A potencialidade do Nordeste Brasileiro
Prefácio do livro de Manoel Bomfim Ribeiro
Abril de 2007
PREFÁCIO
- W Bautista Vidal
O Nordeste brasileiro ocupa 1.600.000 km² do território nacional e tem incrustado em 62% da sua área, o Polígono das Secas que circunscreve isoietas abaixo de 800 mm de pluviosidade por ano.
O Nordeste localiza-se em região tropical, próxima ao equador, com radiação solar incidente quase vertical. É uma das regiões mais privilegiadas do planeta pela presença extensiva e concentrada do fluxo da mais poderosa fonte de energia, o Sol, reator a fusão nuclear natural. Esse fluxo de radiação solar, de dia, somente, equivale à energia de todas as fontes de petróleo descobertas na Terra. Podemos dizer, portanto que a energia que sustenta a civilização do petróleo é equivale à obtida em um dia de energia solar.
O potencial energético do Nordeste é extraordinário, de tal ordem que o seu solo precisa ser protegido da intensa radiação solar direta sobre ele incidente para manter-se produtivo.
Dispondo de água na região, a fotossíntese das plantas se encarrega de transformar essa incidência solar eletromagnética em energia química vegetal, a biomassa, de fácil uso, da qual se obtêm excelentes combustíveis substitutos de todos os derivados do petróleo - maior potência e limpos do ponto de vista ambiental, além de renováveis. Sua fonte de energia é o Sol, o que permite construir civilizações sustentáveis. A tecnologia brasileira domina sua produção e o seu uso. O Brasil é o único País do mundo que mantém um programa nacional de substituição de um derivado do petróleo: o Pró-Álcool.
O Polígono das Secas é a área de maior incidência das secas e estende-se por 882.000 km², é o Semi-Árido propriamente dito. Foi o Fundo Constitucional para o Desenvolvimento do Nordeste, em 1989, que deu esse nome. "Nele situam-se várias províncias florísticas que entremeiam essa grande área nordestina em diversas escalas botânicas, desde os remanescentes úmidos da Mata Atlântica até as essências vegetais hiper-xerófilas já no limiar das formações desérticas".
Este livro é uma análise profunda dessa região, elaborado pelo engenheiro Manoel Bomfim Ribeiro, visando o desenvolvimento das suas potencialidades. Ele objetiva fornecer ao brasileiro médio, especialmente ao nordestino, informações e peculiaridades importantes sobre a região, destacada do ponto de vista histórico, sócio político e estratégico, habitada por 42 milhões de brasileiros.
Sua predominância botânica é de vegetação chamada caatinga representada por 73% de plantas xerófilas, altamente resistentes a longos períodos estivais, em ajustamento fitológico único no mundo dos vegetais para condições adversas do meio, com cerca de 930 espécies vegetais já catalogadas.
É como se Bomfim estivesse redescobrindo um novo Semi-Árido, mais verdadeiro que o anterior, fundamentado em peculiaridades pouco conhecidas, algumas únicas em todo o planeta.
Diz-se que a causa única das secas na região é a crônica falta de chuvas. Não é. O grave fenômeno climático que se abate sobre o Semi-Árido e que causa as secas resulta de uma avassaladora evaporação. É o preço pela extraordinária incidência de energia solar na região. A evaporação ocorre, porém despercebida, somente identificada por seus dramáticos efeitos.
A média anual das precipitações pluviométricas há séculos e séculos no Semiárido, representou cerca de 600 bilhões de metros cúbicos de água, volume seis vezes superior à descarga anual do rio São Francisco no mar.
As chuvas, entretanto, são concentradas, ocorrem em um curto período de tempo, apenas 4 meses. São 40 a 50 dias de chuvas, propriamente, por ano. Ou seja, em média, tem-se por ano cerca de 300 dias de sol pleno, com fortíssima radiação eletromagnética vertical. A parte que incide sobre as superfícies líquidas provoca seu aquecimento e conseqüente evaporação.
Em 2.800 horas de sol por ano no Semi-Árido ocorre em média uma evaporação equivalente à de uma coluna de quase 3 metros de água. Em algumas circunstâncias pode chegar a 4 metros. Com a evaporação da água aumenta a concentração dos sais nela contidos, o que pode impedir o seu uso para vários fins. A insolação equatorial além de provocar intensa evaporação aumenta a velocidade dos ventos pelo aquecimento das moléculas do ar. Este vento seco irá, por sua vez, acelerar, mais ainda, a evaporação da água.
