ECOLOGIA, ECONOMIA E POLÍTICA
Seminário Pré Sinodal
Roma – 25 a 27 de fevereiro de 2019.
Dom Evaristo Pascoal Spengler - Bispo da Prelazia do Marajó, Amazônia, Brasil.
Quero iniciar retomando as palavras do papa Francisco na Laudato Si: “A
ecologia estuda as relações entre os organismos vivos e o meio ambiente onde se
desenvolvem. E isso exige que se pare para pensar e discutir acerca das
condições de vida e de sobrevivência de uma sociedade, com a honestidade de
pôr em questão modelos de desenvolvimento, produção e consumo. Nunca é
demais insistir que tudo está interligado” (n. 138). É no âmbito deste paradigma
em que “tudo está interligado” que vou considerar a relação entre ecologia,
economia e política, visto que “a ecologia humana é inseparável da noção de
bem comum” (LS, 156).
- A política enredada nas malhas de uma “economia que mata”
“Essa economia mata”, afirma de maneira contundente o papa Francisco na
Evangelii Gaudium n. 53. Trata-se, de uma “economia da exclusão” (n. 53-54)
caracterizada pela “nova idolatria do dinheiro” (n. 55-56), criando uma situação
em que o “dinheiro governa em vez de servir” (n. 57-58) e “a desigualdade social
gera violência” (n. 59-60).
A economia é aquela atividade humana pela qual interagindo e utilizando
racionalmente dos bens e serviços naturais garantimos nossa sobrevivência,
abertos à comunidade de vida e às gerações futuras. O drama da economia atual é
que o sistema financeiro passou a ocupar todos os espaços. De uma economia de
mercado passamos para uma sociedade de mercado. Essa é a grande
transformação, das maiores e mais perigosas da história. Passamos de uma
sociedade com economia de mercado para uma sociedade dominada pelo mercado.Todas as atuais decisões políticas visam favorecer as demandas do
Mercado. Nesse contexto, tudo virou mercadoria, desde os bens naturais, as
relações humanas até as coisas mais sagradas da religião. De tudo se pode obter
lucro, tudo pode ser levado ao mercado, e no mercado tudo é negociável. Esse
tipo de economia, hoje mundializado, transformou o planeta Terra num grande
mercado. Nele tudo está à venda. A Terra vem sendo submetida a uma
exploração de todos os seus ecossistemas em função do enriquecimento de
alguns e do empobrecimento de bilhões de pessoas. Segundo relato da ONG
Oxfan 2019, 26 indivíduos possuem riqueza igual a 3,4 bilhões de pessoas.
Por exemplo, algo pensado no Brasil para preservação ambiental, o Cadastro
Ambiental Rural (CAR), também passou a ser usado para fins comerciais. O
chinês Lap Chang cadastrou um CAR sobre uma área de 58 mil hectares, no
Marajó, território da minha Prelazia, onde vivem povos tradicionais. Em função
disso, vendeu crédito de carbono para uma empresa inglesa, no valor de mais de
200 mil dólares.
Essa economia em que tudo virou mercado produz duas funestas injustiças.
Uma social, produzindo incomensurável pobreza e miséria; e outra, uma injustiça
ecológica, dizimando os bens e serviços naturais, muitos deles não renováveis.
Por esse motivo, tem razão o papa Francisco quando afirma de maneira precisa:
“Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e
complexa crise sócio-ambiental. As diretrizes para a solução requerem uma
abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos
excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza” (LS, 139).
De fato, a economia atualmente é dominada pela economia de acumulação
desenfreada e pelo mercado financeiro. Organizou-se de tal forma a economia
que beneficia os mais ricos em detrimento dos mais pobres. Na esteira da
doutrina social da Igreja somos desafiados a buscar uma política de participação
de todos e para todos, e também para com a natureza. A ecopolítica tem por
escopo organizar a sociedade e a distribuição do poder de forma a implementar
estratégias de sustentabilidade para garantir a todos o suficiente e o decente para viver. Isso supõe pensar a política, no sentido dos documentos sociais da Igreja,
como a busca comum do bem comum. Contudo é necessário incluir nesse bem
comum não apenas os seres humanos, mas toda a comunidade de vida.
Declarando que “o atual sistema mundial é insustentável” (n. 202), o papa
Francisco, por 35 vezes na Laudato Si, conclama para “novos estilos de vida” (n.
