conviver com a Amazônia. A política

deveria estar a serviço da boa convivência social e da boa convencia ambiental,

mas ela prefere estar a serviço da economia. Podemos aprender das populações

tradicionais da Amazônia. Há vestígios de presença humana na Amazônia há

pelo menos 12.000 anos. Populações tradicionais desenvolveram grandes e

complexas sociedades. Em períodos mais recentes chegaram outros habitantes,

que também foram acolhidos pela floresta. Os povos da floresta não são ingênuos

nem ignorantes. Como seres humanos eles interagiram com o seu meio. Têm

uma sabedoria, uma cultura, convivem com a floresta, interferem na floresta,

vivem da floresta e das águas. Povos tradicionais e floresta se condicionam

mutuamente, criaram relações e desenvolveram uma florestania, numa teia

intrincada de reciprocidade, intercâmbio e cumplicidade. Isso também é política,

ou melhor, eco-política, eco-logia e eco-nomia. Eco do grego oikos lar, casa,

como insiste o Papa Francisco, “nossa casa comum”. Os povos da floresta, a

veem como algo vivo, um sujeito, parte da comunidade que deve ser respeitada.

Ao contrário, a Cultura Ocidental Moderna, vê na floresta e no imenso território

apenas um objeto, algo a ser conquistado, manipulado, transformado em matéria

prima para ser explorada, negociada, consumida, usada e descartada.

 

Já não podemos confiar na política vigente. Ela é submissa e serviçal ao

grande capital e aos megaprojetos para a Amazônia. Faz isso sem ética e sem

escrúpulos. Já não podemos confiar na economia de mercado. Ela é insaciável e

transforma tudo em mercadoria. Talvez tenhamos que ouvir mais a ciência,

porque hoje são os cientistas que nos advertem sobre os riscos que corremos,

inclusive de autodestruição, em consequência desse modelo de uma economia

predatória.

 

Mas antes dos cientistas, pela fé, cada cristão é convidado a assumir a

defesa da casa comum, porque reconhece tudo como criatura de Deus. Há oito

séculos São Francisco de Assis cantava louvores a Deus, sentindo-se irmão de

toda natureza criada. Louva a Deus pela Terra, “Irmã e Mãe, que nos sustenta e

governa”. Essa percepção está em profunda comunhão com a cosmovisão de

povos originários da América, que chamam a terra de “Pachamama”, a grande

mãe.

 

As florestas são um fator importante na terra, para o equilíbrio dos

climas, temperatura e das condições favoráveis à vida, entre elas a vida humana.

As florestas refrescam a terra. Os cientistas dizem que a Terra precisa conservar

pelo menos 50% de suas florestas nativas para manter o clima e o ambiente

favorável à vida humana. As florestas estão ameaçadas. Hoje só restam

preservadas 22% das florestas; menos da metade do que o postulado como

necessário. A Amazônia representa 1\3 de todas as florestas que ainda existem.

Daí a importância da Amazônia. É urgente respeitá-la, preservá-la e cuidá-la.

 

Conclusão: a utopia vencerá

 

A compreensão da Terra como Casa Comum deveria oferecer a base para

políticas globais de controle do aquecimento global, das mudanças climáticas, da

preservação das florestas, do cuidado da casa comum e o limite para a economia

de mercado. Tenho suspeitas de que nem os economistas globais, nem os

políticos nacionais serão capazes de fazer isso. Mas tenho certeza que os povos

da floresta, os povos originários, com a proposta do “bem-viver” e as

comunidades dos discípulos de Jesus, com a proposta do Reino de Deus, junto com outros aliados que sabem que a Amazônia é criação de Deus, serão capazes.

 

Isso pode parecer um sonho, mas são os sonhos que alimentam as utopias. Nós

sonhamos com a utopia do Reino anunciado por Jesus. Como diz uma canção de

nossas Comunidades:

 

“Sonho que se sonha só, pode ser pura ilusão.

Sonho que se sonha juntos, é sinal de solução.

Então, vamos sonhar, companheiros, sonhar ligeiro, sonhar em mutirão”.

 

Paz e Bem! Obrigado!

 

Referências Bibliográficas

 

 Francisco, Papa. Carta Encíclica Laudato Si, sobre o cuidado da casa

comum. São Paulo, Paulus, 2015.

 Boff, Leonardo. A Grande Transformação, na economia, na política e na

ecologia. Petrópolis, Vozes, 2013.

 Boff, Leonardo. Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. Rio de

Janeiro, Sextante, 2004.

 Pillon, José Joaquim. Amazônia, último paraíso terrestre. Rondônia, 2002.

 Pantoja, Carlos Augusto. Carta sobre Créditos de Carbono. Belém, 6 de

novembro de 2018, inédito.

 Lovelock, James. A vingança de Gaia. Rio de Janeiro, Intrínseca, 2006.

 Nobre, Carlos; A Amazônia se aproxima do ponto de ruptura, entrevista,

2019; (https://www.nationalgeographicbrasil.com/entrevista/2019/01/entrevista-

carlos-nobre-clima-amazonia-bolsonaro-governo)

 Moreira, Alberto da Silva; O tráfico humano e seu enfrentamento, um

desafio radical às igrejas e ao cristianismo; in: Refúgio, Migrações e

Cidadania, Caderno de Dabates 11, IMDH, UNHCR ACNUR, 2016

 

Sobre o assunto

Pastoral Ambiental

http://www.suassuna.net.br/2019/03/pastoral-ambiental-missao-fundamental.html

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