A energia solar intensa também provoca transpiração nas plantas com perda de umidade. No Semi-Árido, 1,0 m² de folha verde transpira cerca de 2 litros de água por dia.
Em uma avaliação conjunta, a evapotranspiração nas folhas e evaporação no Semi-Árido é 5 a 6 vezes superior às precipitações pela chuva, um processo natural em sentido oposto ao das chuvas. Um balanço hídrico, portanto, negativo, principal causador da hecatombe climática da região. Portanto, a causa principal das secas é a evaporação e não a falta de chuvas. "Se o quadro pudesse ser alterado para 180 dias de chuvas e 180 dias de sol, não teríamos secas no Semi-Árido, mesmo com precipitações de 600 mm/ano".
As precipitações pluviométricas anuais de Moscou, Paris, Berlim, entre outras cidades da Europa, são inferiores às do Semi-Árido e, no entanto não há secas. O clima é temperado, a insolação é baixa e a água não está exposta diretamente ao sol abrasador do Nordeste. Ou seja, a evaporação é reduzida. A chuva que cai não é devolvida para o espaço, pela evaporação.
Com insolação plena de 300 dias por ano, a evaporação da água chega a ser 10 mm/dia/ha, ou seja, 100 m³ de água por dia em cada hectare de espelho de água, número assombroso.
No lago de Sobradinho processa-se uma intensa evaporação de 200 a 250 m³ de água por segundo. Se esta água evaporada pudesse ser retida, seria suficiente para perenizar todos os rios secos do Nordeste. Estes 200 m³/s dariam para abastecer uma população de 200 milhões de pessoas, afirma Manoel Bomfim.
Há ainda um grande senso de oportunidade com este livro no momento em que o mundo entra em fase difícil com o colapso dos combustíveis fósseis, que movimentaram o mundo nos últimos duzentos anos, e que agora chega ao seu fim, especialmente, o petróleo. Todos sabem que a solução para este grave problema da humanidade virá dos combustíveis renováveis de origem vegetal das regiões tropicais que disponham de água em abundância. De surpreendente, o livro de Bomfim esclarece acerca da abundância de água no Semi-Árido, ponto de fundamental interesse, pois se pode mudar o enfoque principal que até hoje se deu á solução do problema.
Ao contrário do que se diz, Bomfim, com um grande conhecimento de causa, adquirido com valiosa experiência, demonstra que não falta água no Nordeste. Essa falta de água como causa principal da praga maldita da seca já foi devidamente equacionada pela ação do homem e permite olhar o futuro dessa região com mais otimismo e com enfoque fundamentalmente distinto ao que se tem sido dado até agora.
Isto evidencia que essa região, tão desconhecida neste crucial aspecto, pode ser vista como privilegiada produtora mundial de energia química renovável, graças à fotossíntese que converte a abundante energia solar da região em energia química da biomassa de modo prático, com o manejo adequado da água. Nunca houve na região uma estratégia que privilegiasse esse imenso potencial energético de origem solar, por meio da fotossíntese. O Nordeste além de imensa insolação dispõe de água acumulada nos açudes e águas subterrâneas de modo a poder ser um grande produtor de energia renovável, pela disponibilidade de água abundante. Isto ainda não foi politicamente evidenciado por falta de adequados conhecimentos. A causa das secas não é a falta de água e sim a falta de sua regulação no tempo e de uma adequada distribuição. Nunca houve na região uma estratégia para uso desse imenso potencial energético solar por meio da ação conjugada no tempo do uso da energia eletromagnética do sol acoplado com o uso da água existente.
Na realidade, o Nordeste é um enigma. Por um lado, apresenta-se como território de elevada força telúrica e riqueza natural energética solar indiscutível, desperdiçada, porém pelo não acoplamento com a água por meio da fotossíntese das plantas, transformando-os em energia química vegetal. Este desajuste acompanhado de uma evaporação gigantesca provoca as terríveis secas, principal causa da pobreza e da miséria do seu povo, em vez de ser fonte de riqueza e bem estar, o que sempre é possível com energia abundante, precisamente quando começa a falta de energia no mundo pelo fim da era dos combustíveis fósseis.