163; 194 passim) e novas formas de consumo de sobriedade compartilhada. É
necessário e urgente a construção de um paradigma de desenvolvimento
alternativo ao atual modelo hegemônico. Trata-se de conversão do atual modelo
de desenvolvimento global. O modelo alternativo de desenvolvimento global
deverá considerar o meio ambiente como um bem coletivo, a defesa do trabalho e
dos povos originários, entre eles os indígenas da Amazônia, o papel dos
movimentos sociais e das organizações da sociedade civil.
Sem negar os avanços da tecnociência na melhoria das condições de vida e do
bem-estar das pessoas, não podemos nos deixar dominar e ser controlados por
ela. A ciência, a tecnologia, assim como a economia, deve estar a serviço da vida,
e não impor o ritmo à vida.
- Ecologia, economia e política na região amazônica brasileira
Desde o período da invasão dos ibéricos a região amazônica se encontra
à mercê de políticas coloniais. Entre os séculos XVI-XIX, o colonialismo
extrativista teve fortes incidências sobre povos autóctones e bens naturais
mediante uma injusta expropriação. E nos séculos posteriores, com os Estados
modernos, práticas e mentalidades colonialistas continuam mediante a
exploração de populações, culturas e territórios dessa imensa região. Há séculos,
distintas formas de exploração da Amazônia vêm sendo produzidas e, para a
fatalidade das suas populações, todas elas com interesses colonizadores que se
manifestam mediante dois expedientes: exploração de sua população e redução
da região a mera reserva de “recursos” naturais, como território a ser
conquistado, explorado e comercializado para a obtenção de lucros.
A Amazônia já resistiu a grandes projetos, de monocultivos e de
ocupação. Falando do Brasil, em 1926 Henry Ford comprou 3 milhões de
hectares de terra ao longo do rio Tapajós, contratou mais de 3.000 operários,
derrubou a mata e plantou 70 milhões de mudas de seringueira para extrair
borracha. Um fungo invisível, com enorme capacidade de multiplicação fez
fracassar o projeto. O monocultivo, mesmo sendo de uma espécie amazônica, foi
rejeitado pela floresta. Em 1967 Daniel Keith Ludwig montou um projeto
milionário junto ao rio Jari, numa área de 3,6 milhões de hectares para produção
de celulose com espécies de outras regiões, e agropecuária. A floresta resistiu e
novamente um fungo foi responsável pelo fracasso de 22 empresas envolvidas no
projeto. Em 1975 a volkswagen desmatou 55.000 hectares usando bombas de
napalm e desfolhantes químicos. Teve grandes prejuízos e abandonou o projeto.
A natureza amazônica resistiu e resiste incansavelmente. A prepotência humana
teve que curvar-se e humilhar-se muitas vezes à grandeza e à força do bioma
amazônico. Contudo hoje os ataques são mais graves, porque os ataques são
muitos, simultâneos, de muitas frentes e com grandes tecnologias. São
megaprojetos de mineração, energia, petróleo, agricultura, pecuária, madeireiras,
infra-estrutura, como hidrovias, rodovias, ferrovias e portos. São projetos de
governos e de grandes conglomerados econômicos e de diversos países.
Trata-se a Amazônia como se fosse o celeiro do mundo, onde se pode
retirar ou produzir o que quiser. Isso não é verdade. A Amazônia é um bioma
frágil que tem seus próprios mecanismos internos de sobrevivência e resistência.
Outros consideram ainda a Amazônia como o pulmão do mundo, como se fosse
uma grande fábrica de oxigênio. Na verdade, a floresta é um grande equilíbrio
dinâmico, no qual tudo é aproveitado e continuamente reciclado. O oxigênio que
ela produz, ela mesmo consome. Mas ela funciona como um grande filtro que
absorve dióxido de carbono, o principal gás do efeito estufa, um dos fatores
responsáveis pelo aquecimento global e das mudanças climáticas. Caso a floresta
seja derrubada, seriam liberados para a atmosfera cerca de 50 bilhões de
toneladas de carbono por ano, que a floresta em pé mantém sequestrados. A
derrubada provocaria uma dizimação em massa. Outro fator é que a floresta é importante para o equilíbrio da umidade e das chuvas, que sustentam a própria
floresta. A floresta sustenta a chuva e a chuva sustenta a floresta. Além disso
exporta umidade, via aérea, para outros biomas.
