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A vida pela vida. A transposição do Rio São Francisco em debate, por Roberto Malvezzi (Gogó)

Publicado: Quinta, 13 de Junho de 2019, 11h16 | Última atualização em Quinta, 13 de Junho de 2019, 11h16 | Acessos: 341

A greve de fome do Frei Dom Luís Flávio Cappio, bispo diocesano de Barra, na Bahia, completava cinco dias na quinta-feira passada, quando IHU On-Line entrevistou um de seus colaboradores próximos, Roberto Malvezzi. Em Cabrobó, Pernambuco – região onde o governo Lula pretendeconstruir uma das tomadas de água para a transposição do Rio São Francisco –, em uma capela no Interior, Dom Luís espera uma reação. Com seu gesto extremo, o bispo pretende convencer o governo federal a rever a decisão de implantar o projeto de transposição.

O coordenador da Comissão Pastoral da Terra, Roberto Malvezzi, que mora na região, conversou ontem por telefone com a IHU On-Line sobre a situação do São Francisco, a luta de Dom Luís e a reação do governo a tudo isso. E lembrou: "Há meses ele pensava em tomar uma atitude mais séria. Não sabíamos qual."

Confira a seguir a íntegra da entrevista, publicada originalmente no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, na editoria Notícias Diárias, neste 30 de setembro.

 

http://www.ihuonline.unisinos.br/media/pdf/IHUOnlineEdicao158.pdf

 

03/10/2005

 

IHU On-Line – Qual é a situação do São Francisco hoje? E a das populações ribeirinhas?

Roberto Malvezzi – A situação do rio é de segregação total. É um rio que, hoje, tem apenas 5% de suas matas ciliares, que o protegem, que ficam em volta do São Francisco e são áreas de preservação ambiental permanente. É um rio assoreado, porque todas as areias e dejetos são carregados para dentro do rio. É um rio também contaminado porque todos os esgotos, praticamente 90% dos esgotos das cidades do Vale do São Francisco são despejados in natura. É um rio cortado por barragens, o que impactou a pesca e a agricultura tradicionais das ilhas e das vazantes. É ainda contaminado por garimpos e, sobretudo, é vítima de todo o processo de erosão dos solos por conta das monoculturas do agronegócio, instaladas principalmente no oeste baiano. Quem sofre o impacto é a população do São Francisco, que depende de seu rio. Mudou o regime das águas, o regime da fertilização dos solos, que não acontece mais por conta das barragens, mudou a abundância de peixes. Isso trouxe um transtorno permanente para uma população que não consegue mais achar o rumo de sua vida.

 

IHU On-Line – A CNBB publicou uma nota na quarta-feira em apoio a Dom Luís. Isso era esperado?

Roberto Malvezzi – Estive na quarta feira na CNBB, falando sobre o projeto de transposição e sobre Frei Luís.

Acredito que a atitude da CNBB tenha sido a mais sábia possível. Sabe que é um gesto extremado, mas o acolhe e o respeita. É uma atitude evangélica. Achei a carta perfeita, a mais adequada para um momento como este. IHU On-Line – O que é o projeto de transposição e qual a diferença para o projeto de revitalização proposto por Dom Luís? Roberto Malvezzi – Revitalização significa recuperar o rio, devolver vida ao São Francisco, tratar os esgotos, desassorear, retomar matas ciliares, recuperar sua fauna, sua flora e seus peixes para que não seja apenas um canal de água, mas um rio. É um processo caro e lento. Derruba-se uma árvore em 30 segundos. Plantá-las leva dez, 20, 30 anos, e muito dinheiro. Mas é inevitável e necessário, porque o processo chegou a esse ponto. Transposição é levar água de uma bacia hidrográfica para outra, para as bacias receptoras do nordeste setentrional. Esse processo também é caro, e em vários lugares do mundo houve problemas sérios. O desvio de águas do Rio Colorado, nos Estados Unidos, fez com que o rio secasse 100 km na sua foz, na área mexicana no rio. Houve experiências que deram certo. O problema não é que dê certo. O problema é que o semiárido como um todo precisa de um projeto de desenvolvimento completo e o governo, em vez de pensar nisso, fica mais preocupado em fazer uma obra como essa.

 

IHU On-Line – O que significa uma pessoa importante como Dom Luís tomar uma atitude extrema como essa?

Roberto Malvezzi – O que está acontecendo é o resultado da forma como o governo conduziu o processo até agora, de forma unilateral. Subestimou a população do São Francisco e ignorou a gravidade da situação do rio. Não houve diálogo com o governo. Nunca se abriu a possibilidade de discutir o caminho do semiárido. Diante da falta de diálogo com o governo, frei Luís radicalizou sua posição. O governo está entre o ruim e o péssimo. Ruim será recuar, tentar outro caminho agora. Péssimo será prosseguir. Isso porque frei Luís irá até o fim. Se ele vier a morrer, todo mundo sabe o que isso significa no imaginário popular do Nordeste.

 

IHU On-Line – E o que isso significa?

Roberto Malvezzi – No imaginário do Nordeste brasileiro, quando você começa uma obra ou algum projeto em cima da morte de uma pessoa respeitada ou até considerada santa pelo povo, o que vem na sequência é uma maldição. É preciso entender o imaginário do povo também.

 

IHU On-Line – A quais interesses serve o projeto de transposição?

Roberto Malvezzi – Serve aos interesses da oligarquia nordestina dos estados do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, das empreiteiras que vão fazer os canais, das corporações técnicas que estão assessorando estes projetos, dos irrigantes que querem produzir frutas com essa água e exportá-las e também aos criadores de camarão em cativeiro.

 

IHU On-Line – Esperava-se do governo Lula uma atitude assim?

Roberto Malvezzi – Desde o começo ficou claro que Lula quer terminar seu governo fazendo uma grande obra. Ele escolheu a transposição do São Francisco para isso. Só que ele pode deixar para a história uma obra com a pior das imagens.

 

IHU On-Line – Como está a reação à greve de fome de Dom Luís?

Roberto Malvezzi – A reação é nacional, rápida e muito surpreendente. Estão sendo organizadas manifestações no Brasil inteiro para o dia 4 de outubro. Há uma grande preocupação dentro do governo com o desfecho do caso. Frei Luís criou um fato político como queria criar. Agora temos de ver o desdobramento disso.

 

IHU On-Line – O governo já demonstrou algum sinal de reação?

Roberto Malvezzi – O governo deve mandar hoje (ontem) um emissário até ele com uma carta do presidente Lula. Pelo que sabemos, o conteúdo da carta é que Lula quer ouvi-lo. Agora temos de ver qual será o conteúdo da carta e qual será a reação dele. Acredito que se o governo suspender a transposição, ele deve aceitar. Caso contrário, ele não deve levar em consideração. Essa decisão está muito amadurecida e ele não pretende parar isso por qualquer coisa.

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