Na realidade, forma-se um círculo vicioso perverso de desperdiçar uma quantidade descomunal de energia eletromagnética solar - privilegio nordestino devido a sua localização geográfica e, ao mesmo tempo, permite que imensa quantidade de energia atue de modo inclemente sobre a matéria orgânica do solo, retirando-lhe fertilidade e provocando uma evaporação descomunal, onde quer que exista alguma umidade. Ou seja, um processo implacável natural em favor da formação de desertos improdutivos. Isto leva o seu povo à miséria, com todas as conseqüências que a seca provoca. Assim, a vulnerabilidade que a pobreza promove em seu povo, numa natureza dura, agressiva, muito rica em energia sob a forma direta de incidência solar, sem qualquer proteção do solo ou adequado aproveitamento econômico resultante do ajuste do sol com a água abundante. Cabe, entretanto ao homem superar esses desajustes. De certo modo, esse desequilíbrio temporal das águas que leva ao desespero o seu povo, pode ser superado pela ação do homem regulando as águas. É isto que Manoel Bomfim procura exemplificar, de modo indireto, em que foram identificadas peculiaridades que provocam ajustes naturais surpreendente.
É neste contexto que se situa este trabalho de Manoel Bomfim, profundo conhecedor da região, num tratamento amoroso, atávico com a terra. Por isso, tomou-se íntimo de seus segredos e da realidade natural.
Ao ser evidenciado essa realidade em larga e profícua experiência do homem com a terra nordestina, ficam identificados os ingredientes essenciais que permitem esses ajustes que se fundamentam nos recursos da natureza apoiados na ciência. Isto ajuda a criar condições para parodiar Euclydes da Cunha ao definir o nordestino brasileiro como um forte, aplicado ao homem e á natureza. Bomfim foi além ao reconhecer o território nordestino como uma região rica, portentosa quando conhecida em seus principais segredos naturais. Este é o principal objetivo deste livro. Ao contrário das mistificações que tanto dificultam o reconhecimento real das circunstâncias da região e que tantas vezes escondem sua natureza num enigma formado de aparências agressivas e duras para com o seu povo, como espinhos de um mandacaru que esconde o frescor de suas bolsas d’água, ou os bolsões de água nas raízes do umbuzeiro que assim garante a vida da planta por mais de um século. Esses bolsões de água permitem enfrentar as mais terríveis secas de modo exemplar, deixando a árvore incólume. Ou seja, garantindo-lhe a vida e permitindo o seu crescimento viçoso de modo a poder parodiar novamente Euclydes. As circunstâncias criam suas próprias resistências e sua afirmação de existência, tornando a natureza forte, capaz de enfrentar as adversidades circundantes.
Só um nativo com amor atávico pela sua terra e muitos anos de experiência vivida e a observação continuada, seria capaz de evidenciar os inúmeros segredos que inexistem em outras partes do mundo. Assim, os mistérios guardados como relíquias, vêem à luz. Vemos nisso a oportunidade deste livro, como importante realização, trazendo para o conhecimento de todos uma realidade conhecida por poucos, acerca os enormes potenciais de nossos recursos naturais no Semi-Árido e de suas conseqüências para o bem estar continuado do seu povo.
Por acidente de vida e competência profissional, Bomfim ocupou, durante longos anos funções públicas de larga abrangência em todo o Nordeste. Isto lhe permitiu ter acesso a importantes instrumentos de estudo e avaliação. "Isto ocorreu durante nove (9) anos como diretor regional do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS e depois como Diretor da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco" - CODEVASF, que cuida do desenvolvimento da conhecida região abrangida pelo" Velho Chico", que atravessa 56% do Semi-Árido brasileiro com papel muito importante na integração nacional.
Na CODEVASF, de certo modo, Bomfim pôde avaliar os resultados do que tinha identificado quando no DNOCS. O rio São Francisco como promotor das águas trazidas para o Semi-Árido, em grande parte de sua extensão.
O livro do Bomfim levanta o véu sobre questões fundamentais que chegam a caracterizarem-se como as principais do Semi-Árido, como a pouca disponibilidade de água. Isso, na sua análise não é verdade, tanto para as águas naturais, superficiais e subterrâneas, como para as águas armazenadas, pelo homem, nos açudes.
Existem no Nordeste, criados pelo homem, cerca de 70.000 açudes, de todos os tamanhos, alguns com capacidade de água superior as águas contidas na baia de Guanabara. O volume total de água desses açudes é avaliado em 37 bilhões de metros cúbicos, cerca de 15 vezes o volume de água contida na baia de Guanabara, a segunda baia do Brasil. A primeira em volume de água é a Baia de Todos os Santos, na Bahia.
