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'A transposição do Rio São Francisco é um absurdo, é um contra-senso que depõe contra inteligência do povo brasileiro'

Publicado: Sexta, 24 de Mai de 2019, 15h53 | Última atualização em Sexta, 24 de Mai de 2019, 15h53 | Acessos: 333

Entrevista especial com Dom Luiz Flávio Cappio.

http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/836-destaques-on-line-20

 

16/04/2007

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Dom Luiz Cappio - Imagem do Google

O segundo mandato de Lula inicia com a retomada da Transposição do Rio São Franscisco. A IHU On-Line conversou, por telefone, com Dom Luiz Flávio Cappio, bispo da Diocese da Barra, na Bahia.

Em 2005, Dom Cappio fez uma greve de fome em protesto ao projeto do Governo Federal de transpor o rio. O jejum terminou quando Dom Cappio acordou com o presidente Lula que, após as eleições, retomariam o diálogo sobre o projeto e avaliariam as alternativas para solucionar a questão da seca no Nordeste brasileiro. Em fevereiro deste ano, Dom Cappio protocolou uma carta endereçada ao presidente Lula, pedindo mais lucidez nas decisões tomadas em relação à transposição do Rio São Franscico. Em 23 de março, o Ibama liberou a obra.

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - O que o senhor sentiu, depois de tanta luta contra a transposição do Rio São Francisco, quando Governo no PAC voltou a implementar a proposta?

 

Dom Cappio Lá em Cabrobó, por ocasião do encerramento do nosso jejum, fizemos um pacto. Houve um acordo entre a sociedade civil, por mim representada, e o Governo Federal, representado pelo senhor presidente, de que não se falaria em transposição, se encerraria o processo até que se efetivasse um diálogo amplo, aberto, verdadeiro e ético entre a sociedade civil brasileira e o Governo Federal. Agora, no início deste ano, nós pedimos a reabertura desse diálogo que foi interrompido devido ao processo eleitoral. Mas isso tudo me deixou muitíssimo indignado, com essa falta de seriedade para com a palavra dada, afinal de contas não é apenas a minha pessoa, mas é a sociedade civil brasileira que eu representava naquele momento. Então, a meu ver, é um desrespeito do Governo Federal para com a sociedade civil brasileira que pensa diferentemente e, de uma maneira democrática, ética e decente, quer dialogar com o Governo Federal, que passa por cima de tudo ignorando aquilo que foi estabelecido anteriormente. Isso me indigna.

 

IHU On-Line – Então, o senhor e os movimentos sociais não foram ouvidos depois da retomada do projeto de transposição?

Dom Cappio – Foi iniciado o diálogo, que foi, no entanto, interrompido, e não se levou em consideração aquilo que foi conversado. Então, hoje, fazendo uma avaliação, a gente percebe que foi um diálogo de surdos. O governo havia estabelecido suas metas e dialogava apenas para dizer que dialogou. Mas não foi um diálogo, e sim um monólogo. Quer dizer, ele já estava com suas decisões preestabelecidas e se comportou apenas aparentemente para dar uma satisfação. Isso não é bonito. Agora, com isso, as mobilizações estão acontecendo em toda parte do semi-árido do Nordeste brasileiro porque as pessoas não aceitam esse projeto e estão lutando para que ele não aconteça.

 

IHU On-Line - A quem realmente interessa a transposição do Rio São Francisco?

 

Dom Cappio – Isto agora está claro, mas no começo havia um engodo, uma mentira estava sendo veiculada pela propaganda. A água seria para matar a sede do povo do Nordeste setentrional. Mas isso é uma mentira, uma propaganda enganosa. Agora as coisas transpareceram e o próprio Governo Federal assumiu que o projeto não visa a dessedentação humana e animal, mas visa ao incremento da indústria e do agronegócio, da produção de frutas para a exportação, da carcinucultura, enfim, o multiuso das águas do São Francisco para objetivos econômicos em beneficio de um pequeno grupo empresarial e em detrimento da grande população. Agora que isso foi desmascarado, o governo precisou mostrar a realidade de suas intenções. Além disso, também podemos dizer que, por detrás  desse projeto, existe a grande vaidade do presidente Lula de querer, com essa obra, deixar para a posteridade o seu nome.


IHU On-Line – Qual é o impacto da transposição do Rio São Francisco para as populações ribeirinhas?