Vigoram hoje na Amazônia dois modelos de desenvolvimento. Um é
predatório, da extração de madeira, da mineração, do petróleo e energia, da
pecuária, do monocultivo, que tem como consequências o desmatamento (20%
da floresta já está desmatada), concentração de renda, trabalho escravo,
envenenamentos do solo e das águas, diminuição das chuvas (nas áreas
desmatadas a estação seca se prolonga num ritmo de seis dias a cada dez anos),
conflitos de ocupação com a expulsão dos povos da floresta, desrespeito às leis,
morte de lideranças, ambientalistas e agentes de pastoral. O outro modelo é o
sócio-ambiental, ecológico, direcionado aos povos da floresta. Tem como
consequência a redistribuição de renda, a preservação da floresta e da
biodiversidade, a socialização da terra e dos recursos, a distribuição de renda, a
preservação de populações tradicionais, a fixação do “homem” na floresta, e um
mercado promissor de frutas, cocos, artesanatos, polpas, fitoterápicos, óleos,
castanhas, ecoturismo, entre outros. Este modelo deve ser fortalecido pelos
nossos projetos pastorais. Ainda é um desafio estudar e conhecer toda a
biodiversidade e o bioma amazônico. Bem dizia Chico Mendes, o mártir por
defender a floresta, assassinado em 22 de dezembro de 1988: “a floresta em pé é
mais produtiva do que a floresta tombada”. Ou, como diziam os seringueiros da
Amazônia, e tantas vezes repetiu a Ir. Dorothy Stang, também mártir, assassinada
em 12 de fevereiro de 2005 por defender os povos da floresta: “a morte da
floresta é o fim da nossa vida”.
Para o modelo predatório, a Amazônia tem tudo o que o mercado precisa
para manter um crescimento linear e constante, e tudo em abundância:
biodiversidade, terras, água, floresta, petróleo, madeira, minérios, fontes de
energia, que são de fácil acesso. E é assim que ouvimos falar da Amazônia como
a última fronteira do agronegócio e da mineração. Essa economia predatória não
poupa nem as pessoas. Tráfico de pessoas, exploração de mão de obra infantil,
exploração sexual, são comuns na Amazônia. A economia transforma em mercadoria não apenas os corpos, mas explora e manipula sentimentos, sonhos,
desejos, e a confiança das pessoas, seduzidas por falsas e enganosas promessas.
Aqui, Vossa Eminência Cardeal Baldisseri, eu abro um parêntesis para dizer que
trago um apelo de parte da Igreja da Amazônia, que junto com diversas
organizações da sociedade civil organizada atuam na promoção e defesa dos
direitos de crianças e adolescentes. Eles solicitam ao Sínodo para a Amazônia um
olhar especial e misericordioso para a problemática da violência sexual contra
crianças e adolescentes, sobretudo nas áreas dos grandes projetos econômicos
presentes na região.
A Amazônia não precisa ser conquistada, nem desbravada, precisa ser
respeitada. O sistema amazônico não funciona nos moldes de competição,
funciona nos moldes de cooperação, como todo o sistema Terra. A questão não
está em conquistar a Amazônia, mas em conviver com a Amazônia. A política
deveria estar a serviço da boa convivência social e da boa convencia ambiental,
mas ela prefere estar a serviço da economia. Podemos aprender das populações
tradicionais da Amazônia. Há vestígios de presença humana na Amazônia há
pelo menos 12.000 anos. Populações tradicionais desenvolveram grandes e
complexas sociedades. Em períodos mais recentes chegaram outros habitantes,
que também foram acolhidos pela floresta. Os povos da floresta não são ingênuos
nem ignorantes. Como seres humanos eles interagiram com o seu meio. Têm
uma sabedoria, uma cultura, convivem com a floresta, interferem na floresta,
vivem da floresta e das águas. Povos tradicionais e floresta se condicionam
mutuamente, criaram relações e desenvolveram uma florestania, numa teia
intrincada de reciprocidade, intercâmbio e cumplicidade. Isso também é política,
ou melhor, eco-política, eco-logia e eco-nomia. Eco do grego oikos lar, casa,
como insiste o Papa Francisco, “nossa casa comum”. Os povos da floresta, a
veem como algo vivo, um sujeito, parte da comunidade que deve ser respeitada.
