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Sem proteção das nascentes, não haverá Pantanal

Publicado: Quarta, 13 de Outubro de 2021, 13h54 | Última atualização em Quarta, 13 de Outubro de 2021, 13h54 | Acessos: 123

Proteção das nascentes é caminho imprescindível para a manutenção do bioma e de toda a pujança da vida que ele sustenta.

Por Luciano Candisani *

08/10/2021

Foto: Luciano Candisani

A água molda a paisagem e controla a vida na maior planície inundável do planeta. O Pantanal pode ser imensidão líquida ou seca. De uma estação a outra, da estiagem às chuvas, seus campos ressequidos se transmutam em florestas submersas densas, coloridas e habitadas por miríades de peixes. Depois voltam a secar, numa dinâmica perene que é a essência desse incomparável espaço natural.

Em seus deslocamentos e permanências, a água – vinda sobretudo dos planaltos ao redor – alimenta no terreno sedimentar da planície habitats com características peculiares. Rios, corixos, vazantes, lagoas, baías, salinas e campos inundados constituem algumas das principais feições geográficas oriundas da gênese aquática do Pantanal. Qual o aspecto dessas paisagens? Que tipo de vida suas águas escondem? De onde vêm as águas?

Essa curiosidade por esses corpos d'água, surgida aos 15 anos de idade, em minha primeira viagem ao Pantanal, me levaria, mais tarde, a voltar numerosas vezes à região com o objetivo único de fotografar as suas águas misteriosas. Nos últimos 10 anos passei centenas de horas submerso nos domínios de jacarés, sucuris, piranhas e ariranhas, sempre a poucos centímetros de distância dessas criaturas. E sempre com o objetivo de produzir uma narrativa visual capaz de contribuir para a formação de uma identidade visual das águas formadoras do Pantanal.

As imagens do ensaio, que acabam de chegar a público no livro Terra d'água Pantanal, mostram a pujança da vida sustentada pelas águas no bioma no momento em que estudos científicos quantificam alterações alarmantes no regime hídrico na região. Desde o início da série histórica de observações, iniciada nos anos 90, o MapBiomas constatou uma perda de mais da metade da superfície de água no Pantanal.

Os números são contundentes e os efeitos, em campo, muito palpáveis para quem vive ou viaja pela região: áreas antes navegáveis de rios caudalosos, como o Paraguai, estão interrompidas por bancos de areia devido ao baixíssimo nível da água. O fenômeno vem de uma combinação de causas bem conhecidas, todas de origem antrópica, e boa parte delas em curso fora da área da planície pantaneira.

Vale destacar que as nascentes dos principais rios fornecedores de água para o Pantanal, como o Paraguai e seus afluentes, estão localizadas nas terras altas ao redor, no Cerrado, o bioma conhecido por abrigar a origem de grandes bacias hidrográficas do Brasil. Porém, também não é novidade a vulnerabilidade dessas nascentes frente ao avanço da agropecuária e grandes plantações de grãos para a exportação, que respondem por uma ampla destruição do Cerrado, que cobria 25% do território nacional e hoje está restrito a poucas ilhas de vegetação original protegidas, a duras penas, em unidades de conservação.

A imagem é nítida: vastas áreas de plantações mecanizadas entremeadas por tripas de floresta ao longo dos rios para atender à legislação. Parece muito pouco e, pior, em muitos casos nem mesmo a legislação é cumprida e pastagens e plantações avançam até a água. O Rio da Prata, no afluente do Miranda, por exemplo, teve os brejos nos seus trechos originais drenados para a expansão de lavouras.

"Menos floresta, menos água brotando do chão e mais sedimento carregado pelas chuvas e que vai parar nos rios. Os efeitos desse processo são devastadores, especialmente nas planícies a jusante do sistema".

Esse mecanismo destruiu o Rio Taquari, um dos principais rios pantaneiros. O desmatamento de suas cabeceiras, provocado pela expansão agropecuária desordenada nos anos de 1970, acelerou o processo natural de assoreamento do rio, levando ao extravasamento de suas águas por centenas de quilômetros de campos adjacentes. Florestas, pastagens produtivas e fazendas inteiras ficaram permanentemente inundadas, num dos maiores desastres socioambientais da história do Brasil. A maior parte dos habitantes teve que abandonar suas terras. Alguns poucos ainda lutam para salvar o que restou. O produtor Ruivaldo personifica a luta desses homens, verdadeiros refugiados ambientais. Ele vaga em sua canoa por um paliteiro de árvores sem vida onde antes havia pastagens naturais, capões de mata e animais circulando.

Estive nas terras de Ruivaldo, no auge da seca deste ano. Na varanda da sua casa, localizada nos pouco mais de 500 hectares que ficaram fora da inundação permanente do Taquari, ele me relatou a sua grande preocupação com o avanço das queimadas devastadoras na região. Uma vítima das águas agora com medo da seca extrema e do fogo que ela alimenta. Isso dá a dimensão dos problemas enfrentados pelo Pantanal na atualidade. É um bioma ainda bem original e conservado, mas vulnerável a muitas ameaças, sobretudo as que vêm de fora. Ficam muito claras as conexões na natureza. É tudo uma coisa só. Não dá para pensar em conservação por compartimentos.

Não por acaso, o livro Terra d'água Pantanal tem na capa a fotografia da nascente do Rio Olho D'água. Bem protegido nos limites de uma reserva, no planalto da Bodoquena, esse rio cristalino, a um só tempo, simboliza a origem da água da grande planície alagável e indica um caminho imprescindível para a manutenção da nossa incomparável Terra D'água: a proteção das nascentes, sem as quais não haverá Pantanal.

Luciano Candisani é fotógrafo da National Geographic, produz há duas décadas narrativas fotográficas que interpretam culturas tradicionais e ecossistemas ao redor do mundo. Seus trabalhos, premiados no Brasil e exterior, aparecem também em museus e galerias de arte e em sete livros fotográficos. Terra d'água Pantanal, publicado pela editora Vento Leste, é seu trabalho mais recente.

Fonte:

José Truda Palazzo Jr. - Ambientalista

 

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