Dom Cappio – Em primeiro lugar, é um projeto economicamente caríssimo. Caríssimo sobretudo quando se vê que os projetos alternativos não gastariam nem sequer a metade do montante econômico. Ecologicamente é terrível porque destrói. O Rio São Francisco precisa de cuidados. É necessário investir na sua revitalização, pois ele é anêmico e anêmico não doa sangue, isto é, precisa de cuidados. Além disso, é um projeto socialmente injusto, e é por isso que somos terminantemente contra qualquer projeto de transposição.
Todos estão clamando contra esse projeto, mas, infelizmente, o governo se faz de surdo, porque se realmente o governo estivesse interessado nos pobres, beneficiaria os pobres de onde o rio naturalmente passa. Eu moro na beira do rio e a 500 metros daqui o povo passa sede. Então, se realmente os objetivos fossem os pobres, se resolveria o problema dos pobres onde o rio passa. Entretanto, o objetivo é o agro e hidronegócio que beneficiem pequenos grupos. Existe um grande mercado de interesses, porque se fosse um projeto para beneficiar pobre, o interesse não seria tão grande assim.

IHU On-Line – Quais são as propostas alternativas capazes de apontar uma saída para a seca do Nordeste?

Dom Cappio – O Atlas que a ANA publicou agora, o Atlas hídrico do Nordeste brasileiro, é uma maravilha. Lá você verá centenas de apontamentos, de alternativas de desenvolvimento sustentável do semi-árido, cujo montante econômico não alcança a metade das cifras da transposição e é ecologicamente sustentável e respeitosamente social. A própria ANAAgência Nacional de Águas –, que é um órgão do governo, apresenta soluções, mas o governo se nega a ouvir as próprias soluções que apresenta, porque está, infelizmente, comprometido com um pequeno grupo de elite.

IHU On-Line – Porque o senhor acha que o governo não dá a atenção devida às propostas alternativas e fixa-se no projeto de transposição?

Dom Cappio – Eu vejo que, em primeiro lugar, estão grandes interesses econômicos de grupos e, em segundo lugar, a vaidade pessoal do presidente.

IHU On-Line - O senhor acha que novas manifestações podem demover o governo de continuar com o projeto de transposição?

Dom Cappio – Se o governo tiver o mínimo de bom senso ele vai ouvir o povo. Caso contrário, se ele não ouvir o povo,  ele está condenado ao ridículo, porque a transposição não vai acontecer.

IHU On-Line – E, com essas atitudes do governo, como o senhor ainda tem tanta certeza de que a transposição não vai acontecer?

Dom Cappio – Porque é um absurdo. Eu não quero ser otimista, nem pessimista, mas realista. É um absurdo, é um contra-senso e isso depõe contra a inteligência do povo brasileiro. Eu acredito na inteligência do povo brasileiro, no bom senso do povo brasileiro. E não posso admitir que um absurdo desses aconteça. Por isso eu digo, com toda a segurança, que a transposição não vai acontecer.

IHU On-Line – E para que isso não ocorra mesmo, qual é o papel que os movimentos e pastorais sociais têm?

Dom Cappio – Continuar nas suas manifestações. Houve grandes manifestações em Minas, na Bahia, em Sergipe. Em todo Vale do Rio São Francisco as mobilizações são imensas e em breve o governo vai perceber em que formigueiro entrou.

IHU On-Line – Qual tem sido o papel da CNBB nos regionais do Nordeste e da CNBB nacional?

Dom Cappio – A CNBB tem objetivos próprios. Não cabe a ela dizer o que tem que ser feito, mas existem Bispos e regionais que são a favor, infelizmente mal informados, e existem regionais contra, como a nossa Nordeste Três da Bahia, que já emitiu documento contrário à transposição. Então, a CNBB dá o seu parecer, mas ela não tem a missão de se posicionar frente a um projeto desses, deixando que cada regional e que cada bispo assuma a sua posição.

IHU On-Line – A partir do contexto do sofrimento e da luta do povo nordestino por mais vida, qual é a sua mensagem para todos os que lhe são solidários?


Dom Cappio – Eu gostaria de dizer aos meus irmãos do Nordeste que não se deixem levar pela propaganda enganosa dizendo que nós somos egoístas e não queremos dar água para eles. Isso é uma maneira maliciosa, maldosa que deseja dividir o povo nordestino. Sempre fomos coesos, mas a propaganda oficial, maliciosa, enganosa está dividindo e pondo na cabeça do povo que somos egoístas. Não é isso: eles estão sendo enganados, pois a água da transposição não será nunca em beneficio deles e sim de um pequeno grupo. E ainda vai fazer com que através do subsídio cruzado o povo pague muito mais pela água que nem sequer vai utilizar. Eu quero que a verdade de Cristo ressuscitado se mostre e não nos deixemos levar pelos engodos e mentiras dos interesses do governo federal.

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