Não pretendo neste prefácio sintetizar ou repetir a grande quantidade de preciosos dados levantados pelo autor. Todos eles estão no livro, além das suas valiosas circunstâncias, não raro surpreendentes. É preciso ler o livro. Vale a pena, para conhecermos um pouco acerca do enigmático Nordeste.
Sem dúvidas superar o colonialismo das mentes por meio do conhecimento analisado nas circunstâncias da realidade nordestina é um fato de grande significação. É a recusa da atitude colonial de grande parte de nossos dirigentes. É claro que a análise não é completa, mas o caminho buscado neste livro é o indicado. Muito trabalho precisa ainda ser feito para levar à evidência o que é prático e útil em nossa castigada região.
Sempre temos dito que uma das razões mais sérias de nosso atraso relativo deve-se ao colonialismo cultural e mental dos dirigentes que viveram tanto tempo sob a condição de colônia. Isto foi absorvido nos hábitos e nas mentes dos nossos dirigentes. Este grave fato histórico somente será superado pelo conhecimento do que somos, que reduz a dependência e evita a subserviência. Os homens de mente colonizada são aqueles que ignoram o seu espaço e o seu tempo, conforme conceito do grande filósofo espanhol José Ortega y Gasset "o homem colonizado é aquele que ignora o seu espaço e o seu tempo". Espaço no sentido de território, riquezas naturais e suas potencialidades. O homem colonizado não assume os potenciais do seu território, negando-lhe assim as riquezas naturais que, de direito lhes pertencem, transferem seus usos e transformações para o colonizador insaciável.
Eis, portanto, o que é preciso mudar, de modo radical neste Brasil dirigido por mentes colonizadas.
Ao mudar a atitude pelo conhecimento do que somos, muda o homem, muda sua relação com a terra e com a natureza de onde vêm todas as riquezas. Forma-se um novo homem, disposto a enfrentar os desafios para dar futuro aos seus filhos. Passa a ter crenças na realidade da natureza do País a que pertence e nas verdades da ciência. Ao acreditar na verdade da ciência, assume o compromisso do assumir o seu valor de uso. Assume a vontade política sustentada na verdade científica. Sem isto vira um descrente, um pusilânime sem crenças, o contrário de um cidadão responsável ante o seu povo.
O povo nordestino viveu a propaganda da seca que tanto beneficiou e beneficia as oligarquias regionais colonizadas, drenando recursos naturais em nome da pobreza da região, ignorando, todavia a sua riqueza e abundância energética solar. Uma região privilegiada, portanto, vivendo, porém a degradação das secas, que tanto beneficia as oligarquias locais ignorantes e coniventes, mas sendo beneficiada por isso com a conhecida "indústria da seca".
O Nordeste brasileiro é uma das regiões do planeta que detém sol e água abundantes, a dobradinha que dá solução energética ao colapso dos combustíveis fósseis líquidos. O seu equacionamento conjunto ainda está por ser feito. Falta a adequada distribuição da água no tempo, além de distribuição regional, espacial. O demais já foi feito. Não foram equacionados ainda os problemas de logística de distribuição dando conseqüências efetivas ao uso da água. O Nordeste brasileiro pode tornar-se uma das regiões mais prósperas do mundo se aproveitar a sua imensa riqueza energética renovável. É, porém uma tarefa que começa pelo uso produtivo das evidências levantadas por Manoel Bomfim. Os exemplos do peixe, da cabra, do umbuzeiro, do caju e do mel, ademais do uso daqueles fatores convergentes que dão a esses produtos excepcionais vantagens comparativas está ainda por ser feito. As premissas dessas circunstâncias são identificadas, como Bomfim fez nestes casos. Vale a pena conferir. O conhecimento da realidade local por meio da experiência e da ciência permitindo o desenvolvimento endógeno da região. Não existe desenvolvimento exógeno, soluções exógenas jamais funcionarão como mostram as frustradas experiências anteriores por causa da sua inadequação às peculiaridades da região e suas excepcionais condições naturais. Não há de onde copiar. As soluções terão de vir do conhecimento das características locais, como esses exemplos do livro de Manoel Bomfim evidenciam de modo claro.
Mãos à obra.
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