Ao contrário, a Cultura Ocidental Moderna, vê na floresta e no imenso território
apenas um objeto, algo a ser conquistado, manipulado, transformado em matéria
prima para ser explorada, negociada, consumida, usada e descartada.
Já não podemos confiar na política vigente. Ela é submissa e serviçal ao
grande capital e aos megaprojetos para a Amazônia. Faz isso sem ética e sem
escrúpulos. Já não podemos confiar na economia de mercado. Ela é insaciável e
transforma tudo em mercadoria. Talvez tenhamos que ouvir mais a ciência,
porque hoje são os cientistas que nos advertem sobre os riscos que corremos,
inclusive de autodestruição, em consequência desse modelo de uma economia
predatória.
Mas antes dos cientistas, pela fé, cada cristão é convidado a assumir a
defesa da casa comum, porque reconhece tudo como criatura de Deus. Há oito
séculos São Francisco de Assis cantava louvores a Deus, sentindo-se irmão de
toda natureza criada. Louva a Deus pela Terra, “Irmã e Mãe, que nos sustenta e
governa”. Essa percepção está em profunda comunhão com a cosmovisão de
povos originários da América, que chamam a terra de “Pachamama”, a grande
mãe.
As florestas são um fator importante na terra, para o equilíbrio dos
climas, temperatura e das condições favoráveis à vida, entre elas a vida humana.
As florestas refrescam a terra. Os cientistas dizem que a Terra precisa conservar
pelo menos 50% de suas florestas nativas para manter o clima e o ambiente
favorável à vida humana. As florestas estão ameaçadas. Hoje só restam
preservadas 22% das florestas; menos da metade do que o postulado como
necessário. A Amazônia representa 1\3 de todas as florestas que ainda existem.
Daí a importância da Amazônia. É urgente respeitá-la, preservá-la e cuidá-la.
Conclusão: a utopia vencerá
A compreensão da Terra como Casa Comum deveria oferecer a base para
políticas globais de controle do aquecimento global, das mudanças climáticas, da
preservação das florestas, do cuidado da casa comum e o limite para a economia
de mercado. Tenho suspeitas de que nem os economistas globais, nem os
políticos nacionais serão capazes de fazer isso. Mas tenho certeza que os povos
da floresta, os povos originários, com a proposta do “bem-viver” e as
comunidades dos discípulos de Jesus, com a proposta do Reino de Deus, junto com outros aliados que sabem que a Amazônia é criação de Deus, serão capazes.
Isso pode parecer um sonho, mas são os sonhos que alimentam as utopias. Nós
sonhamos com a utopia do Reino anunciado por Jesus. Como diz uma canção de
nossas Comunidades:
“Sonho que se sonha só, pode ser pura ilusão.
Sonho que se sonha juntos, é sinal de solução.
Então, vamos sonhar, companheiros, sonhar ligeiro, sonhar em mutirão”.
Paz e Bem! Obrigado!
Referências Bibliográficas
Francisco, Papa. Carta Encíclica Laudato Si, sobre o cuidado da casa
comum. São Paulo, Paulus, 2015.
Boff, Leonardo. A Grande Transformação, na economia, na política e na
ecologia. Petrópolis, Vozes, 2013.
Boff, Leonardo. Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. Rio de
Janeiro, Sextante, 2004.
Pillon, José Joaquim. Amazônia, último paraíso terrestre. Rondônia, 2002.
Pantoja, Carlos Augusto. Carta sobre Créditos de Carbono. Belém, 6 de
novembro de 2018, inédito.
Lovelock, James. A vingança de Gaia. Rio de Janeiro, Intrínseca, 2006.
Nobre, Carlos; A Amazônia se aproxima do ponto de ruptura, entrevista,
2019; (https://www.nationalgeographicbrasil.com/entrevista/2019/01/entrevista-
carlos-nobre-clima-amazonia-bolsonaro-governo)
Moreira, Alberto da Silva; O tráfico humano e seu enfrentamento, um
desafio radical às igrejas e ao cristianismo; in: Refúgio, Migrações e
Cidadania, Caderno de Dabates 11, IMDH, UNHCR ACNUR, 2016
Sobre o assunto
Pastoral Ambiental
http://www.suassuna.net.br/2019/03/pastoral-ambiental-missao-fundamental.html
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